Desafios, vantagens e o futuro do open banking no Brasil
A regulamentação do Banco Central (BC) define open banking como o compartilhamento padronizado de dados e serviços por meio de abertura e integração de sistemas entre instituições participantes. Esses dados e serviços abrangem, no mínimo: informações sobre canais de atendimento; produtos e serviços de contas, operações de crédito, operações de câmbio, serviços de credenciamento em arranjos de pagamento, investimentos, seguros e previdência complementar; cadastro de clientes; e transações de clientes. Além disso, estão incluídos serviços de iniciação de transação de pagamento e encaminhamento de proposta de operação de crédito.
Deverão obrigatoriamente participar do open banking as instituições financeiras definidas como S1 e S2, classificação que abrange os grandes bancos comerciais do Brasil, e facultativamente as instituições financeiras, instituições de pagamento e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BC.
Fases de implementação do open banking
A implementação do open banking deverá ser feita em fases. A primeira etapa compreenderá o compartilhamento de dados relacionados a canais de atendimento e produtos e serviços disponíveis para contratação relacionados com contas de depósito à vista ou de poupança, contas de pagamento ou operações de crédito. A conclusão dessa fase deve ocorrer até o próximo dia 30 de novembro. Os interessados em fazer parte do open banking já puderam se cadastrar junto ao BC, e uma nova rodada de cadastramento será aberta ainda neste ano. Por fim, os dados e serviços remanescentes deverão ser implementados em outras duas fases, com prazos de agosto e outubro de 2021.
Banco Central opta por autorregulação híbrida
O regulador optou por adotar um sistema híbrido com relação aos aspectos procedimentais, de governança, tecnológicos e de layout a serem adotados pelos participantes do open banking. Dessa forma, ao mesmo tempo em que permite que os próprios participantes estipulem sua autorregulação, o BC exige que ela seja elaborada mediante orientação e aprovação do regulador.
De acordo com Otávio Damaso, diretor de Regulação do BC, a intenção do regulador foi dar liberdade para que os diversos participantes pudessem negociar e acordar os procedimentos e regras que lhe parecessem adequadas — desde que respeitados os princípios da norma e a governança assistida pelo BC, que deverá também aprovar a convenção. Assim como a implementação do open banking, a autorregulação será elaborada em etapas.
O regulamento da autorregulação está em discussão e já recebeu algumas propostas do mercado.
Objetivos e princípios do open banking
Nos termos da regulamentação, os objetivos do open banking são incentivar a inovação, promover a concorrência, aumentar a eficiência do Sistema Financeiro Nacional (SFN) e do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB), além de promover a cidadania financeira.
Os princípios a serem observados pelos participantes do open banking estão expressos na norma, que determina que devem conduzir suas atividades com ética e responsabilidade, observância à legislação e à regulamentação em vigor, bem como dos princípios de transparência, segurança e privacidade de dados e de informações sobre serviços compartilhados, qualidade dos dados, tratamento não discriminatório, reciprocidade e interoperabilidade.
Os objetivos e princípios são importantes porque são eles que nortearão a autorregulação e a supervisão do open banking pelo BC.
Instituições de pagamento
Em 9 de julho de 2020, o BC lançou consulta pública a respeito de alterações à regulamentação de instituições de pagamento, com destaque para a criação do iniciador de transação de pagamento, nova modalidade de instituidor de pagamento. Esse novo agente permitirá que o usuário final efetue pagamentos utilizando meios diferentes dos tradicionais. Os comentários à consulta pública poderão ser enviados até o dia 8 de agosto de 2020.
Responsabilidade no âmbito do open banking
Cada instituição participante do open banking é responsável pela confiabilidade, pela integridade, pela disponibilidade, pela segurança e pelo sigilo em relação ao compartilhamento de dados e serviços em que esteja envolvida, bem como pelo cumprimento da legislação e da regulamentação em vigor.
Não obstante essa responsabilidade, é possível que o participante contrate parcerias com entidades não autorizadas a funcionar pelo BC com o objetivo de compartilhar dados de cadastro e transações de clientes. Nesse caso, o participante contratante permanecerá responsável por essas informações.
Desafios do open banking
Alguns desafios se impõem com o advento do open banking no Brasil. Dentre eles, destacam-se o prazo para a implementação, a adaptação das fintechs para o atendimento dos requisitos da norma e o adiamento do início da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
O BC, conforme consta da exposição de motivos, considera que os prazos previstos na norma são suficientes para os participantes convencionarem previamente os padrões tecnológicos e os procedimentos operacionais para cada fase, assim como para as instituições adaptarem seus sistemas e processos e testarem as suas interfaces.
No entanto, alguns participantes, especialmente os de pequeno porte, consideram que será muito desafiador fazer a tempo todas as adaptações necessárias para integrar o open banking. E uma demora prolongada para integrar o sistema de compartilhamento pode fazer com que a instituição fique fora desse ambiente, causando a perda de clientes e oportunidades.
Ademais, muitos questionamentos vêm surgindo, em particular sobre como se darão as uniformizações de application programming interface (API). Essa uniformização será estipulada na autorregulação que será negociada entre os participantes. Conforme já mencionado, a autorregulação deverá observar os princípios de tratamento não discriminatório, reciprocidade e interoperabilidade — portanto, deverá viabilizar a participação do maior número de agentes possível. Todavia, há o receio de uma pressão dos grandes conglomerados financeiros, de forma que os layouts finais sejam muito custosos para as instituições menores, dificultando seu acesso ao open banking. O BC terá papel fundamental na supervisão da autorregulação para assegurar a acessibilidade e inclusão do maior número de participantes.
Outro desafio é o adiamento da entrada em vigor da LGPD. Embora o regramento atual de open banking tenha orientações bem específicas com relação à obtenção de consentimento do cliente para o compartilhamento de dados, prazos, formato, registro e princípios, a LGPD seria complementar ao regramento de compartilhamento de dados e serviços financeiros. De qualquer forma, o BC defende que a aplicabilidade e implementação do open banking e a privacidade dos dados dos clientes independe da entrada em vigor da LGPD.
Por fim, destaca-se que, dentre as principais restrições, a norma determina que não poderão ser compartilhados dados sensíveis dos clientes e que deve ser assegurada a revogação do consentimento pelo cliente, a qualquer tempo, mediante sua solicitação, por meio de procedimento seguro, ágil, preciso e conveniente.
Vantagens do novo modelo
A principal vantagem do open banking, sem dúvida, é o aumento da concorrência. Como consequência, diversos participantes terão acesso a informações que eram privilégio exclusivo dos grandes conglomerados financeiros. Assim, haverá aumento de eficiência, mais inovação, melhores serviços, diminuição de custo para o cliente, melhora da sua jornada, aumento da transparência, entre muitas outras vantagens. Isso foi ainda mais ampliado por causa da possibilidade de contratação de parceiros para realizarem o compartilhamento de dados de cadastro e transações de clientes. Ainda é difícil prever todos os benefícios que o cidadão comum terá com o open banking, mas serão numerosos e permitirão o acesso dos serviços financeiros a um número muito maior de pessoas.
Futuro do open banking
Como previsões para o futuro do open banking, pode-se citar a possibilidade de a blockchain ser agente e auxiliar das operações e registros no compartilhamento de dados. Essa possibilidade poderá ser explorada mais a fundo pelos participantes na autorregulação que deverão elaborar.
O BC pode, ainda, expandir o escopo de instituições autorizadas a operar, para permitir o que mais agentes possam ser participantes do open banking.
No futuro, serviços que hoje não são vislumbrados na regulamentação poderão passar a integrar o open banking, como serviço de comercialização de energia elétrica, por exemplo.
Juntamente com o pix — sistema de pagamento instantâneo — o BC dará um importante passo para inovar e avançar em direção ao acesso democrático da população brasileira ao sistema financeiro.
O open banking será, enfim, um agente transformador dos serviços financeiros no Brasil. Atualmente, há centenas de fintechs aguardando a oportunidade para se destacar no mercado oferecendo serviços melhores e mais ágeis aos consumidores, facilitando seu cadastramento, suas transações e apresentando produtos de crédito mais vantajosos. Essa competição impulsionará os grandes conglomerados financeiros a também se reinventarem para não perderem mercado. Quem mais se beneficiará com todo esse processo? Os cidadãos brasileiros, que terão acesso a mais serviços, mais baratos e mais eficientes.