Litígio Zero pode ser benéfico, mas ficar aquém do esperado

Apesar das condições favoráveis, programa conta com restrições que podem reduzir adesão

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Com um estoque de mais de 93 mil processos tributários, estimados em 1 trilhão de reais, o governo quer trazer mais agilidade para a resolução das disputas e abrir espaço para que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) possa focar a atuação nos casos mais vultosos. No início de janeiro, anunciou o Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal (Litígio Zero) e medidas para desafogar o Carf, como a ampliação da denúncia espontânea. Apesar de as iniciativas terem sido consideradas positivas, a avaliação dos especialistas é de que o impacto pode ficar aquém do esperado.

“Embora as medidas sejam um primeiro passo para a redução de processos em discussão no contencioso tributário administrativo federal, elas poderão não atingir todo o impacto esperado para os cofres públicos pelo Governo Federal”, avaliam as advogadas Carolina Sapori e Ligia Merlo, associadas do Freitas Ferraz Advogados. Apesar dos benefícios previstos no Litígio Zero, elas consideram que as condições não são tão favoráveis, se comparadas às transações tributárias anunciadas nos últimos meses, já que os descontos na dívida dos contribuintes depende do grau de recuperabilidade dos créditos e as o pagamento pode ser parcelado em menos vezes. Por isso, elas acreditam que é possível que as condições não se encaixem no caixa dos contribuintes, inviabilizando que eles suportem os pagamentos e se mantenham adimplentes – e frustrando a expectativa de adesão por parte do governo, que estimou arrecadar 50 bilhões de reais com ao programa em 2023.

Associados do Vieira Rezende Advogados, Frederico Bakkum e Matheus Moitinho, avaliam que as medidas são positivas pois estimulam a redução da litigiosidade. No entanto, eles consideram que um programa mais amplo de regularização tributária, nos moldes do Programa Especial de Regularização Tributária (Pert) ou Refis, aplicável a todo e qualquer débito em discussão na esfera administrativa, seria mais consistente para aumentar a arrecadação e reduzir o passivo tributário: “Entendemos que o impacto na vida dos contribuintes tende a ser abaixo do que se poderia esperar, especialmente no contexto pós pandêmico, no qual diversos contribuintes precisam de fôlego financeiro para recompor seu caixa, assim como a própria União Federal precisa robustecer a arrecadação, para fazer frente às obrigações sociais e gastos extras decorrentes da pandemia”.

O Litígio Zero foi estabelecido pela Portaria Conjunta PGFN/RFB 01/23. Trata-se de uma possibilidade de renegociar dívidas por meio da transação tributária, baseada em concessões do governo e dos contribuintes para extinguir as dívidas e os litígios que estejam na Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ), no Carf ou inscrito em dívida ativa da União (nos casos de pequeno valor). Além de ter o objetivo de reduzir o volume de processos pendentes de julgamento em âmbito administrativo, a medida visa aumentar a arrecadação.

As condições oferecidas são, à primeira vista, atraentes, mas o diabo mora nos detalhes. O programa prevê abatimento de até 100% do valor dos juros e das multas, mas o percentual depende da recuperabilidade dos créditos – aqueles classificados como irrecuperáveis e de difícil recuperação poderão ter descontos maiores que os créditos classificados como de alta ou média recuperação. Também é possível usar créditos decorrentes de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL para pagar os impostos atrasados. O prazo para adesão da transação tributária termina em 31 de março.

Para dívidas tributárias de até 60 salários-mínimos, desde que detidas pessoas naturais, microempresa ou empresa de pequeno porte, o abatimento pode ser de até 50% do valor do débito. “Apesar disso, o cenário pode não ser tão favorável para empresas de grande e pequeno porte”, consideram as advogadas do Freitas Ferraz. Isso porque a decisão sobre a recuperabilidade dos créditos fica a cargo da Receita Federal e conta com certa dose de subjetividade. Para as pequenas e médias empresas, as advogadas consideram que a transação pode ser inaplicável por não abarcar tributos recolhidos sob o Simples, adotado pela maior parte delas.

Já Bakkum e Motinho consideram que as condições são mais vantajosas para as pequenas dívidas (até 60 salários-mínimos), já que a transação é ampla, não demanda análise minuciosa da capacidade de pagamento do contribuinte e oferece descontos significativos sobre o valor total da dívida. Já para os demais contenciosos, especificamente para os créditos com alta ou média perspectiva de recuperação, as condições são consideradas atraentes, mas os advogados consideram que o alcance deve ser menor porque a transação não é muito ampla, aplicável a qualquer dívida, e demanda um valor elevado a título de entrada.

Já a possibilidade de denúncia espontânea de tributos federais, sem multa, vale até o dia 30 de abril e também faz parte do Litígio Zero. Ela foi prevista pela Medida Provisória 1.160/23. A mesma MP trouxe também uma medida mais polêmica: a volta do voto de qualidade do Carf.

Na entrevista abaixo, as advogadas do Freitas Ferraz e os advogados do Vieira Rezende detalham e avaliam as medidas.


– O que é o Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal (“Litígio Zero”)?   

Carolina Sapori e Ligia Merlo: O Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal (ou “Litígio Zero”) foi previsto na Portaria Conjunta PGFN/RFB 01/23 e é uma medida excepcional que prevê a possibilidade de renegociação de dívidas por meio da transação tributária, anunciada pelo Governo Federal para regularização fiscal no âmbito do contencioso tributário administrativo federal.

Com esse Programa, o Governo Federal busca, mediante concessões recíprocas, a solução de litígios no âmbito de Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ), do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e de pequeno valor no contencioso administrativo ou inscrito em dívida ativa da União. Seu principal objetivo é reduzir o volume de processos pendentes de julgamento em âmbito administrativo. 

Frederico Bakkum e Matheus Moitinho: O Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal é mais uma modalidade de transação tributária inaugurada pelo Governo Federal por meio da Portaria Conjunta PGFN/RFB 01/23, que visa a arrecadação de créditos tributários que estão em litígio no âmbito administrativo fiscal (DRJ e Carf) e que são classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação; e de alta ou média perspectiva de recuperação; e de créditos tributários que, independentemente da sua classificação, tenham como sujeito passivo pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte, mas que não excedam sessenta salários-mínimos.

O programa Litígio Zero pretende ampliar a abrangência da transação no âmbito federal, de modo a permitir o incremento de receitas da União Federal, bem como reduzir o estoque de processos pendentes de análise no âmbito das DRJ e do Carf.


– As condições oferecidas para os contribuintes são atraentes?

Carolina Sapori e Ligia Merlo: A Portaria Conjunta PGFN/RFB 01/23 prevê a redução de até 100% do valor dos juros e das multas a depender do grau de recuperabilidade dos créditos. Ou seja, os créditos classificados como irrecuperáveis e de difícil recuperação poderão ter descontos maiores que os créditos classificados como de alta ou média recuperação. O prazo de adesão se estende do dia 1º de fevereiro a 31 de março de 2023.

Além disso, a Portaria prevê a possibilidade de uso de créditos decorrentes de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL. Nesse caso, os créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação teriam direito a um aproveitamento maior do prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL, se comparados aos créditos classificados como de alta ou média recuperação.

Os créditos de pequeno valor (até 60 salários-mínimos) que tenham como sujeito passivo pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte possuem condições mais vantajosas. Isso porque, nesse caso, a redução poderá ser de até 50% do valor do débito e a negociação independe da capacidade de pagamento do contribuinte.

Apesar disso, o cenário pode não ser tão favorável para empresas de grande e pequeno porte. As primeiras estão restritas às classificações da Receita Federal que variam entre créditos com alta perspectiva de recuperação e créditos considerados irrecuperáveis. Entretanto, a excluir os créditos irrecuperáveis, não há critérios específicos na legislação sobre o que é considerado como alta, média ou difícil perspectiva de recuperação, o que acaba deixando essa decisão a critérios subjetivos da Receita Federal.

Já para as empresas de pequeno porte, a transação acaba sendo inaplicável em muitos casos, por não abarcar tributos recolhidos sob o regime tributário do Simples Nacional, adotado pela maior parte dessas empresas.

Frederico Bakkum e Matheus Moitinho: Em relação ao chamado “contencioso de pequeno valor” (processos envolvendo até 60 salários-mínimos), tendo como sujeito passivo pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte, a transação é bastante atraente, na medida em que é ampla, não demandando a análise minuciosa da capacidade de pagamento do contribuinte, e oferece descontos significativos sobre o valor total da dívida.

Nessa modalidade, o contribuinte paga uma entrada no valor de 4% da dívida, em até quatro prestações, e o restante em até dois meses, com desconto de 50% sobre o valor total da dívida, ou em até 8 meses, com desconto de 40% sobre o valor total da dívida.

Também podem ser incluídos, nessa mesma modalidade, débitos inscritos em dívida ativa há mais de um ano, com as mesmas condições.

Em relação às demais dívidas em contencioso tributário administrativo, o desconto somente é aplicável a créditos classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação. Nesses casos, o contribuinte poderá liquidar a dívida com redução de até 100% do valor dos juros e da multa, observado o limite de até 65% do valor total de cada crédito objeto da negociação, devendo, no entanto, pagar uma entrada de ao menos 30% do valor da dívida e o restante com a utilização de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL.

Por sua vez, para os créditos classificados com alta ou média perspectiva de recuperação, o contribuinte não terá desconto no valor dos juros e da multa, podendo apenas realizar o pagamento da dívida com uma entrada de, no mínimo, 48% do valor consolidado a ser quitada em nove prestações, sendo o restante pago com a utilização de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL.

Em suma, as condições são atraentes, mas por não ser uma transação muito ampla, aplicável a qualquer dívida, e demandar um valor elevado a título de entrada, ela tende a ter um alcance menor.


– No que consiste a denúncia espontânea e o que se deve analisar para optar ou não por ela?

Carolina Sapori e Ligia Merlo: O instituto da denúncia espontânea, previsto pelo artigo 138 do Código Tributário Nacional (CTN), permite que o devedor, antes de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, realize o pagamento espontâneo de débitos em atraso juntamente com os juros de mora devido. A grande vantagem do instituto é, portanto, afastar a aplicação das multas de mora e de ofício aplicáveis em razão da infração à legislação tributária.

No caso da Medida Provisória 1.160/23, foi estabelecido o afastamento da multa de mora e multa de ofício na hipótese do sujeito passivo confessar e efetuar o pagamento do valor integral dos tributos devidos após o início do procedimento fiscal e antes da constituição do crédito tributário. Ou seja, diferente do que prevê o Código Tributário Nacional (CTN), a denúncia espontânea nesse caso seria cabível ainda que já iniciada qualquer medida de fiscalização pelo Fisco.

A medida, no entanto, só tem validade até o dia 30 de abril de 2023 e tem como principal objetivo servir como um incentivo para a regularização espontânea de débitos em âmbito federal, servindo como mais um aliado para a redução do contencioso administrativo tributário.

Frederico Bakkum e Matheus Moitinho: Denúncia espontânea é um instrumento previsto no Código Tributário Nacional (CTN), que estimula o contribuinte a promover a autorregularização de determinado débito fiscal. Isso ocorre quando o contribuinte verifica, por exemplo, que em um determinado mês ele recolheu um valor a menor a título de determinado tributo, mas pretende regularizar esse erro de forma espontânea, antes do início de uma fiscalização. Como prêmio pela auto regularização, o contribuinte tem a exclusão da cobrança da multa de mora, pagando apenas o principal devido, acrescido dos juros de mora.

Com a Medida Provisória 1.160/2023, a denúncia espontânea foi flexibilizada, para permitir a sua aplicação mesmo nos casos em que a fiscalização já foi iniciada, desde que ainda não tenha sido lavrado auto de infração.

Os contribuintes devem analisar as fiscalizações que têm em andamento e avaliar o prognóstico de sucesso de eventual defesa. Sendo um prognóstico negativo, ou havendo um erro já identificado pelo próprio contribuinte, deve ser considerada a possibilidade de promover a denúncia espontânea, evitando a cobrança da multa de mora e de ofício.


– Na sua avaliação, essas medidas são positivas? Qual é o impacto esperado?

Carolina Sapori e Ligia Merlo: Embora as medidas sejam um primeiro passo para a redução de processos em discussão no contencioso tributário administrativo federal, elas poderão não atingir todo o impacto esperado para os cofres públicos pelo Governo Federal.

Isso porque, apesar dos benefícios trazidos pela Portaria, a restrição dos descontos de acordo com o grau de recuperabilidade e o número reduzido de parcelas aplicáveis, sobretudo se comparado às transações tributárias anunciadas nos últimos meses, podem não atender às demandas de caixa necessárias para que os contribuintes possam suportar todos os pagamentos e se manter adimplentes durante o procedimento.

Frederico Bakkum e Matheus Moitinho: Considerando o imenso contingente tributário pendente de análise nas DRJs e no Carf, medidas que estimulem a redução da litigiosidade são sempre bem-vindas, desde que bem estruturadas, pois contribuem para uma análise mais célere e robusta dos casos mais elaborados e complexos em análise no contencioso administrativo fiscal.

A possibilidade de transacionar os processos em litígio administrativo facilita a regularização de dívidas, sem a necessidade de acionar o Poder Judiciário, viabilizando a regularização do contribuinte perante a União Federal e o incremento da arrecadação.

No mesmo sentido, a flexibilização da denúncia espontânea tem um grande potencial de reduzir os litígios, estimulando a auto regularização e contribuindo para um ambiente de maior cooperação entre fisco e contribuintes.

Por outro lado, um programa mais amplo de regularização tributária, nos moldes de um PERT ou Refis, traria um efeito mais consistente do ponto de vista do incremento da arrecadação e redução do passivo tributário, tendo em vista que seria aplicável a todo e qualquer débito em discussão na esfera administrativa.

Entendemos que o impacto na vida dos contribuintes tende a ser abaixo do que se poderia esperar, especialmente no contexto pós-pandêmico, no qual diversos contribuintes precisam de fôlego financeiro para recompor seu caixa, assim como a própria União Federal precisa robustecer a arrecadação, para fazer frente às obrigações sociais e gastos extras decorrentes da pandemia.

1 comentário
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