Retomado debate em torno dos mecanismos de pagamento de PLR

Aprovação da MP 936 poderia pacificar o tema, mas vetos do presidente prolongam as discussões

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A medida provisória (MP) 936, que trata das permissões para redução de salários e jornadas durante a pandemia, também representou mais uma tentativa de pacificação de regras para os programas de participação nos lucros (PLR). O assunto contrapõe já há bastante tempo contribuintes e Receita Federal, que considera que muitas empresas se utilizam do mecanismo para não pagar encargos trabalhistas. Não raramente, as autuações do fisco vão parar no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

Ocorre que a discussão não foi encerrada, já que o presidente Jair Bolsonaro vetou dois artigos (32 e 37) na conversão da MP na Lei 14.020/20. Os artigos dificultavam a tributação da PLR. O Legislativo deve avaliar os vetos e decidir se serão derrubados ou mantidos.

O texto aprovado pelo Congresso flexibilizou, por exemplo, pontos relativos a prazos — os planos agora podem ser assinados antes do pagamento, e não mais necessariamente no ano anterior. “A Receita Federal entendia que o plano deveria estar negociado e assinado antes do início da apuração das metas. Mas, na prática, diante das dinâmicas próprias que regem as negociações sindicais, esse requisito seria impossível de ser alcançado, sobretudo porque ele não tem previsão legal — decorre de interpretação restritiva do fisco”, observa Paulo Coimbra, sócio do Coimbra & Chaves Advogados.

“Em síntese, a MP 936 tem dispositivos que flexibilizam o pagamento da PLR aos trabalhadores, especialmente quanto à autonomia da vontade das partes e à possibilidade de negociação para o pagamento”, destaca Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados. Na sua avaliação, no entanto, não se pode desconsiderar os vetos. “Foram vetados pelo presidente da República os artigos 32 e 37, da conversão da MP 936 na Lei 14.020/20, que tratavam da interpretação das disposições da PLR”, afirma.

A seguir, Coimbra e Braichi detalham o texto da MP e abordam as suas implicações para os programas de participação nos lucros.


Os mecanismos para pagamento de PLR a funcionários voltaram à pauta do Congresso Nacional, pela inclusão de um adendo à MP 936, que trata das reduções de salários e jornadas durante a pandemia. Qual o conteúdo desse adendo?

O adendo busca oferecer maior segurança jurídica, evitando autuações com base em requisitos exigidos pelo fisco. Envolve, entre outros pontos, prazos para negociação ou aprovação do plano. A Receita Federal entendia que o plano deveria estar negociado e assinado antes do início da apuração das metas. Mas, na prática, diante das dinâmicas próprias que regem as negociações sindicais, esse requisito seria impossível de ser alcançado, sobretudo porque ele não tem previsão legal — decorre de interpretação restritiva do fisco.

Também dá maior clareza quanto à possibilidade de múltiplos programas para participação nos lucros e, também, participação nos resultados, e estabelece alternativas para negociação sem o sindicato.

Os requisitos criados pela fiscalização culminaram numa enxurrada de autuações fiscais que consideramos abusivas, calcadas na inobservância de condições não previstas expressamente em lei. A prevalecer o entendimento abusivo e restritivo do fisco, nenhum plano de PLR seria válido e todos eles seriam desconsiderados e ensejariam autuações.

Infelizmente, a Receita, com sua interpretação criativa e restritiva, acaba por inibir a utilização da PLR. Esses planos, previstos na Constituição Federal, poderiam ser um valioso instrumento para melhorar a distribuição de riquezas mediante um alinhamento mais adequado de interesses entre capital e trabalho. Objetivos nobres, que se tornam mais distantes pela atuação do fisco.

A MP 936 retomou a discussão sobre tributação de programas de PLR, dispondo novas regras de caráter interpretativo — ou seja, regras que afetam processos em curso. Em síntese, a MP 936 tem dispositivos que flexibilizam o pagamento da PLR aos trabalhadores, especialmente quanto à autonomia da vontade das partes e à possibilidade de negociação para o pagamento. Por exemplo: com o novo conteúdo, a distribuição de PLR pode ser acordada no mesmo ano do pagamento, e não necessariamente no ano-calendário anterior, como entendia o Carf.

No entanto, é fundamental destacar que o presidente Jair Bolsonaro vetou os artigos 32 e 37, da conversão da MP 936 na Lei 14.020/20, que tratavam da interpretação das disposições da PLR.


Pelo novo texto, as regras estabelecidas aplicam-se a processos em andamento que questionam autuações feitas pela Receita Federal. Essa extensão é favorável aos contribuintes? Em que medida?

Considero que esses dispositivos são interpretativos, na medida em que buscam pacificar interpretações divergentes dos dispositivos legais que disciplinam a PLR. Dessa forma, esses dispositivos têm efeito retroativo, nos termos do art. 106 do Código Tributário Nacional (CTN) e, assim, alcançam os planos firmados no passado.

A extensão é favorável aos contribuintes, na medida em que a MP flexibiliza alguns pontos que dificultavam a implementação de programas de PLR. Muitas autuações são baseadas no descumprimento de alguns requisitos objetivos, resultando na caracterização dos pagamentos como salário, o que atrai a tributação da folha de pagamentos.

Como os requisitos são flexibilizados, o fundamento da grande maioria das autuações deixaria de ter substrato legal, aumentando as chances de que os contribuintes consigam o reconhecimento da natureza não salarial do pagamento, o que resultará na extinção de créditos tributários de montante expressivo.

É importante mencionar que essa não é a primeira vez que as regras de PLR são alteradas, mesmo que temporariamente. A MP 905, que dispunha sobre o Contrato Verde e Amarelo, também disciplinou o tema, mas perdeu validade por falta de votação. Dessa forma, por mais que o Poder Executivo tenha vetado os dispositivos em questão, ainda é possível que esse assunto retorne à pauta dos contribuintes.

 


Quais são as principais flexibilizações de exigências determinadas pelo novo texto incluído na MP 936?

Prazos para negociação e aprovação do plano, mais clareza quanto à possibilidade de múltiplos programas e alternativas para negociação sem o sindicato.

Com o texto que foi proposto, o programa de PLR não precisa ser assinado no ano anterior à distribuição, mas somente em data anterior ao pagamento; além disso, a empresa pode negociar diretamente com empregado caso o sindicato não indique um representante para tanto num prazo de dez dias. O que se nota é uma evolução da legislação no sentido de fazer prevalecer a autonomia da vontade entre as partes envolvidas na negociação, assim como ocorreu com a reforma trabalhista.


Na sua opinião, haverá pacificação do tema, de forma a estabilizar judicialmente o mecanismo de pagamento de PLR?

Entendo que deveria sim pacificar o tema. Como os dispositivos chegaram a vigorar no texto da MP 905 e tiveram, na oportunidade, efeitos retroativos, todos os planos anteriores estão por ele alcançados. Inexoravelmente, as atuações anteriores estribadas em entendimento divergente do fisco não devem prevalecer.

Em relação ao futuro, como os dispositivos inseridos pelo Congresso na conversão da MP 936 foram curiosamente vetados pelo presidente da República — o mesmo que havia encaminhado ao Congresso os dispositivos, ou muito similares, para aprovação mediante conversão da MP 905 —, estima-se que ainda haverá muita discussão. Perde-se, assim, uma valiosa oportunidade de pacificação social e de se atribuir maior segurança e confiança nas negociações de PLR.

É difícil prever os efeitos da norma, caso fosse promulgada pelo presidente da República, considerando a celeuma que existe em relação à autonomia da vontade entre empregado e empregador. A reforma trabalhista representou algumas evoluções nesse sentido, mas ainda não é possível afirmar que já estão inseridas nas relações entre as partes de forma incontestável.

De certa forma, entendo que parte das discussões sobre o tema pode ser pacificada, em especial a possibilidade de acordo no mesmo ano-calendário do pagamento, hipótese anteriormente vedada pela jurisprudência do Carf. Digo isso especialmente em relação ao cenário de pandemia e de inevitável crise econômica: é necessário que a legislação se adapte, quando possível, à realidade financeira dos contribuintes, garantindo efetividade aos dispositivos legais.

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