A polêmica exoneração de responsabilidades dos administradores

Proposta do PL 2.925/23 pode trazer a reboque efeitos indesejáveis

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A intenção da reforma é positiva: facilitar que os investidores movam ações para responsabilizar administradores e conselheiros fiscais que tiverem causado danos às companhias. Mas, além desse desejável efeito, ela pode trazer a reboque outras consequências indesejáveis, como o aumento dos conflitos entre administradores e acionistas e nos custos dos seguros do tipo Directors and Officers (D&O) – e, para alguns, até a maior dificuldade das empresas em contratar profissionais. A mudança em questão é o fim da exoneração automática de responsabilidade dos administradores, que ocorre quando as demonstrações financeiras são aprovadas sem ressalva em assembleias. Ela está prevista no Projeto de Lei 2.925/23, a mais importante alteração da Lei das Sociedades Anônimas dos últimos 20 anos.

Atualmente, quando as demonstrações financeiras são aprovadas sem ressalvas (nas assembleias de acionistas), os administradores e conselheiros fiscais ficam exonerados de responsabilidade por prejuízos causados à companhia durante a sua gestão – a não ser nos casos de erro, dolo, fraude ou simulação. “Ou seja, em termos práticos, a aprovação sem ressalvas possui caráter amplo e abrangente, exonerando os administradores pelo período em que as contas foram objeto de deliberação”, explica Renato Tavares, sócio do FTA Advogados.

Nessa sistemática, antes de os acionistas poderem mover uma ação de responsabilidade contra os administradores, primeiro é necessário anular a assembleia que aprovou as demonstrações financeiras. Só depois se apura eventual responsabilidade do administrador.

O problema é que a anulação da assembleia se tornou um empecilho para os investidores: “O tempo necessário para a tramitação desta ação prévia acaba por, na grande maioria dos casos, inviabilizar a própria propositura da ação de responsabilidade civil pelos danos causados pelos administradores e conselheiros fiscais, diante do risco de prescrição”, explicam as advogadas Helena Guimarães e Ana Luisa Fucci, sócia e associada do Vieira Rezende Advogados.

Foi esse o problema que o PL 2.925/23 buscou atacar. Para tanto, a proposta é acabar com a exoneração automática de responsabilidade dos administradores – esta passaria a depender de uma nova votação em assembleia, que constasse da ordem do dia e tratasse especificamente da exoneração dos administradores com relação aos fatos ocorridos durante sua gestão e prazo de mandato.

Bruna Fagundes e Bruno Viana, associados do Freitas Ferraz Advogados, consideram que, apesar de louvável, a iniciativa tende a se tornar inócua: “A tendência é que, na prática, o PL acabe apenas criando mais um item de votação dentro da assembleia – e que os acionistas minoritários sigam sem condições de materialmente avaliar a gestão social e, se for o caso, aprovar a ação de responsabilidade. Os mesmos acionistas que ficavam e ficaram vencidos na tomada das contas ficarão também vencidos na exoneração de responsabilidade.”

Avaliação semelhante têm as advogadas do Vieira Rezende: “Na prática, o que deve ocorrer é que os administradores mais atentos incluirão na ordem do dia das assembleias ordinárias a deliberação expressa acerca da exoneração de responsabilidade, alcançando assim o mesmo resultado da aprovação das contas atualmente.”

Tavares, do FTA, considera que a redação da proposta não é a ideal por criar a necessidade de uma votação específica para deliberar sobre “fatos” ocorridos durante a gestão, diferentemente da redação atual, que trata exclusivamente da exoneração dos administradores pelas contas aprovadas na respectiva assembleia – além disso, ele ressalta que o termo “fato” é amplo e não “jurídico”. Ele enxerga várias possíveis consequências negativas com essa mudança, que vão desde a discussão sobre quais fatos serão submetidos à votação, passando pelo aumento de conflitos entre administradores e acionistas quando a exoneração de responsabilidade não for aprovada, até possíveis exigências do mercado relativas à exoneração para fazer negócios com a companhia ou para acessar o mercado de capitais.

Já para Julio Fleichman e Maria Eugênia Patara, sócio e associada do Fleichman Advogados, o intuito da proposta é positivo, já que muitas vezes os acionistas aprovam as contas sem ter em mente que ao fazê-lo estão também exonerando os administradores e conselheiros fiscais de responsabilidade. A aprovação da exoneração em separado, acreditam, trará mais consciência aos acionistas para analisar os atos praticados durante a gestão e, assim, apurar eventuais atos que possam ter causado danos à companhia. “É difícil dizer se funcionará na prática, mas a mudança permitirá que os acionistas façam uma análise mais aprofundada da questão da exoneração de responsabilidade dos administradores e fiscais”, consideram.

Outra das consequências da mudança seria o aumento do risco e dos custos de seguros do tipo D&O. Fleichman e Patara lembram que a mudança permitirá a responsabilização civil do administrador ou fiscal sem que seja necessário anular a deliberação de aprovação de contas, tal como ocorre atualmente: “Essa maior facilidade poderá elevar o número de ações judiciais visando à responsabilidade do administrador ou fiscal e, consequentemente, o custo de D&O, bem como maior apreensão dos administradores das companhias.” Mas, como a proposta não gera maior responsabilidade aos administradores, eles acreditam que ela não deverá trazer mais dificuldade para atração de profissionais por parte das empresas.

As advogadas do Vieira Rezende consideram que a mudança traz um aumento no senso de risco e responsabilidade por parte dos administradores de uma companhia, uma vez que deixarão de ser exonerados de responsabilidade com a simples aprovação de contas: “Isso não é necessariamente ruim, uma vez que o que se busca é a conduta adequada por parte destes profissionais.” Embora num primeiro momento isso possa resultar em maior dificuldade de atração de administradores e no aumento da procura por seguros D&O e no valor das apólices, elas avaliam que haverá apenas uma redução no tempo necessário para a propositura da ação de responsabilidade contra administradores, e que a responsabilização em si não passa a ser automática e continuam aplicáveis as teses de defesas atualmente existentes.

Já Fagundes e Viana, do Freitas Ferraz, citam como ponto negativo a criação de uma outra etapa na discussão: os administradores terão que se defender da isenção de responsabilidade em assembleia específica – o que não existe na redação atual – e não apenas na própria ação de responsabilidade. “Isto é, a redação atual sugere mais uma etapa que poderá ser discutida a responsabilidade do administrador, aumentando as oportunidades para aferir essa responsabilidade, e, consequentemente, faz com que aumente o do risco de responsabilização.”

Na entrevista abaixo, os advogados do Fleichman, Freitas Ferraz, FTA e Vieira Rezende abordam os principais aspectos referentes à proposta de término da exoneração de responsabilidade automática, conforme o PL 2.925/23.


– Atualmente, uma vez aprovadas as demonstrações financeiras das companhias abertas, os administradores estão isentos de quaisquer responsabilidades? Qual é a amplitude dessa exoneração de responsabilidade?

Julio Fleichman e Maria Eugênia Patara: Nos termos do §3º do art. 134 da Lei 6.404/76, a aprovação das demonstrações financeiras e das contas pelos acionistas sem reserva desonera a responsabilidade dos administradores e dos membros do conselho fiscal com relação a eventuais prejuízos causados à companhia durante a sua gestão.

Assim, em princípio, caso seja apurado eventual dano à companhia, fica a assembleia geral impedida de aprovar a propositura de ação de responsabilidade civil.

Essa exoneração, contudo, não se aplica nas hipóteses de erro, dolo, fraude ou simulação. Nesses casos, podem os acionistas buscar a responsabilização dos administradores e conselheiros fiscais.

Nesse caso, contudo, é indispensável que primeiro seja ajuizada a ação prevista no artigo 286 da Lei das S.A. para anular a deliberação que aprovou as contas para que após seja proposta a ação de reponsabilidade civil. 

Renato Tavares: A atual redação do parágrafo 3º do artigo 134 da Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) exonera de responsabilidade os administradores caso as demonstrações financeiras sejam aprovadas sem ressalvas, ressalvados os casos de erro, dolo, fraude ou simulação. Ou seja, em termos práticos, a aprovação sem ressalvas possui caráter amplo e abrangente, exonerando os administradores pelo período em que as contas foram objeto de deliberação.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça já possui diversos precedentes nesse sentido, inclusive em casos que foram emblemáticos no mercado de capitais nacional, como aquele que envolveu os prejuízos sofridos pela então Sadia com a utilização de derivativos, no qual o tribunal entendeu que a aprovação das contas sem ressalva exonera os administradores. Importante notar que a legislação excetua os casos de erro, dolo, fraude ou simulação – nesses casos, faz-se necessária a demonstração que a aprovação se deu de forma viciada, ou seja, o consentimento não foi pleno, ocorreu algum vício que maculou a deliberação.

Nessas hipóteses, deve ser proposta ação visando anular a assembleia em que as demonstrações financeiras foram aprovadas (porque esse foi o ato viciado) para depois se apurar eventual responsabilidade do administrador (os dois pedidos podem ser cumulados).

Helena Guimarães e Ana Luisa Fucci: O parágrafo 3º do artigo 134 da Lei das S.A. estabelece que a aprovação, sem reserva, das demonstrações financeiras e das contas pelos acionistas exonera de responsabilidade os administradores e os membros do conselho fiscal.

O referido parágrafo, contudo, estabelece algumas exceções a esta regra, sendo elas: erro, dolo, fraude ou simulação. Ou seja, nas hipóteses em que as deliberações tomadas pelos acionistas para aprovar as demonstrações financeiras e as contas dos administradores tenham sido eivadas de erro, dolo, fraude ou simulação, os administradores e os conselheiros fiscais passam a poder ser responsabilizados por tanto.

Entretanto, para que isto aconteça, primeiro é necessário que a companhia tome medidas judiciais para anular as deliberações tomadas com erro, dolo, fraude ou simulação. Apenas após a tramitação desta ação prévia seria possível protocolar ação de responsabilidade civil contra os administradores e/ou membros do conselho fiscal envolvidos.

A propositura da ação de responsabilidade, por sua vez, requer que sejam observadas as medidas estabelecidas pelo artigo 159 da Lei das S.A. A primeira delas diz respeito à legitimidade para a propositura da ação. Segundo o caput do referido artigo, compete à própria companhia, mediante deliberação em sede de assembleia-geral, propor a ação de responsabilidade.

Apenas passados três meses da deliberação em assembleia-geral sem que a ação tenha sido proposta é que qualquer acionista da companhia passa a ter o direito de fazê-lo diretamente. Além disso, para os casos em que a propositura da ação não é aprovada pela assembleia-geral, a Lei das S.A. determina que apenas acionistas que representem 5%, pelo menos, do capital social da companhia poderão fazê-lo.

Bruna Fagundes e Bruno Viana: Pela redação atual do artigo 134, §3º da Lei das SA, os administradores estão isentos de responsabilidades se aprovadas as contas, mas a aprovação de contas e exoneração de responsabilidade pode ser anulada se os acionistas comprovarem que houve algum vício de vontade na aprovação dessas (se houve erro quanto ao conteúdo das contas, por exemplo).

Contudo, a amplitude dessa exoneração de responsabilidade ainda é controversa e gera discussões sobre até onde iria a quitação conferida aos administradores. Discute-se, por exemplo, se a própria assembleia geral (órgão que aprova as contas) teria poderes para desconstituir a quitação ou se seria preciso ajuizar uma ação judicial ou instaurar um procedimento arbitral para invalidar a deliberação que aprovou as contas. Outra situação bastante controvertida é a vinculação do acionista que votou contra a aprovação das contas, mas cujo voto não prevaleceu na deliberação. Ele também estaria impedido de mover a ação do artigo 159, § 4º, da Lei das SA?


– O que o PL 2.925/23 propõe mudar com relação a essa sistemática? Por que a mudança foi sugerida? 

Julio Fleichman e Maria Eugênia Patara: O PL 2.295/23 propõe a inserção do §3º e 3º-A no artigo 134 da Lei 6.404/76, os quais preveem que a aprovação das demonstrações financeiras e das contas não exonera os administradores e fiscais de responsabilidade, facultando à assembleia geral, contudo, que delibere sobre a exoneração de responsabilidade. Para tanto, é necessário que a referida matéria conste expressamente na ordem do dia e que fiquem devidamente especificados os fatos ocorridos durante o exercício da gestão que estão sendo exonerados.

Hoje em dia, não há necessidade de inclusão da matéria na ordem do dia para que haja exoneração da responsabilidade. Basta que haja a aprovação das demonstrações financeiras e das contas sem ressalvas pelos acionistas, nos termos do §3º do artigo 134 da Lei 6.404/76.

A mudança sugerida, conforme indicado na exposição de motivos do PL 2.295/23, tem como fim mitigar o problema que atualmente é enfrentado pelos acionistas que buscam a responsabilização contra abusos dos administradores e fiscais: a necessidade de ajuizamento prévio de uma ação de anulação da aprovação de contas para que então se possa buscar a responsabilização por danos causados à companhia.

Somente após o êxito nessa ação “preparatória” é que seria possível o ajuizamento da ação de responsabilização. Eliminando-se a exoneração automática atrelada à aprovação das contas, caso os atos em questão não tenham sido expressamente aprovados em assembleia, não será mais necessário o ajuizamento da ação de anulação de deliberação assemblear.

De acordo com a exposição de motivos do PL 2.295/23, a modificação é relevante por conta do prazo prescricional para o ajuizamento da ação de responsabilidade, que é de apenas 3 anos contados da publicação da ata que aprovar o balanço referente ao exercício em que a violação tenha ocorrido (artigo 287, inciso II, alínea b, da Lei 6.404/76). E esse prazo muitas vezes se expira no decurso da ação de anulação de deliberação assemblear.

Ainda que exposto dessa maneira, sabe-se que há entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o prazo prescricional para o ajuizamento da ação de responsabilidade apenas começaria a fluir a partir do trânsito em julgado da sentença que acolher a anulação. Então, tendemos a acreditar que o motivo da alteração sugerida não foi apenas o risco de prescrição, mas sim o objetivo de desburocratizar o procedimento de responsabilização do administrador, pretendo outorgar ao acionista a possibilidade de analisar e decidir pela exoneração dos administradores e fiscais de maneira mais atenta e cautelosa.

Renato Tavares: A redação do PL altera o referido parágrafo 3º excluindo a “exoneração” automática dos administradores com a aprovação das contas e inclui disposição específica exigindo deliberação específica dos acionistas exonerando os administradores com relação aos fatos ocorridos durante sua gestão e prazo de mandato.

Helena Guimarães e Ana Luisa Fucci: O Projeto de Lei 2.925/23 sugere alterar a redação do parágrafo 3º justamente para prever como regra geral que a aprovação das demonstrações financeiras e das contas pelos acionistas não mais exonerará automaticamente os administradores e conselheiros fiscais de responsabilidade. A exoneração passaria, nos termos do parágrafo 3º-A, a depender de deliberação específica por parte dos acionistas, que constasse expressamente na ordem do dia da referida assembleia geral.

Segundo a exposição de motivos do Projeto de Lei, esta mudança foi proposta por se entender que a sistemática atualmente em vigor muitas vezes impedia a real responsabilização dos administradores e/ou membros do conselho fiscal por danos causados à companhia. Isso porque, conforme explicado anteriormente, para que seja possível responsabilizar os membros da administração de uma companhia por abusos cometidos, é necessário que se ingresse previamente com uma ação de anulação da aprovação das contas para, então, buscar a responsabilização por danos causados à companhia.

O tempo necessário para a tramitação desta ação prévia acaba por, na grande maioria dos casos, inviabilizar a própria propositura da ação de responsabilidade civil pelos danos causados pelos administradores e conselheiros fiscais, diante do risco de prescrição.

Bruna Fagundes e Bruno Viana: Uma das alterações propostas pelo PL 2.925/23 é justamente no sentido de prever expressamente que não há exoneração automática de responsabilidade como decorrência da aprovação das contas. Se aprovado, o PL 2.925/23 exigiria uma deliberação específica, com escopo limitado, para que houvesse a exoneração.

Essa mudança foi sugerida pensando em afastar algumas dificuldades enfrentadas por acionistas minoritários quando buscam tutela de seus direitos contra abusos da administração, em especial a exigência atual de prévia anulação da aprovação das contras, antes da responsabilização dos administradores. O tempo de tramitação dessa ação anulatória muitas vezes dificulta a colheita das provas contra o administrador – e há também o risco de a ação anulatória (2 anos) prescrever antes da ação de responsabilidade (3 anos), assim impedindo que o administrador faltoso seja responsabilizado.


– Como você avalia essa proposta? Ela deve funcionar na prática? 

Julio Fleichman e Maria Eugênia Patara: O intuito da proposta é bom. Muitas vezes os acionistas aprovam as contas sem entender a sua amplitude, ou seja, sem ter em mente que também estão exonerando os administradores e os fiscais de responsabilidade. A obrigatoriedade de constar na ordem do dia e, ainda, de ter um escopo delimitado, irá trazer ainda mais consciência aos acionistas para analisar os atos praticados durante a gestão e, assim, apurar eventuais atos que possam ter causado danos à companhia.

Sabe-se que a própria administração é responsável pela convocação das assembleias gerais e, por isso, seria bastante improvável que a matéria não constasse na ordem do dia. Contudo, o simples fato de constar na ordem do dia não afasta a possibilidade de os acionistas rejeitarem a exoneração em razão da desconfiança da gestão.

Muitas vezes, por conta da necessidade de aprovação das contas e das demonstrações financeiras, os acionistas as aprovavam sem considerar ou sem poder avaliar de forma cautelosa que isso causaria a exoneração do administrador. Com a segregação dos itens na ordem do dia, as contas e as demonstrações financeiras poderão ser aprovadas e a exoneração poderá ser negada ou, ao menos, parcialmente negada.

É difícil dizer se funcionará na prática, mas a mudança permitirá que os acionistas façam uma análise mais aprofundada da questão da exoneração de responsabilidade dos administradores e fiscais.

Renato Tavares: A redação não é ideal, pois cria a necessidade de uma deliberação específica para deliberar sobre “fatos” ocorridos durante a gestão, diferentemente da redação atual, que trata exclusivamente da exoneração dos administradores pelas contas aprovadas na respectiva assembleia. Primeiramente, o termo “fato” é amplo e não “jurídico”, além de criar a necessidade de convocação e deliberação específica sobre fatos. O texto atual possui na sua redação uma aceitação implícita dos atos de gestão quando as contas são aprovadas sem ressalvas, ou seja, se os acionistas aprovaram as contas sem ressalva é porque entendem que os administradores agiram dentro dos limites das suas atribuições, e eventual aprovação viciada depende de prova dos acionistas.

Helena Guimarães e Ana Luisa Fucci: A intenção do relator com a apresentação deste Projeto de Lei foi a de aperfeiçoar os mecanismos de proteção dos direitos dos acionistas minoritários. Em nosso entendimento, nos casos em que não for expressamente deliberada a exoneração de responsabilidade dos administradores e conselheiros fiscais, não será necessário anular tal deliberação para propor a ação de responsabilidade, o que reduz significativamente o tempo para se obter a satisfação jurisdicional. Na prática, o que deve ocorrer é que os administradores mais atentos incluirão na ordem do dia das assembleias ordinárias a deliberação expressa acerca da exoneração de responsabilidade, alcançando assim o mesmo resultado da aprovação das contas atualmente.

Bruna Fagundes e Bruno Viana: A iniciativa de retirar a exoneração automática de responsabilidade – com o objetivo de proteger os acionistas minoritários e facilitar o ajuizamento da ação de responsabilização da administração – é louvável, mas tende a se tornar inócua na prática.

Isso porque o PL propõe que a exoneração de responsabilidade deverá ser objeto de deliberação específica em Assembleia Geral de Acionistas, que conste a matéria na ordem do dia, mas quem tem o controle da ordem do dia, da ata da assembleia, e quem conduz as deliberações, é a própria administração. A tendência é que, na prática, o PL acabe apenas criando mais um item de votação dentro da assembleia – e que os acionistas minoritários sigam sem condições de materialmente avaliar a gestão social e, se for o caso, aprovar a ação de responsabilidade. Os mesmos acionistas que ficavam e ficaram vencidos na tomada das contas ficarão também vencidos na exoneração de responsabilidade. 

– Quais seriam as possíveis consequências da aprovação da redação do PL jeito que está? Poderia haver impactos como o aumento da insegurança jurídica, a dificuldade na atração de administradores ou o aumento do custos de seguros do tipo D&O, por exemplo? 

Julio Fleichman e Maria Eugênia Patara: Acreditamos que a aprovação da redação do PL, prevendo a necessidade de constar na ordem do dia e, ainda, de especificar quais fatos da gestão estão sendo deliberados pode, em um primeiro momento, preocupar os administradores. A aprovação poderá gerar uma maior tensão quando da assembleia geral e entre os administradores e os acionistas para que a exoneração seja deliberada.

Contudo, acreditamos que se deve ter em mente que a alteração proposta não gera maior responsabilidade aos administradores, motivo pelo qual não deveria impactar na atração de novos administradores. A redação proposta visa apenas estabelecer a exoneração de responsabilidade como matéria específica, com o intuito de segregar as aprovações e afastar as exonerações automáticas que, muitas vezes, ocorrem apenas em função da necessidade da aprovação das contas e das demonstrações financeiras.

No entanto, apesar de o fato de não haver exoneração “automática” com a aprovação de contas não significar que haverá maior responsabilização dos administradores, já que os fatos que ensejam a responsabilização do administrador se mantêm, há de fato uma maior facilidade para a responsabilização de administradores que tenham causado prejuízo à companhia. Isso porque, com a individualização da exoneração da responsabilidade dos administradores ou fiscais como matéria na ordem do dia, será possível buscar a responsabilização civil do administrador ou fiscal sem que seja necessário anular a deliberação de aprovação de contas, tal como ocorre atualmente.

Essa maior facilidade poderá elevar o número de ações judiciais visando à responsabilidade do administrador ou fiscal e, consequentemente, o custo de D&O, bem como maior apreensão dos administradores das companhias. 

Renato Tavares: As consequências são inúmeras. Em uma primeira análise poderíamos passar a ter solicitações dos administradores para convocação de assembleias anualmente para aprovar os “fatos” ocorridos no exercício anterior. Essas deliberações, provavelmente, seriam objeto de discussão sobre quais “fatos” estariam ou não incluídos na referida aprovação, além de colocar administradores e acionistas em possível conflito quando essa exoneração não fosse outorgada. Essa insegurança traria mais custos de agência na relação entre sócios e administradores, e até com terceiros com quem a sociedade faz negócios. Poderíamos inclusive passar a ter solicitações de financiadores, e do mercado em geral, exigindo a exoneração para fazer negócios com a companhia ou para acessar o mercado de capitais.

Helena Guimarães e Ana Luisa Fucci: Há, de fato, um aumento no senso de risco e responsabilidade por parte dos administradores de uma companhia, uma vez que deixarão de ser exonerados de responsabilidade com a simples aprovação de contas. Isso não é necessariamente ruim, uma vez que o que se busca é a conduta adequada por parte destes profissionais.

Em um primeiro momento, isso pode resultar em maior dificuldade de atração de administradores e no aumento da procura por seguros D&O e no valor das apólices. Contudo, haverá apenas uma redução no tempo necessário para a propositura da ação de responsabilidade contra administradores. A responsabilização em si não passa a ser automática e continuam aplicáveis as teses de defesas atualmente existentes. Sendo assim, a conduta em si do administrador é que será objeto de escrutínio, apenas em um lapso de tempo mais curto do que atualmente é possível.

Bruna Fagundes e Bruno Viana: Pela exposição de motivos, o objetivo do PL é aperfeiçoar os mecanismos de tutela privada de direitos de acionistas minoritários contra prejuízos causados por atos ilícitos de acionistas controladores e administradores de companhias abertas. As propostas do PL foram pensadas para facilitar a proposição de ações de responsabilização, o que, por si só, pode se mostrar um indicativo de que a litigiosidade aumentará.

Ademais, a exoneração de responsabilidade dos administradores não será mais consequência automática da aprovação das contas, sendo que os administradores terão que se defender da isenção de responsabilidade em assembleia específica – o que não existe na redação atual – e não apenas na própria ação de responsabilidade. Isto é, a redação atual sugere mais uma etapa que poderá ser discutida a responsabilidade do administrador, aumentando as oportunidades para aferir essa responsabilidade, e, consequentemente, faz com que aumente o do risco de responsabilização.

Nesse sentido, os custos de seguros do tipo D&O (Directors and Officers Liability Insurance) devem seguir a mesma tendência dos riscos dos administradores, isto é, quanto maior o risco, maior será o custo do seguro que vai cobrir esses riscos.

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