Concessões rodoviárias surgem com novos critérios

Governo adota mitigadores de risco para evitar que tarifas agressivas inviabilizem investimentos necessários

0
A primeira licitação de concessão rodoviária realizada pelo novo governo federal, que já será feita num modelo cujo principal critério de escolha do vencedor é a menor tarifa, está marcada para o dia 25 de agosto. Na data, será leiloada a concessão do Lote 1 das Rodovias do Paraná. A expectativa é positiva, apesar dos juros ainda elevados atuarem como um inibidor do interesse dos investidores.

“Do ponto de vista da estruturação, o projeto tem tudo para atrair competição. O cenário econômico de juros ainda bem altos, entretanto, pode diminuir um pouco o apetite de alguns agentes (a TIR do projeto é de 8,47%). Saberemos no dia 25/08”, afirma Maria Virginia Mesquita, sócia do Vieira Rezende Advogados.

A advogada lembra que o mercado de rodovias vem passando por movimentos interessantes: as concessionárias ligadas a construtoras passaram a dividir espaço com fundos de investimento. Foi o que aconteceu com o trecho norte do Rodoanel Mario Covas, que circunda a cidade de São Paulo, e cujo vencedor foi o consórcio Via Appia Fundo de Investimento em Participações (FIP), da gestora Starboard.

O lote 1 das Rodovias do Paraná tem 473 quilômetros e inclui rodovias que ligam Curitiba e cidades da Região Metropolitana, Centro-Sul do Paraná e região dos Campos Gerais. Estão previstas ainda para este ano a concessão do lote 2 das Rodovias do Paraná (com leilão já marcado para o dia 29 de setembro), da BR-381 (de Governador Valadares a Belo Horizonte-MG) e um trecho da BR-040 que vai de Belo Horizonte ao Rio de Janeiro (RJ). Também é esperada a publicação do edital da BR-040, no trecho que liga Cristalina (GO) a Belo Horizonte (conhecido como Rota dos Cristais).

Em todos os casos, o critério mudou da maior outorga para a menor tarifa, mas agora com mitigadores para reduzir o risco de o concessionário dar descontos muito agressivos e deixar de fazer os investimentos necessários nas rodovias. Mesquita lembra que a Lei de Licitações permite que as propostas manifestamente inexequíveis sejam desclassificadas. “Mas a verdade é que, hoje em dia, é impossível desclassificar uma proposta mais barata, se esse for o critério de julgamento das propostas. Vimos esse filme num passado não longínquo. Há casos em que aquele que vence o leilão dá um desconto tão grande que precisa renegociar o contrato logo nos primeiros anos da concessão. O critério utilizado agora parece buscar um meio termo entre a menor tarifa e limites a descontos muito agressivos.”

Os mitigadores adotados serão a necessidade de o vencedor realizar aportes crescentes, à medida que o deságio aumenta. Os aportes serão feitos em uma conta – da qual os valores necessários para as obras serão sacados, garantindo os investimentos nas rodovias. Descontos de até 18% na tarifa não requerem aportes; de 19% a 23%, será necessário aportar 100 milhões de reais para cada ponto percentual de desconto. A partir de 31% de deságio, esse valor sobe para 150 milhões por ponto percentual.

Na entrevista abaixo, Mesquita aborda a mudança do critério para as concessões de rodovias e a expectativa com o leilão do lote 1.


– Quais foram as novidades trazidas com relação à licitação do Lote 1 das Rodovias do Paraná, e que vai servir de modelo para as demais concessões rodoviárias planejadas pelo governo federal para 2023? 

Maria Virginia Mesquita: A maior novidade é a retomada do critério de menor tarifa, mas agora com um mecanismo mitigador do risco de descontos muito agressivos no leilão, que é a obrigação de aporte acima de um certo deságio.


– Por que o governo optou por mudar o critério de escolha do vencedor, que passou do maior valor da outorga para a menor tarifa (no caso do Lote 1 das Rodovias do Paraná)? 

Maria Virginia Mesquita: Dizer que o poder concedente está buscando o mecanismo que garanta que o usuário pagará a menor tarifa é sempre algo que tem muito apelo. As experiências do passado fizeram com que uma parte da população paranaense tivesse grande resistência a eventuais aumentos de pedágio – que não devem ocorrer com essas novas concessões – e essa bandeira virou inclusive uma plataforma política.

Mas quem acompanha de perto os projetos de infraestrutura sabe do perigo do leilão puramente com base em menor tarifa. O incentivo para o licitante dar descontos agressivos é grande. A Lei de Licitações permite que as propostas manifestamente inexequíveis apresentadas numa licitação sejam desclassificadas. Mas a verdade é que, hoje em dia, é impossível desclassificar uma proposta mais barata, se esse for o critério de julgamento das propostas. Vimos esse filme num passado não longínquo. Há casos em que aquele que vence o leilão dá um desconto tão grande que precisa renegociar o contrato logo nos primeiros anos da concessão.

O critério utilizado agora parece buscar um meio termo entre a menor tarifa e limites a descontos muito agressivos. Quem trafega pelo Paraná e vê a quantidade de estradas não duplicadas, abarrotadas de caminhões, sabe a importância de se selecionar um competidor capaz de fazer os investimentos necessários, não apenas em duplicação, mas em alças de acesso, viadutos e outros dispositivos. É muito importante não apenas para a segurança de quem trafega em veículos, mas também para as populações que vivem em trechos urbanos cortados pelas rodovias.


– Quais são os pontos positivos e negativos da mudança dos critérios? 

Maria Virginia Mesquita: O positivo é sinalizar para a população que a modicidade tarifária está sendo levada em conta e que a concessão não está sendo usada para fins arrecadatórios. O negativo é o risco de incentivar lances agressivos e futuras inexecuções contratuais que levam anos para se resolver, muitas vezes comprometendo a qualidade do serviço e a credibilidade da regulação, além de gerar desequilíbrio com as concessões leiloadas sob outros critérios (fazendo com que um usuário pague R$ 2,64 de pedágio ao trafegar por uma rodovia (em condições sofríveis) e depois R$ 13,10 em outra (em vias impecáveis).


– Qual é a expectativa com relação ao interesse das empresas pelos leilões? 

Maria Virginia Mesquita: O mercado de rodovias passou por movimentos interessantes nos últimos meses. Concessionárias com origem nas grandes construtoras passaram a dividir espaço com fundos de investimentos. O Rodoanel Norte, por exemplo, que tem um desafio de investimentos e finalização de obras muito relevante, foi arrematado por um fundo especializado nas chamadas “special situations”. As concessionárias tradicionais, entretanto, têm marcado presença num passado recente, vencendo leilões de grandes projetos. Do ponto de vista da estruturação, o projeto tem tudo para atrair competição. O cenário econômico de juros ainda bem altos, entretanto, pode diminuir um pouco o apetite de alguns agentes (a TIR do projeto é de 8,47%). Saberemos no dia 25/08.


Leia também

Mesmo com cenário adverso, governo de SP relicita rodovias

Deixe uma resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.