Final feliz para o leilão do Rodoanel de SP

Participação de quatro consórcios demonstra o interesse na PPP

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Após um histórico de paralisações, o trecho norte do Rodoanel Mario Covas – o último do anel viário que circunda a cidade de São Paulo que falta ser completado – foi finalmente leiloado com sucesso. O certame realizado em 14 de março contou com a participação de quatro interessados. O vencedor do leilão do Rodoanel foi o consórcio Via Appia Fundo de Investimento em Participações (FIP), da gestora Starboard.

Claudio Pieruccetti, sócio do Vieira Rezende Advogados, considera que o resultado foi positivo por vários motivos. Um deles é que, na tentativa anterior do governo de realizar o leilão, em 2022, não houve interessados, mas dessa vez quatro grupos, sendo um estrangeiro, participaram – o que pode ser considerado um destaque nesse momento de juros elevados. “Não se pode deixar de mencionar, ainda, que as condições da proposta vencedora são muito vantajosas para o governo do Estado, que ficou isento de pagamento das contraprestações anuais e teve uma redução de aproximadamente 23% do valor dos aportes inicialmente previstas no projeto”, diz Pieruccetti. “Por fim, penso que o resultado do leilão também deve ser considerado muito bom porque o término da obra trará consigo um benefício social, na medida em que aliviará o tráfego de veículos nas marginais.”

O último trecho que falta para completar o rodoanel será uma Parceria Público Privada (PPP), que previa o aporte de R$ 1,4 bilhão do governo para a conclusão da obra – e a iniciativa privada entrará com o restante. O governo também deveria pagar anualmente R$ 51,4 milhões para a concessionária vencedora, para compensar a insuficiência do valor do pedágio, que não será suficiente para remunerar adequadamente a concessionária.

Essas eram as previsões de desembolso do governo, de acordo com o edital, mas na prática elas serão menores. Eram dois os critérios de escolha do vencedor, e ambos consideraram a redução do valor que o governo deverá aportar na obra: o maior desconto sobre esse valor anual e o maior desconto sobre o R$ 1,4 bilhão para concluir a obra.

Além do Via Appia FIP, da gestora Starboard, participaram do leilão também os consórcios Infraestrutura SP (EPR2 e Voyager Participações), SP Flow (liderado pela XP) e Acciona. Na primeira fase, levou-se em conta o desconto sobre os pagamentos anuais de R$ 51,4 milhões que deveriam ser feitos pelo governo. Via Appia e Infraestrutura SP ofereceram 100% de desconto e passaram para a segunda fase. A disputa então foi travada com relação ao menor desembolso do governo para terminar a obra (sobre o R$ 1,4 bilhão). Via Appia ofereceu desconto de 23,1% e Infraestrutura SP, de 5,11%.

A construção do trecho norte do rodoanel, com 44 quilômetros, foi iniciada em 2013 e paralisada em 2018. A conclusão da obra está prevista para 2026. A concessão é por 31 anos e o valor investido previsto, de R$ 3,4 bilhões.

Por conta das dificuldades de atrair interessados para concluir uma obra paralisada, que pode trazer surpresas e necessidades de investimento mais elevadas do que as inicialmente previstas, o leilão foi viabilizado graças a alguns ajustes feitos no edital. O governo já havia tentado realizar o leilão em abril de 2022, mas recuou após constatar o baixo interesse e promoveu os tais ajustes.

O edital então passou a prever a realização de um projeto executivo por parte do vencedor, que deve apresentá-lo em até 12 meses. Nesse período, o consórcio irá avaliar o real estado da obra e poderá devolver a concessão caso haja uma diferença muito significativa entre os custos inicialmente estimados e os de fato orçados após o estudo. Pieruccetti enxerga prós e contras nessa solução. Por um lado, considera que essa modelagem pouco usual pode acarretar uma litigiosidade já no início da execução do contrato. Mas, por outro, traz conforto para a iniciativa privada na hora de mensurar os riscos do projeto, constituindo-se em uma alternativa para atrair interessados. “Se na prática a solução se mostrar efetiva, penso que ela pode sim se tornar uma tendência”, afirma.

Na entrevista abaixo, Pieruccetti avalia o resultado do leilão.


– Qual é a sua avaliação sobre o resultado do leilão do trecho norte do Rodoanel Mario Covas?

Claudio Pieruccetti: O resultado do leilão foi muito bom por várias razões, a começar pelo fato de que o Governo do Estado de São Paulo conseguiu levar a cabo a concessão do Trecho Norte depois da desistência em prosseguir com o projeto no ano de 2022 por falta de interesse do setor privado.

Além disso, importante salientar que o sucesso do leilão pode ser medido pelo fato de ter tido a participação de quatro grupos, inclusive um estrangeiro, que se dispuseram a apresentar ofertas para o projeto em um momento em que se convive com uma alta taxa dos juros básicos (13,75%).

Não se pode deixar de mencionar, ainda, que as condições da proposta vencedora são muito vantajosas para o governo do Estado, que ficou isento de pagamento das contraprestações anuais e teve uma redução de aproximadamente 23% do valor dos aportes inicialmente previstas no projeto.

Por fim, penso que o resultado do leilão também deve ser considerado muito bom porque o término da obra trará consigo um benefício social, na medida em que aliviará o tráfego de veículos nas marginais.


– Quais são as principais obrigações do poder público e da concessionária?

Claudio Pieruccetti: A concessão do Trecho Norte do Rodoanel dá à concessionária o direito de explorar a rodovia pelo prazo de 31 anos mediante um investimento de aproximadamente 3 bilhões de reais, incluindo-se aí os recursos necessários para o término da obra, bem como para operação e manutenção da via durante o prazo da concessão.

Ainda estão englobadas nas obrigações do parceiro privado a elaboração dos projetos executivos relacionados com a conclusão da obra (decorrentes da identificação de 1.300 falhas no projeto por parte do Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e o emprego de tecnologia no gerenciamento e na operação. A concessionária, por exemplo, deverá lançar mão de um sistema de gerenciamento de obra e de um programa de avaliação internacional de estradas, além de instalar sistemas de cobrança do tipo “free flow”, isto é, sem praças de pedágio, e que realiza a cobrança da tarifa por meio da medição eletrônica da distância percorrida pelo veículo, tal qual o sistema que será implantado na concessão da Rio-Santos.

Além disso, nos termos da Cláusula 19ª, a concessionária ainda tem a obrigação, dentre outras, de efetuar as desocupações e instituir as servidões administrativas e construir um centro de controle operacional.

Do lado do Poder Público, a principal obrigação está prevista na Cláusula 12ª e diz respeito ao aporte público, que deverá ocorrer na medida em que se verificarem determinados eventos previstos no contrato. Ademais, nos termos da Cláusula 20ª, ainda possui a obrigação de fixar e rever a tarifa do pedágio, assegurado o reequilíbrio econômico-financeiro, e promover a autuação dos usuários inadimplentes.


– Os ajustes feitos no edital podem ser considerados bem-sucedidos, dada a participação de quatro interessados no leilão do rodoanel? Ou a acirrada disputa indica que o governo deixou dinheiro na mesa e que poderia ter se comprometido a investir menos ou prever menos possibilidades para a devolução antecipada da concessão?

Claudio Pieruccetti: Essa é uma pergunta para a qual possivelmente não há uma resposta exata, e certamente contará com variações a depender dos conceitos que cada analista possui a respeito de serviços públicos, em especial a concessão de serviços públicos.

De minha parte, penso que em se tratando de serviços públicos o viés principal do Poder Público deve ser o de universalizar os serviços (termo inclusive expressamente inserido no marco legal do saneamento), fornecendo ao cidadão a melhor qualidade de vida possível. Não por outra razão, a Lei de Concessões possui um capítulo específico para tratar do “serviço adequado”.

No caso do Rodoanel, há de se levar em conta que as obras de instalação tiveram início nos anos 90. Ou seja, é um projeto que se arrasta há aproximadamente 30 anos sem que tenha sido concluído. Além disso, tenha-se em mente que, especificamente no que diz respeito ao Trecho Norte, o Governo de São Paulo desistiu da tentativa de realizar a licitação no ano passado por falta de interesse do setor privado, o que provavelmente ocorreu diante do cenário econômico, que já apresentava uma alta taxa de juros e ainda tinha pela frente o processo eleitoral para a Presidência da República.

Nesse cenário, e considerando o impacto social da obra, especialmente na mobilidade urbana da cidade de São Paulo e de seu entorno, me parece correto o movimento do Poder Público de tornar o projeto mais atrativo para a iniciativa privada, sob pena de ser necessária a atuação direta mediante a contratação de uma obra pública (e não de um parceria público-privada), onde certamente o custo seria bem maior.


– A existência de um prazo de doze meses para que a empresa vencedora avalie o real estado da estrutura e, em caso de necessidade, peça reequilíbrio econômico-financeiro do contrato pode ser uma solução interessante para atrair interessados concluir em obras paralisadas? Esse mecanismo é comum? Pode se tornar uma tendência?

Claudio Pieruccetti: Até onde tenho conhecimento essa não é uma modelagem usual, muito embora me pareça juridicamente viável. O que esse cenário pode eventualmente acarretar é uma litigiosidade já no início da execução do contrato, e pode trazer dificuldades para o parceiro privado uma vez que as discussões sobre reequilíbrio econômico-financeiro de contratos administrativos sempre apresenta muitas variáveis.

De todo modo, estabelecer previamente a possibilidade de apresentação de pleitos de reequilíbrio na hipótese de a situação real do local da obra não corresponder com aquela informada pelo Poder Público no momento da realização da licitação de fato traz um conforto para a iniciativa privada quando da mensuração dos riscos envolvidos no projeto e pode sim ser uma solução para atrair interessados, que em um cenário de juros altos sempre possuem a alternativa de recorrer a investimentos mais conservadores.

Se na prática a solução se mostrar efetiva, penso que ela pode sim se tornar uma tendência.

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