O que é a tokenização de ativos imobiliários e como explorar algumas de suas características, vantagens e desafios perante o sistema legal brasileiro

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O mercado imobiliário é, tradicionalmente, burocrático e conservador. Esse é um dos motivos determinantes para que os ativos imobiliários sejam considerados como ativos de pouca liquidez. No geral, negócios imobiliários são complexos e, quase sempre, demandam um conhecimento apurado das partes acerca de regramentos registrais e notariais aplicáveis – além das normas de direito civil típicas de relações dessa natureza (por exemplo, que digam respeito a atos notariais e registrais, à constituição e execução de direitos e garantias reais, às benfeitorias, ao direito de preferência etc.).

Mas, e se fosse possível simplificar esses negócios imobiliários, reduzindo os custos transacionais e atribuindo-lhes maior dinamicidade e transparência? É pensando nesses objetivos que o mercado imobiliário está investindo no processo de tokenização de ativos imobiliários. Assim como a tokenização de participação societária, toda tokenização de ativos imobiliários pode ser classificada como um security token, embora o inverso não seja verdadeiro.

Nosso objetivo aqui é desmitificar o conceito de tokenização de ativos imobiliários, bem como explorar algumas de suas características, vantagens e desafios perante o sistema legal brasileiro aplicável aos negócios jurídicos imobiliários.

Recordando alguns conceitos básicos

Antes de tudo, para compreender o conceito de tokenização de ativos imobiliários é preciso fixar alguns conceitos básicos, como os de tecnologia de ledger distribuído (DLT), blockchain, smart contracts e tokens.

A tecnologia DLT é uma estrutura digital que permite o registro confiável e rápido de informações. Ela funciona como um banco de dados distribuído entre vários dispositivos, os quais, por sua vez, estão conectados em uma rede descentralizada – o termo “rede distribuída” significa que existem vários usuários que tratam simultaneamente dos registros, sem que exista um administrador principal.

Para que fique mais claro: a tecnologia DLT permite o registro eletrônico de eventos. Cada evento é armazenado com uma data e uma assinatura digital, o que garante a autoria e a data de ocorrência do evento. Esses registros são compartilhados e replicados em diversos locais, bem como mantidos pelos usuários da rede descentralizada. Cada novo evento deve ser validado por um conjunto de usuários da rede antes de ser adicionado ao banco de dados.

Blockchain é um tipo de DLT. Ela adota uma metodologia de agrupamento de registros em blocos interligados. Cada bloco possui uma data, detalhes do evento e um hash (código) do evento atual, seguido de uma referência ao hash do evento anterior, formando uma cadeia de blocos de informação protegidos por criptografia. Os dados são cronologicamente consistentes porque não é possível excluir nem modificar a cadeia sem o consenso da rede.

Como já vimos em texto anterior dessa série[1], um token ou criptoativo é a representação de um ativo, valor ou direito no ambiente digital. O token pode ser fungível ou não fungível (non fungible tokens – NFTs), a depender da possibilidade de substituição do ativo por outro de mesma espécie, qualidade e quantidade (artigo 85 do Código Civil). Assim, geralmente classificam-se como NFTs os tokens vinculados a um ativo – tangível ou intangível – que podem existir somente no mundo real ou somente no virtual.

Já o conceito de smart contracts, ao contrário do que possa parecer, não se limita a contratos escritos em formato digital. Trata-se de códigos computacionais utilizando a ferramenta DLT escolhida, que representam ações, obrigações e direitos, que podem ser automaticamente executados quando da ocorrência de algum evento específico.

A título de exemplo: imagine um smart contract imobiliário, no qual as partes definem, dentre outros termos, que a transferência de propriedade é condicionada ao pagamento de determinado valor. Uma vez registrado na rede a ocorrência do pagamento e, portanto, satisfeita a condição suspensiva, o smart contract será automaticamente executado mediante a transferência, do vendedor para o comprador, dos tokens (criptoativos) que representam a propriedade daquele imóvel subjacente, transferência essa por meio da qual busca-se alcançar o resultado inicialmente pretendido – neste caso, a conclusão da transferência do direito de propriedade, da parte vendedora para a parte compradora (o que será problematizado mais adiante, considerando as peculiaridades desse tipo de transferência segundo a legislação brasileira).

O que significa Tokenização de Ativos Imobiliários?

A tokenização é o processo de “conversão” de um ativo real ou virtual em um ativo digital, registrado na blockchain, que tem como produto o token. Na prática, isso significa emitir tokens que representam aquele determinado ativo, vinculando esses tokens ao ativo dentro de uma rede virtual.

No campo dos ativos imobiliários, esse processo consiste na fragmentação dos direitos sobre um ativo em tokens, os quais representarão os direitos sobre o respectivo imóvel. É o resultado da integração da tecnologia DLT, blockchain, smart contracts e propriedade fracionária. Semelhante ao processo de investimento em um fundo de investimento imobiliário (FII), a tokenização imobiliária divide um ativo imobiliário em frações gerenciáveis.

Porém, ao invés de cotas, a tokenização utiliza smart contracts. Qualquer pessoa que compre ou possua um token é proprietária de uma fração do ativo. Na prática, isso significa que ela terá direito tanto ao ativo quanto às perdas e ganhos que o acompanhem.

Tanto na tokenização como nos FIIs, as frações são representadas – no caso de tokenização, pelos tokens e, no caso de FIIs, pelas cotas. A principal diferença reside no fato de que a compra e venda de cotas de FIIs ocorre no âmbito dos mercados de bolsa ou de balcão organizado, seja no mercado primário seja no mercado secundário, sujeita à intermediação de agentes do mercado e à regulação da Comissão de Valores Mobiliários, ao passo que tokens imobiliários são trocados diretamente entre investidores num ambiente de nuvem, ou mesmo por plataformas de intermediação (exchanges), sendo os registos mantidos em segurança pela tecnologia baseada em blockchain ou semelhante.

Quais as vantagens da tokenização de ativos imobiliários?

Dado que a tokenização ocorre em um ambiente virtual, ela possui algumas vantagens sobre outras formas de transação de operações imobiliários. Dentre elas, destacam-se:

  • Custos transacionais mais baixos – O uso de blockchain e smart contracts permite a automatização de transações financeiras, facilitando a troca de informações com elevada confiabilidade e reduzindo assimetrias e o número de partes envolvidas, sobretudo intermediários. Isso reduz a burocracia e os custos transacionais das operações envolvendo ativos imobiliários;

 

  • Transparência – Como as informações vinculadas aos tokens são registradas utilizando a tecnologia blockchain, todos os dados podem ser validados em tempo real por qualquer pessoa com acesso à rede descentralizada, o que garante maior transparência e rastreabilidade das operações;

 

  • Maior liquidez – As ofertas de tokens podem tornar os custos de entrada extremamente baixos para os investidores, facilitando a realização de negócios envolvendo ativos imobiliários e, consequentemente, aumentando a sua liquidez;

 

  • Mitigação dos riscos – A descentralização da rede elimina a necessidade de um terceiro para validar os dados da operação, o que reduz o risco em um contexto financeiro.

 

Quais os desafios da tokenização de ativos imobiliários no Brasil?

Apesar de ser uma tecnologia revolucionária, a tokenização de ativos imobiliários ainda enfrenta desafios para a sua implementação no Brasil, incluindo desafios técnicos, regulatórios, fiscais e de registro.

A dificuldade técnica decorre do fato de que o mercado imobiliário brasileiro parece ainda não estar preparado para receber esse tipo de tecnologia. Para isso, é necessário, primeiramente, a adoção de um sistema de blockchain de ampla aceitação, o que permitirá o armazenamento de dados com imutabilidade, eficiência e segurança. Apesar de haver iniciativas na área, não há ainda uma rede única para transacionar tokens relacionados a imóveis ou ao menos alguma forma de interligação entre as redes individuais existentes. Sem isso, não nos parece ser possível desenvolver plenamente a tokenização dos ativos imobiliários.

Outro ponto sensível é que a tecnologia baseada em blockchain, smart contracts e tokenização não altera o tratamento jurídico dos bens imóveis subjacentes às transações. Embora otimize os ganhos financeiros, economize tempo e facilite a gestão de dados, a tokenização ainda tem um longo caminho a percorrer no que diz respeito à regulamentação legal desse tipo de transação, especialmente quanto aos aspectos notariais e de registro. Alguns pontos cruciais, por exemplo, ainda não possuem resposta:

  • (i) se o proprietário de um bem imobiliário objeto de tokenização pretender alienar ou onerar aquele bem, quais serão os mecanismos legais de proteção do titular do(s) token(s) vinculados àquele imóvel?

 

  • (ii) dado que o artigo 1.245 do Código Civil condiciona a transferência do direito de propriedade ao registo de escritura pública na certidão de matrícula do respectivo imóvel, qual é a extensão dos direitos do titular de um token?

 

  • considerando as peculiaridades da legislação e da regulamentação notarial e registral brasileira, será possível implementar escrituras inteligentes e autoexecutáveis como os smart contracts?

 

  • (iv) como as operações envolvendo tokenização de ativos imobiliários serão tributadas? Por exemplo, até o momento, não há definição sobre como declarar tokens imobiliários na declaração de imposto de renda ou sua contabilização pelas pessoas jurídicas; se a transmissão de um token imobiliário é evento tributável similar à transferência da propriedade de um bem imóvel; se os tokens imobiliários receberão o mesmo tratamento tributário que os NFTs; ou ainda se a receita auferida por uma empresa que detenha tokens imobiliários será – ou não – considerada receita imobiliária, configuração determinante para a definição da carga tributária incidente sobre as operações que os envolvam.

A depender de muitas dessas respostas, por exemplo, as soluções de tokenização possíveis podem ser reduzidas à representação de direitos obrigacionais relacionadas ao imóvel (e.g. direito a receber parte dos lucros) ao invés de efetivamente representar direitos reais sobre os imóveis (e.g. direito de propriedade).

Essas são apenas algumas perguntas que precisam ser respondidas antes que se possa implementar a tecnologia de tokenização de ativos imobiliários, de modo a garantir segurança jurídica tanto para o detentor do token, quanto aos proprietários de imóveis e terceiros.

Os avanços tecnológicos estão revolucionando o mercado das mais diversas formas. No entanto, é preciso lembrar que a legislação e a regulamentação acompanham os avanços tecnológicos em uma velocidade diferente. Assim, é importante acompanhar as novidades do mercado de tecnologia, porém, sempre com cautela e avaliando os seus efeitos práticos.


[1] GUIDI, Guilherme; CORASSA, Eugênio. Do bitcoin à tokenização de ativos mobiliários. Disponível em: https://legislacaoemercados.capitalaberto.com.br/do-bitcoin-a-tokenizacao-de-ativos-mobiliarios/. Acesso em 16 de maio de 2023.

1 comentário
  1. Evelynn Diz

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