STJ avalia cobrança de ISS de gestoras de fundos estrangeiros

Debate gira em torno da interpretação do termo “resultado” constante de trecho da Lei Complementar 116/03

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Está sob avaliação dos ministros que integram a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a pertinência da cobrança de imposto sobre serviços (ISS) sobre as receitas auferidas por gestores de fundos estrangeiros. Por ora, dois ministros — o relator, Gurgel de Faria, e Regina Helena Costa — votaram a favor da cobrança e um (ministro Napoleão Nunes Maia Filho) foi contrário. Um pedido de vista paralisou o julgamento, iniciado em maio.

A discussão está centrada no art. 2º da Lei Complementar 116/03 (diploma que trata das hipóteses de cobrança do ISS). O inciso I estabelece a não incidência do imposto sobre a exportação de serviços, mas o parágrafo único tem a ressalva de que “não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior”.

Pois a questão está na interpretação para o termo “resultado” — seria ou a conclusão da prestação do serviço no Brasil ou o retorno para o fundo, no exterior. Os contribuintes defendem a segunda leitura. A análise do caso no STJ foi ensejada por um recurso da gestora Onyx Equity Management (AREsp 1150 353). 

A seguir, Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, Alamy Candido, sócio fundador do Candido Martins Advogados, e Pedro Mourão, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados, falam sobre detalhes da discussão no STJ e dos reflexos de eventual decisão pró-cobrança para as gestoras e o mercado.


Está sob análise da 1ª Turma do STJ a pertinência da cobrança de ISS sobre as receitas de gestoras de fundos estrangeiros. Como funciona hoje essa tributação?

A atividade de gestão de fundos é uma prestação de serviços especializada. Quando se fala em gestação de fundos estrangeiros, estamos diante de uma operação de exportação de serviços, que, regra geral, não está sujeita à incidência do ISS, por exclusão legal do art. 2º, inciso I da Lei Complementar 116/03. 

Contudo, o parágrafo único do mencionado artigo prevê que não se enquadram nesse dispositivo os serviços desenvolvidos no Brasil e que tenham resultado no País. Dessa forma, a análise da existência (ou não) de exportação de serviços e da aplicação da norma exclusiva de incidência está vinculada à percepção do resultado da atividade em território brasileiro ou estrangeiro.

As gestoras de fundos de investimento estrangeiros defendem que exportam serviços, de modo que não estariam sujeitas à incidência do ISS. A Lei Complementar 116/03, que dispõe sobre as normas gerais para a instituição do ISS, estabelece que o imposto não incide sobre exportação de serviços para o exterior, desde que o resultado não se verifique no Brasil, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior. As gestoras dos fundos defendem que o resultado de suas atividades é experimentado no exterior por meio do retorno do dinheiro ao fundo estrangeiro, não sendo alcançado pela incidência do ISS.

As gestoras brasileiras contratadas para elaborar a estratégia de fundo de investimento têm sido tributadas pelos municípios, que cobram o ISSQN [imposto sobre serviços de qualquer natureza] sobre o serviço prestado, mesmo nas hipóteses em que as contratações são feitas por fundos estrangeiros.


Que efeitos uma eventual aprovação dessa cobrança teria sobre esse tipo de gestão no Brasil?

Entendo que eventual decisão do STJ favorável à incidência do ISS sobre essas operações tende a tornar o cenário no exterior menos competitivo para as gestoras de fundos brasileiras. Isso porque elas teriam um aumento no custo e operação, que consequentemente resultaria em aumento do preço da prestação de serviços, tornando pouco atrativa a contratação desses profissionais.

Caso os ministros entendam pela incidência do ISS, as gestoras brasileiras de fundos de investimentos podem se tornar menos competitivas no mercado.

A aprovação do STJ a favor da cobrança do ISSQN nesses casos tornará a gestão brasileira dos fundos estrangeiros menos competitiva no mercado externo, uma vez que o custo dos impostos cobrados pelos municípios certamente será repassado aos preços cobrados pelos serviços prestados.


A discussão no STJ está centrada no art. 2º da Lei Complementar 116/03. O que diz esse artigo quanto à exportação de serviços, que é o caso da gestão de fundos estrangeiros no Brasil?

O inciso I do art. 2º da Lei Complementar 116/03 prevê a não incidência do ISS sobre as operações de exportação de serviços. No entanto, o parágrafo único desse artigo diz que os serviços prestados para tomadores no exterior, mas cujo resultados se verifiquem no Brasil, contam com a incidência de ISS. Em razão disso, há grande discussão sobre a incidência do imposto sobre as operações de exportação de serviços, não tendo sido esse tema ainda consolidado nos tribunais. O que se observa é que a jurisprudência tem utilizado critérios como “consumação do resultado” ou “utilidade do resultado” para justificativa da tributação (ou não tributação). No segundo caso, por exemplo, é levada em consideração a utilidade do serviço para o tomador (ou seja, quem estaria, de fato, usufruindo do serviço).

Conforme mencionado, o art. 2º da Lei Complementar 116/03 tem hipóteses de não incidência do imposto. Dentre elas está a exportação de serviços (inciso I), desde que o resultado não seja percebido no Brasil (parágrafo único).

A discussão no STJ gira em torno da interpretação mais adequada ao art. 2º da Lei Complementar 116/03, no que diz respeito ao local — no presente caso, a nacionalidade — onde os serviços prestados pelas gestoras geram resultados.

De acordo com o art. 2º, inciso I, da Lei Complementar 116/03, não incide ISSQN sobre as exportações de serviços. Por outro lado, o parágrafo único do mesmo art. 2º estabelece que, caso o resultado dos serviços desenvolvidos ocorra no Brasil, será devida a tributação do ISSQN, mesmo que os pagamentos dos serviços sejam provenientes do exterior.

A apuração do resultado, nesse caso, pode ser interpretada no sentido da conclusão dos trabalhos propriamente ditos, o que de fato se daria no Brasil, ou no sentido dos benefícios econômicos provenientes destes trabalhos, os quais são percebidos no exterior.


Nas instruções da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) relacionadas a fundos de investimento existe alguma norma a respeito da tributação da exportação desse tipo de serviço?

Apesar de a CVM ter um papel fundamental na regulamentação dos fundos de investimento e, consequentemente, dos gestores de fundos, é preciso delimitar que a competência para fixar a tributação pelo ISS é da Lei Complementar 116/03. Dessa forma, a normatização da CVM pode ser utilizada como um suporte para a compreensão da atividade de gestão de fundos, mas não para a incidência do tributo. Por essa razão, a CVM não chega a regulamentar a tributação de gestão de fundos estrangeiros e/ou a exportação desses serviços como fato gerador de tributo.

Existem instruções da CVM que disciplinam a atividade específica de gestão de fundos de investimentos, e não a forma da tributação. A ministra Regina Helena Costa menciona instruções da CVM para entender a dinâmica da atividade de gestão de ativos mobiliários. De acordo com o seu voto (ainda não disponibilizado), as instruções da CVM reforçariam a tese de que o resultado da atividade é experimentado no Brasil.

As instruções editadas pela CVM sugerem que os resultados dos serviços das gestoras de fundos estrangeiros não seriam operados a partir dos benefícios econômicos percebidos pelo fundo, no exterior. Ao contrário, indicam que o resultado se opera a partir da transferência do direito de propriedade de ativos ou valores mobiliários que são negociados no Brasil.

Dessa forma, as instruções normativas da CVM vão contra a tese de não incidência do ISSQN, fundada no argumento de exportação dos serviços, pois segundo estas os resultados dos serviços de gestão de fundo são produzidos a partir da compra ou venda de ativo ou valor mobiliário pelo prestador, em favor do tomador, o que respalda a cobrança do ISSQN pelos municípios.

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