Conta de devedores aumenta por decisão do STJ

Corte decide que incidem juros e correção monetária sobre depósitos judiciais

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Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) alterou o seu entendimento de forma desfavorável para os devedores, que agora terão de arcar com juros e correção monetária de depósitos judiciais para que suas dívidas sejam extintas. 

O julgamento REsp nº 1.820.963/SP resultou em uma revisão no entendimento até então consolidado por ocasião do julgamento do Tema 677, que discutia a correção monetária de depósitos judiciais que são realizados por devedores para garantir a execução da dívida. Em 2014, a corte considerou que “na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada”. No entanto, a questão não restou totalmente solucionada, já que credores podiam ser prejudicados porque o depósito judicial costuma ser corrigido por índices diferentes (geralmente inferiores) dos aplicados na condenação. À época, tampouco foi definido como seria feita a correção dos valores e nem quem seria responsável por arcar com a conta. 

A decisão recente significa que o devedor não fica isento do pagamento dos encargos moratórios e que sua dívida só será considerada saldada no momento do seu levantamento efetivo pelo credor, devendo este ser devidamente remunerado pelo tempo em que deixou de ter disponibilidade sobre o débito. “Isso significa, na prática, que os valores depositados judicialmente estarão sujeitos aos juros e correção monetária contratualmente ou legalmente estabelecidos, que ficarão a cargo do devedor que, no momento do pagamento, deverá arcar com eventual diferença entre os valores atualizados e os valores constantes na conta judicial”, explica a advogada Ligia Merlo, associada do Freitas Ferraz Advogados.

Merlo considera acertada a decisão da corte, já o julgamento sanou dúvidas que ainda tinham restado do julgamento do Tema 677, tais como a diferença entre o índice de correção dos depósitos judiciais e os previstos na condenação e sobre quem recairia a responsabilidade de arcar com tal diferenças (o devedor ou a instituição financeira). No entanto, ela pontua que a decisão também traz insegurança jurídica para os devedores, por conta da inexistência de critérios objetivos. 

Na entrevista abaixo, Merlo explica a decisão do STJ e o histórico da questão. 


Como se originou a discussão a respeito da correção dos depósitos judiciais e qual era o entendimento do STJ sobre a conta de devedores até o julgamento de outubro?

Ligia Merlo: A discussão envolvendo a correção monetária de depósitos judiciais tem sua origem em processos executivos nos quais o devedor, para garantia da execução, realizava o depósito dos valores discutidos em juízo de forma integral ou parcial.  No entanto, não restava claro se, a partir da data do depósito, tais valores ainda poderiam estar sujeitos a juros e correção monetária, o que levou a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2014, a fixar a seguinte tese em sede de recurso repetitivo (Tema 677): “na fase de execução, o depósito judicial do montante (integral ou parcial) da condenação extingue a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada”.

Apesar de tais definições, o julgado deixou de analisar, por exemplo, as consequências financeiras para os credores já que, regra geral, os índices de correção utilizados pelas instituições financeiras responsáveis pelo depósito resultavam em valores inferiores aos índices previstos na condenação, tais como a taxa Selic, INPC ou índices do próprio tribunal, o que, por consequência, ocasionava um valor atualizado inferior ao devido.  Além disso, a decisão também não analisou quem seria o responsável pelo recolhimento de tais valores – se a instituição financeira responsável ou o próprio devedor – no caso de juros e correção monetária incidentes após a data do depósito.

Assim, os pontos que deixaram de ser levantados no julgamento do Tema 677 passaram a gerar diversas controvérsias no Judiciário, ocasionando em divergências dentro das próprios turmas do STJ. É o que ocorreu, por exemplo, na 3ª Turma do STJ, que, no julgamento do REsp nº 1.475.859/RJ, firmou o entendimento de que o devedor teria obrigação de arcar com os encargos moratórios nas hipóteses em que o depósito judicial não fosse realizado com o intuito de pagamento, sendo ele o responsável pelos juros e correção monetária até o momento em que os valores fossem efetivamente levantados pelo credor.


Qual foi o resultado do julgamento da Corte Especial do STJ? 

Ligia Merlo: O julgamento REsp nº 1.820.963/SP, finalizado no dia 19/10, resultou em uma revisão no entendimento até então consolidado por ocasião do julgamento do Tema 677. Em razão das diversas divergências dentro das próprias turmas, a Corte Especial acabou alterando seu entendimento acerca da correção dos depósitos judiciais concluindo que, na execução, o depósito judicial (seja para garantia do juízo ou decorrente da penhora de ativos) não isenta o devedor do pagamento dos encargos moratórios, conforme previstos no título executivo, de modo que, no efetivo pagamento ao credor, deverá ser deduzido pelo devedor os saldos da conta judicial.

Isso significa, na prática, que os valores depositados judicialmente estarão sujeitos aos juros e correção monetária contratualmente ou legalmente estabelecidos, que ficarão a cargo do devedor que, no momento do pagamento, deverá arcar com eventual diferença entre os valores atualizados e os valores constantes na conta judicial.


O entendimento da Corte Especial do STJ será aplicado em quais situações e a partir de quando? A questão agora está pacificada?

Ligia Merlo: Apesar da mudança do entendimento, o precedente da Corte Especial no julgamento do REsp nº 1.820.963/SP deverá ter aplicação imediata, inclusive em relação as ações em andamento, tendo em vista que, por maioria, os ministros votaram contra a modulação, ou seja, a limitação dos efeitos temporais da decisão.

Contudo, entendo que o precedente terá aplicação somente nas hipóteses de processos executivos nos quais o depósito judicial ou a penhora convertida em depósito não tem o condão de extinguir a obrigação. Isso porque, nas ações de consignação em pagamento, por exemplo, o devedor, nos termos do caput do artigo 539 do CPC/15, por meio do depósito integral em juízo, exonera-se por completo da obrigação. Nesse caso, portanto, não haveria o que falar em juros de mora ou correção monetária, tendo em vista que o devedor, para fins jurídicos, já realizou a quitação do débito devido.

Por fim, o precedente, por se tratar de revisão de tema julgado em sede de recurso repetitivo, possui caráter vinculante para todo o Judiciário, por força do artigo 927, III do CPC. Apesar disso, nada impede que a Corte venha fazer futuramente um reexame do entendimento, conforme preveem os artigos 256-S e 256-T do Regimento Interno do STJ.


Qual é a sua avaliação sobre a decisão da conta de devedores? E qual o seu impacto sobre credores e devedores?

Ligia Merlo: O julgamento do REsp nº 1.820.963/SP vem sanar importantes questões que não haviam sido bem delimitadas no julgamento do Tema 677 pelo STJ, tais como a diferença entre o índice de correção dos depósitos judiciais e os previstos na condenação e sobre quem recairia a responsabilidade de arcar com tal diferenças (o devedor ou a instituição financeira). Assim, a revisão do Tema 677 focou, sobretudo, em discutir o momento em que se considera o efeito liberatório do devedor: se no momento da realização do depósito judicial ou no momento do levantamento dos valores depositados pelo credor, que, em regra, apenas ocorre com o trânsito em julgado da sentença.

De fato, parece acertada a análise da Corte Especial de que, nas hipóteses em que o depósito judicial não extingue a obrigação, o efeito liberatório do devedor só deverá ocorrer no momento do seu levantamento efetivo pelo credor, devendo ele ser devidamente remunerado pelo tempo em que deixou de ter disponibilidade sobre o débito. A razão para tanto, é que o depósito, nesses casos, tem como principal consequência a concessão de efeito suspensivo da obrigação, seja no processo executivo comum (artigo 525, §6º do Código de Processo Civil) ou nos autos de processos de natureza tributária (artigo 151, II do Código Tributário Nacional), e não a extinção da obrigação.

No entanto, a revisão do tema pelo STJ, sem a utilização de um critério objetivo, acaba por trazer um ambiente de grande insegurança jurídica, sobretudo para os devedores, que serão diretamente onerados ao arcar com a diferença decorrente da atualização monetária e juros em relação ao saldo da conta judicial.

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