Autorregularização tributária pode ser boa oportunidade

Afastamento de multas e juros e possibilidade de utilização de prejuízo fiscal e precatórios são atrativos para quitar impostos em atraso

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Por meio da autorregularização tributária, os contribuintes ganharam uma alternativa para pagar tributos em atraso de forma parcelada e com afastamento de multa e juros. A possibilidade foi trazida pela Lei 14.740/23. As condições oferecidas podem ser interessantes, mas a opção por aderir ao programa depende de uma avaliação caso a caso.

Por meio da autorregularização, o contribuinte confessa a dívida tributária e a quita. De acordo com Lei 14.740/23, publicada em novembro de 2023, se o contribuinte pagar à vista pelo menos 50% do débito, fica isento de multas (de mora e de ofício) e juros de mora. Os 50% restantes podem ser pagos em até 48 parcelas corrigidas pela taxa Selic. Outra possibilidade interessante é que o pagamento dos 50% à vista pode ser feito com precatórios próprios ou adquiridos de terceiros e créditos de prejuízo fiscal de IRPJ e de base negativa de CSLL, inclusive de controladoras ou controladas, de forma direta ou indireta.

Podem participar do programa de autorregularização instituído pela Lei 14.740/23 os débitos tributários que não tenham sido constituídos até a data de publicação da lei e aqueles que venham a ser constituídos entre a data de publicação da lei e o termo final do prazo de adesão. O programa abarca tributos administrados pela Receita Federal, exceto os apurados no regime do Simples Nacional, e ainda será regulamentado. 

Quando vale a pena aderir à autorregularização tributária 

“Trata-se de bom programa para os contribuintes que possuem passivos tributários, que podem analisar a possibilidade de êxito em eventual litígio para decidir se seria mais vantajoso aderir ao programa com os benefícios oferecidos”, avaliam Sávio Hubaide e Rute Souza, associados do Freitas Ferraz Advogados. O ponto é que, como a autorregularização tributária prevê a confissão da dívida, a adesão ao programa pode não ser interessante para contribuintes que estão questionando o pagamento dos impostos na esfera administrativa ou judicial, e que têm chances de sucesso.

“Uma questão importante a ser analisada é o cenário da jurisprudência, tanto administrativa como judicial, em relação ao débito apurado pelo contribuinte. Para débitos em que haja precedentes desfavoráveis, julgados na sistemática da repercussão geral ou dos repetitivos pelos tribunais superiores, cuja observância nas demais instâncias é obrigatória, ou caso envolva um tema cujas decisões proferidas no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sejam desfavoráveis aos contribuintes de forma já consolidada, é importante que as empresas avaliem com seus advogados a adesão ao  programa, tendo em vista se tratar de casos de difícil reversão”, avaliam Bruna Luppi e Carlos Augusto Bender, sócia e associado do Vieira Rezende Advogados.

Além disso, eles consideram que a adesão pode ser uma boa opção para contribuintes que tenham créditos de prejuízo fiscal ou de base de cálculo negativa da CSLL, já que esses créditos podem ser usados para pagar até 50% do débito à vista. Para Luppi e Bender, o programa de autorregularização é positivo, apesar de impor determinadas condições e uma reduzida janela de oportunidade (considerando tributos/créditos tributários passíveis de inclusão e prazo de adesão). Isso porque ele é mais uma possibilidade de incentivo à regularização de débitos e pode ser interessantes para contribuintes em dificuldades financeiras, que queiram evitar o contencioso tributário e mesmo com débitos que envolvam teses desfavoráveis.

Na entrevista abaixo, os advogados do Freitas Ferraz e do Vieira Rezende abordam a Lei 14.740/23 e o programa de autorregularização tributária.


– No que consiste a autorregularização de tributos e qual a sua diferença em relação ao Programa de Recuperação Fiscal (Refis)?

Sávio Hubaide e Rute Souza: A Lei nº 14.740/23 instituiu programa de autorregularização incentivada, que permite a quitação de tributos administrados pela Receita Federal com afastamento das multas de mora e de ofício, e com possibilidade de afastamento integral dos juros da mora.

Poderão ser regularizados os débitos tributários que não tenham sido constituídos até a data de publicação da Lei, inclusive aqueles com procedimento de fiscalização em curso, como também créditos que venham a ser constituídos entre a data de publicação da lei e o termo final do prazo de adesão, inclusive por meio de auto de infração, notificação de lançamento e despacho decisório que homologue parcialmente as compensações.

A autorregularização da Lei nº 14.740/23 muito se assemelha aos chamados Refis, conhecidos como programas de regularização de débitos tributários instituídos nos âmbitos municipal, estadual e federal. Algumas diferenças são: os Refis normalmente estabelecem uma data limite de constituição dos débitos abarcados pelo programa anterior, enquanto a lei atual permite a inclusão até de débitos constituídos após sua edição; os Refis costumam permitir mais opções de pagamento à vista ou parcelamento, em que o desconto é inversamente proporcional ao número de parcelas, enquanto a lei prevê apenas uma modalidade de pagamento à vista de 50% e parcelamento do restante em até 48 vezes. 

Bruna Luppi e Carlos Augusto Bender: A autorregularização de tributos consiste em mecanismo que, por meio de incentivos como redução da multa e de juros e da possibilidade de parcelamento dos valores busca incentivar a conformidade tributária, a exemplo do recente Programa de autorregularização incentivada de tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal, instituído pela Lei nº 14.740/23. Dentre os principais objetivos da autorregularização de tributos, é possível citar o estímulo à regularização fiscal dos contribuintes, bem como a redução dos créditos em cobrança no âmbito da administração tributária.

Em relação ao Programa de Recuperação Fiscal (Refis), a diferença, basicamente, resume-se ao nome do instituto, cujos incentivos e objetivos, apesar das suas especificidades, são os mesmos, de forma geral.


Quais são as condições previstas pela Lei 14.740/23 para que os contribuintes autorregularizem seus débitos com a Receita Federal?

Sávio Hubaide e Rute Souza: Os contribuintes poderão aderir à autorregularização em até 90 dias após a regulamentação da lei, por meio de confissão e pagamento ou parcelamento do valor integral dos tributos, sendo que os tributos não constituídos deverão ser confessados por meio de retificação das obrigações acessórias.

Ademais, a exclusão das multas e juros de mora está condicionada ao pagamento de, no mínimo, 50% do débito à vista, e do restante em até 48 parcelas, que serão corrigidas pela taxa Selic.

Além disso, os contribuintes poderão quitar os montantes à vista com precatórios próprios ou adquiridos de terceiros e créditos de prejuízo fiscal de IRPJ e de base negativa de CSLL, inclusive de controladoras ou controladas, de forma direta ou indireta.

Por fim, vale destacar que a medida não se aplica a débitos apurados no regime do Simples Nacional. 

Bruna Luppi e Carlos Augusto Bender: A Lei nº 14.740/23 estabelece, basicamente, condições em relação à abrangência do programa de regularização, prazo e formas de adesão e, ainda, descontos aplicáveis.

A primeira condição é o prazo para adesão ao programa, que é de até 90 dias após a regulamentação da Lei nº 14.740/2023, ainda pendente.

Quanto à abrangência, o programa atual é aplicável a todos os tributos administrados pela Receita Federal do Brasil que ainda não tenham sido constituídos até a data de publicação da lei, bem como a créditos tributários que venham a ser constituídos entre a data de publicação da lei e o termo final do prazo de adesão, inclusive aqueles decorrentes de autos de infração, de notificação de lançamento e de despachos decisórios

No entanto, não poderão ser objeto de autorregularização os débitos apurados na forma do Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Simples Nacional).

O contribuinte que preencher as condições e aderir à autorregularização poderá efetuar o pagamento ou o parcelamento do valor integral dos tributos confessados, com afastamento da incidência das multas de mora e de ofício. Além disso, também poderá liquidar os débitos com redução de 100% dos juros de mora, mediante o pagamento de, no mínimo, 50% do débito à vista e do restante em até 48 prestações mensais e sucessivas, atualizadas pela taxa Selic.

A lei ainda prevê a possibilidade de utilização de créditos de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL para quitação de até 50% do débito à vista, bem como o uso de precatórios próprios ou adquiridos de terceiros.

Por fim, vale destacar, a legislação deixa claro que a parcela equivalente à redução das multas e dos juros em decorrência da autorregularização não será computada na apuração da base de cálculo do IRPJ, da CSLL, da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, o que é extremamente positivo, pois historicamente esse sempre foi um tema de dúvidas e divergências entre Fisco e contribuintes em programas de parcelamento. E, ainda, durante os procedimentos de adesão à autorregularização e enquanto estiver vigente, os créditos tributários confessados não serão óbice à emissão de certidão de regularidade fiscal do contribuinte.


Os descontos previstos pela Lei 14.740/23 são interessantes? O que os contribuintes devem avaliar?

Sávio Hubaide e Rute Souza: Os descontos são interessantes, sobretudo se considerado o momento atual em que há várias incertezas quanto a determinadas matérias tributárias, a exemplo do tratamento fiscal das subvenções para investimento, que podem envolver créditos declarados e não pagos. Apesar do entendimento do STJ favorável aos contribuintes, a regularização de débitos nessa situação pelo procedimento da denúncia espontânea gera conflitos sobre a incidência ou não da multa de mora, que será definitivamente afastada na autorregularização, além da multa de ofício e dos juros de mora.

A lei oferece condições favoráveis para pagamento da parcela à vista, seja por meio dos precatórios, seja pela utilização de prejuízo fiscal e base negativa, inclusive de empresas relacionadas, o que certamente é um incentivo para contribuintes que possuam créditos dessas naturezas, pelo alívio ao desembolso de caixa.

Outro ponto relevante da lei foi prever expressamente que os descontos concedidos não serão computados na apuração do IRPJ, da CSLL, do Pis e da Cofins, o que já foi motivo de controvérsias em outros programas semelhantes.

Em suma, trata-se de bom programa para os contribuintes que possuem passivos tributários, que podem analisar a possibilidade de êxito em eventual litígio para decidir se seria mais vantajoso aderir ao programa com os benefícios oferecidos. 

Bruna Luppi e Carlos Augusto Bender: O primeiro ponto a ser avaliado é se o contribuinte possui débitos que se enquadrem nas condições exigidas pelo programa. Caso o débito se enquadre nas condições, é importante analisar caso a caso se os descontos são interessantes ou não.

Uma questão importante a ser analisada é o cenário da jurisprudência, tanto administrativa como judicial, em relação ao débito apurado pelo contribuinte. Para débitos em que haja precedentes desfavoráveis, julgados na sistemática da repercussão geral ou dos repetitivos pelos tribunais superiores, cuja observância nas demais instâncias é obrigatória, ou caso envolva um tema cujas decisões proferidas no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sejam desfavoráveis aos contribuintes de forma já consolidada, é importante que as empresas avaliem com seus advogados a adesão ao programa, tendo em vista se tratar de casos de difícil reversão.

Além da análise do cenário jurisprudencial, caso o contribuinte tenha apurado créditos de prejuízo fiscal ou de base de cálculo negativa da CSLL também pode ser interessante aderir ao programa, considerando que, além da redução dos juros e da multa, é possível utilizar os referidos créditos para o pagamento de até 50% do débito à vista.

De modo geral, o programa de autorregularização incentivada de tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal é positivo, pois apesar de impor determinadas condições e uma reduzida janela de oportunidade (considerando tributos/créditos tributários passíveis de inclusão e prazo de adesão), representa mais uma possibilidade de incentivo à regularização de débitos, o que pode ser interessante para determinados contribuintes – como aqueles com dificuldades financeiras, que queiram evitar o contencioso tributário e mesmo com débitos que envolvam teses desfavoráveis.


– O que ainda falta ser regulamentado? 

Sávio Hubaide e Rute Souza: Em programas como esse, com a respectiva lei em vigor, ainda é necessário regulamentar diversos pontos sobre os procedimentos e condições. Somente com a regulamentação é que serão esclarecidas questões como: a data limite de adesão; a data de constituição dos créditos tributários que poderão ser incluídos ou não no programa; se abarcará autos de infração em curso; se a utilização do prejuízo fiscal e da base negativa estará limitada a 50% do valor total ou a 50% da parcela à vista (25% do total); se o contribuinte deverá manifestar desistência expressa nos PTAs, dentre outros.

Bruna Luppi e Carlos Augusto Bender: Historicamente, a União Federal costuma publicar atos normativos através da Receita Federal ou da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional para tratar de detalhes de natureza mais operacional/técnica em relação a programas federais de regularização fiscal, tais como parcelamentos convencionais e/ou especiais e transações. De forma geral, essa regularização costuma detalhar os meios de formalização da adesão, mecanismos e procedimentos para a confissão de dívida, planos de pagamento e/ou parcelamento, escalonamento das reduções em relação a multas e juros, inclusive conforme os planos de pagamento e/ou parcelamento, previsão sobre o código de pagamento dos DARFs e até mesmo a forma de utilização dos créditos de prejuízo fiscal ou da base de cálculo negativa da CSLL para quitação dos valores.

Portanto, a expectativa é que tais temas venham a ser regulamentados por ato infralegal da Receita Federal, de modo que os contribuintes possam conhecer melhor e avaliar as condições para aproveitarem as vantagens da autorregularização incentivada de tributos administrados pela Receita Federal previstas na Lei nº 14.740/23.

Vale observar, por fim, que no programa aprovado através da Lei nº 14.740/23, uma questão importante a respeito da regulamentação é que, através da publicação do ato normativo, inicia-se o prazo de 90 dias para que os contribuintes decidam se aderem ou não ao programa, prazo que, historicamente, costuma ser prorrogado dependendo da taxa de adesão das empresas.


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