Carf mantém sessões remotas em 2021

Modelo exclusivamente virtual pode acabar prejudicando demandas de grandes contribuintes

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Há pouco mais de um mês, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) divulgou o calendário de sessões referente ao ano de 2021. Um dos pontos do documento prevê a manutenção, ao longo do próximo ano, dos julgamentos virtuais, estabelecidos há alguns meses por conta do isolamento social imposto pela pandemia.

A decisão seria mais uma entre tantas relacionadas a formas alternativas de julgamentos e assembleias, mas no caso do Carf a falta de sessões presenciais tem uma implicação particular: a situação dificulta o acompanhamento dos julgamentos por partes não interessadas, o que prejudica os ajustes e as apresentações de defesas em casos semelhantes.

Como explica Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, nas sessões remotas é possível fazer sustentação oral, por meio de áudio ou vídeo previamente gravado, e participar da sessão de julgamento simultaneamente, o que é próximo das prerrogativas das sessões presenciais. “Mas as partes não envolvidas no processo não podem acompanhar a sessão, o que era facultado no modo presencial”, destaca.

Há, ainda, uma questão relacionada a grandes contribuintes, que podem não ter seus casos analisados em julgamentos virtuais. “As sessões virtuais estão sendo adotadas para julgamentos de médio porte, ou seja, com teto de 8 milhões de reais”, afirma Vitor Massoli, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados. Vale lembrar que esse montante era de 1 milhão de reais e foi elevado por causa da pandemia.

Casos que envolvam valores mais altos que 8 milhões de reais só são avaliados nas sessões remotas do Carf se forem relacionados a matérias já sumuladas pelo órgão ou que tenham decisão definitiva do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF) na sistemática dos recursos repetitivos ou repercussão geral. “Com isso, as demandas dos grandes contribuintes estão fora, por ora, das sessões virtuais, o que afeta o fluxo regular dos julgamentos do Carf — poderíamos dizer, portanto, que eles estão paralisados há quase um ano no tribunal administrativo”, acrescenta Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia do Candido Martins Advogados.

A seguir, Chiaradia, Braichi e Massoli tratam de outros detalhes do calendário 2021 do Carf e de seus efeitos sobre as demandas dos contribuintes.


Conforme o calendário para 2021 divulgado recentemente pelo Carf, o órgão vai manter no próximo ano as sessões remotas adotadas neste ano por causa da pandemia. Como estão funcionando essas sessões virtuais? Elas oferecem aos contribuintes as mesmas prerrogativas das sessões presenciais?

Depois que começou a pandemia, o Carf logo iniciou os julgamentos de forma virtual. Num primeiro momento, as sessões eram feitas sem monitoramento em tempo real. Aos patronos, era autorizada a apresentação de memoriais e a realização de sustentação oral, mas gravada previamente, sendo que os vídeos dos julgamentos só eram disponibilizados após as sessões. Essa postura inicial prejudicou muito os julgamentos. Isso porque aos contribuintes não foram asseguradas prerrogativas das sessões presenciais, como a possibilidade de, em tempo real, realizar interrupções necessárias — “pela ordem” —, especialmente para esclarecimentos de questões de fato, em desrespeito aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Isso inclusive acarretou numerosos pedidos de retirada de processos de pauta, para aguardar o retorno das sessões presenciais.

Depois foi disponibilizado acesso, aos patronos, às videoconferências das sessões de julgamento, permitindo o acompanhamento em tempo real da sessão, para a realização da sustentação oral ou acompanhamento do julgamento. Essa mudança é positiva por permitir, ao menos, a possibilidade de manifestação durante o julgamento para chamar a atenção dos julgadores quanto a cada caso concreto. Mas ainda é cedo para emitirmos um juízo de valor sobre as novas sessões, pois os grandes casos ainda estão sendo retirados de pauta para aguardar o retorno dos julgamentos presenciais.

O Carf implementou as sessões virtuais de julgamento para as turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais e Turmas Ordinárias, que são realizadas por meio de videoconferência e disponibilizadas na internet.

As sessões são regulamentadas pela Portaria Carf nº 17.296/20, alterada pela Portaria Carf nº 19.336/20. É possível fazer sustentação oral, por meio de áudio/vídeo previamente gravado, e participar da sessão de julgamento simultaneamente, o que é próximo das prerrogativas das sessões presenciais.

Todavia, partes não envolvidas no processo não podem acompanhar a sessão, o que era facultado no modo presencial. O acompanhamento permitia que contribuintes ajustassem sua apresentação e defesa, por exemplo, enfatizando algum fato diante de resultados em casos similares.

As sessões virtuais estão sendo adotadas para julgamentos de médio porte, ou seja, com teto de 8 milhões de reais. Nesses casos, é permitido às partes apresentar defesa oral. Contudo, a grande diferença das sessões virtuais é que elas se restringem à participação das partes envolvidas. Desse modo, não é possível que o advogado assista a julgamentos de outros contribuintes, o que sempre se apresentou como ferramenta interessante para análise de precedentes e estratégias, quando dos julgamentos presenciais.


O mecanismo de julgamentos virtuais de alguma maneira afeta as análises das demandas dos grandes contribuintes? Existe limite de valor para os casos avaliados de forma remota?

O regimento do Carf prevê inicialmente que os processos com valor original inferior a 1 milhão de reais — bem como para aqueles com matérias já sumuladas pelo Carf ou que tenham decisão definitiva do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF) na sistemática dos recursos repetitivos ou repercussão geral — podem ser julgados por videoconferência ou tecnologia similar. Por conta da pandemia, excepcionalmente, o Carf autorizou o aumento desse limite para 8 milhões de reais.

Com isso, as demandas dos grandes contribuintes estão fora, por ora, das sessões virtuais, o que afeta o fluxo regular dos julgamentos do Carf — poderíamos dizer, portanto, que eles estão paralisados há quase um ano no tribunal administrativo.

As sessões de julgamento não presenciais abrangem os processos de até 8 milhões de reais, e, independentemente do valor, aqueles que versem exclusivamente sobre matéria objeto de súmula ou resolução do Carf ou, ainda, de decisão definitiva de tribunais superiores (STF ou STJ), proferidas na sistemática de repercussão geral ou repetitivos.

Sem previsão de elevação do atual teto, grande parte das demandas dos grandes contribuintes deixa de ser julgada, o que estanca as decisões de algumas teses. Com a paralisação dos julgamentos mais complexos, também não há espaço para aplicação da nova forma de desempate dos julgamentos, agora favorável aos contribuintes.

Atualmente, o limite está fixado em demandas de até 8 milhões de reais. Naturalmente, isso afeta a realidade dos grandes contribuintes, que demorarão a ver seus julgamentos pautados caso a lógica se mantenha.


Existe, na sua avaliação, a possibilidade de o Carf não retomar as sessões presenciais, pelo menos a médio prazo?

Pelo que estamos acompanhando, não há previsão de retorno, a curto e médio prazos, das sessões presenciais. Apesar da necessidade de se dar vazão aos julgamentos dos casos represados, é necessário ainda aguardar segurança para essa retomada. O que se estuda é a possibilidade de manter as sessões por videoconferência, com a possibilidade de ampliação do valor-limite, para alcançar mais casos.

Não há previsão de retorno de julgamentos presenciais para o próximo ano, e existe possibilidade de expansão do trabalho remoto. Além disso, há indicativos de que os procedimentos virtuais aumentaram a produtividade e diminuíram os gastos, aspectos favoráveis à manutenção das sessões remotas ao menos a médio prazo.

Os números de produtividade nos julgamentos virtuais, assim como a economia gerada com a ausência de boa parte dos deslocamentos dos participantes, têm sido vistas com bons olhos. Nesse aspecto, é possível, por exemplo, que as sessões virtuais permaneçam vigentes para julgamentos de pequeno porte por um período maior.


Qual a importância, do ponto de vista de grandes contribuintes que têm casos em análise do Carf, das sessões presenciais do órgão?

As sessões presenciais do Carf são indispensáveis para o julgamento das grandes causas. Nelas, é possível chamar a atenção dos julgadores para a análise detalhada dos casos, sem as interferências que as videoconferências permitem. É importante ressaltar que o contato direto com os conselheiros do Carf, seja durante a sustentação oral, seja em momento prévio ao julgamento (no despacho dos memoriais) é fundamental, no âmbito do contencioso administrativo, para que os contribuintes possam esclarecer e apontar os tópicos mais importantes de sua defesa.

Em casos mais complexos, quando comparada à sessão presencial, a sessão remota é insuficiente em certos aspectos. Isso porque a sessão presencial permite discussões mais avançadas, seja pelo alto valor não alcançado pelo teto, seja pela possibilidade de acompanhamento pelo público das sessões.

Um ponto relevante é a possibilidade de realização de sustentação oral ao vivo em sessões presenciais, que pode ser customizada ao momento, focando em pontos controvertidos. No caso da sessão virtual, a sustentação oral é gravada previamente, engessando um pouco a defesa do contribuinte.

Portanto, diante da ausência de flexibilidade da defesa em sessões virtuais, bem como da impossibilidade de julgamento aberto ao público, a meu ver, a sessão presencial ainda é mais completa e essencial ao Carf.

A importância é vital. A análise das sessões presenciais sempre foi estratégia relevante para avaliação de posicionamento do órgão em casos análogos. A concatenação de ideias e formatação de argumentos com base em precedentes e manifestações anteriores é relevante.

 

 

 

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