Receita favorece incorporações imobiliárias

Solução de Consulta confirma adesão ao RET por condomínios de lotes, desde que vinculada à construção de casas

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Uma nova possibilidade se abriu para as incorporadoras atuarem com condomínios de lotes e construção de casas: a adesão ao Regime Especial de Tributação (RET), que reduz a carga tributária e simplifica o recolhimento de impostos.

“A adesão ao RET permitirá que as empresas atuantes no setor gozem de carga tributária reduzida, ampliando, consequentemente, a margem de lucro”, avaliam Laura Purri e Paula Cambraia, associadas do Freitas Ferraz Advogados. A possibilidade foi aberta pela Lei 14.382/22 e confirmada pela Solução de Consulta 24 (de 01/02/23) por parte da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal.

A avaliação de Rafael Amorim e Gabriel Eleutério, sócio e associado do Vieira Rezende Advogados, vai na mesma direção: “A resposta à Solução de Consulta – Cosit nº 24/2023 impacta positivamente o setor imobiliário, na medida em que enseja uma interpretação mais abrangente quanto às hipóteses de aplicação do RET, representando uma superação do entendimento da Receita Federal de restrição absoluta à adoção do RET para loteamentos”.

Embora a lei não tenha alterado o conceito de incorporação imobiliária, ela passou a considerar incorporação também a atividade de alienação de lotes integrantes de desmembramento ou loteamento, quando vinculada à construção de casas isoladas ou geminadas. E o reforço necessário para dar segurança jurídica à adesão ao RET por parte das empresas que atuam com condomínios de lotes veio com a publicação recente da Solução de Consulta 24. O requisito essencial para que o parcelamento do solo possa ser considerado incorporação imobiliária é a vinculação à construção de casas isoladas ou geminadas, explicam as advogadas do Freitas Ferraz.

A adesão ao RET pode se dar a qualquer momento a partir do registro da incorporação. Mesmo que exista um loteamento aprovado há vários anos, caso o empreendedor decida por construir casas isoladas ou geminadas para venda, ele será considerado incorporador e poderá aderir ao regime, segundo Purri e Cambraia.

Com relação ao retrofit, a Lei 14.382/22 não mencionou a atividade, mas as advogadas avaliam que ele pode ser considerado incorporação – e dar direito ao RET – a depender de como for realizado.

Na entrevista abaixo, Purri, Cambraia, Amorim e Eleutério abordam pontos da nova lei e da Solução de Consulta da Cosit.


 – Em quais ocasiões as incorporadoras podem aderir ao RET, de acordo com a Solução de Consulta 24 da Cosit?

Laura Purri e Paula Cambraia: Na Solução de Consulta Cosit nº 24, a Receita Federal analisou tema de grande interesse das incorporadoras, relacionado à possibilidade de adesão ao Regime Especial de Tributação (RET) em caso de incorporações imobiliárias de condomínio de lotes.

O caso concreto envolveu uma empresa que atua no ramo imobiliário promovendo, entre outras atividades, a de incorporação imobiliária na modalidade de condomínios de lotes, instituto previsto no artigo 1.358-A do Código Civil. O contribuinte questionou a Receita Federal a respeito da possibilidade de aplicação do RET, instituído pelos artigos 1º a 10 da Lei nº 10.931/2004, a “incorporações de condomínio de lotes, quando da concomitante aprovação da integralidade da construção das residências em cada um dos terrenos privativos”.

A Receita Federal entendeu que, considerando as alterações trazidas pela Lei nº 14.382/2022, o parcelamento do solo poderá ser considerado incorporação imobiliária, caso atendidos os requisitos previstos na legislação aplicável. Destacou, ainda, a exigência do artigo 68 da Lei 4.591/1964, que determina que a atividade de alienação de lotes integrantes de desmembramento ou loteamento somente caracterizará incorporação imobiliária quando vinculada à construção de casas isoladas ou geminadas, promovida por uma das pessoas indicadas no artigo 31 da Lei 4.591/64 ou no artigo 2º-A da Lei nº 6.766/1979.

No caso da empresa consulente, além dos lotes, eram oferecidos aos clientes projetos de construção, devidamente aprovados, cuja execução seria opcional e poderia ser concretizada pela própria empresa ou pelo adquirente. Nesse sentido, a Receita Federal entendeu que, considerando esse caráter não mandatório da construção, não estaria presente o requisito necessário para caracterização de incorporação imobiliária, qual seja, a vinculação da construção ao parcelamento do solo, requisito do artigo 68 da Lei 4.591/1964.

Nesse sentido, como a atividade não configuraria incorporação imobiliária, não seria possível a adesão ao RET.

Rafael Amorim e Gabriel Eleutério: O RET, instituído pela Lei nº 10.931/2004, é um regime especial de pagamento unificado de tributos federais aplicável às incorporações imobiliárias objetos de patrimônio de afetação, de caráter opcional e irretratável enquanto perdurarem direitos de créditos ou obrigações do incorporador junto aos compradores dos imóveis.

Na vigência do regime de incorporações anterior à publicação da Lei nº 14.382/2022, o entendimento da Administração Tributária Federal era de que o RET se aplicava exclusivamente às incorporações imobiliárias, por ocasião da venda de unidades autônomas de edificação a ser construída ou em construção pelo incorporador. Ou seja, apenas o loteamento ou o desmembramento do solo eram insuficientes para fins de adesão ao RET, ainda que contratualmente vinculados à opção de construção de unidades habitacionais segundo projetos previamente aprovados pelo órgão competente.

Com a publicação da Lei nº 14.382/2022, ampliou-se o alcance do benefício ao RET, e a resposta à Solução de Consulta nº 24/2023 deixou claro que, a partir de 28 de junho de 2022, o RET também passou a ser aplicável às alienações de lotes resultantes de loteamento ou desmembramento do solo, desde que a atividade de alienação dos lotes esteja necessariamente vinculada à construção de casas isoladas ou geminadas.


– A construção de casas nos loteamentos passa a ser obrigatória para que as empresas tenham acesso ao RET? Há algum prazo para isso?

Laura Purri e Paula Cambraia: O requisito essencial para que o parcelamento do solo possa ser considerado incorporação imobiliária é a vinculação à construção de casas isoladas ou geminadas, considerando o disposto no artigo 68 da Lei 4.591/1964, promovida por uma das pessoas indicadas no art. 31 da Lei 4.591/1964 ou no artigo 2º-A da Lei nº 6.766/1979. Ou seja, é obrigatória a construção de casas em loteamentos, pela incorporadora, para que seja possível a adesão ao RET.

Não há prazo para adesão a esse regime especial, o que é possível de ser feito a partir do registro da incorporação. O RET é aplicável às incorporadoras em caráter opcional e irretratável, enquanto perdurarem os direitos de crédito ou obrigações do incorporador perante os adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação. Na prática, ainda que exista um loteamento aprovado há vários anos, caso o empreendedor decida por construir casas isoladas ou geminadas para venda, ele será considerado incorporador e poderá aderir ao RET. Fica, portanto, a critério do empreendedor optar por registrar a incorporação logo da largada, ou seja, quando for iniciar o parcelamento do solo, ou posteriormente, mesmo com um parcelamento do solo já realizado, quando lhe for mais favorável.

Rafael Amorim e Gabriel Eleutério: A Solução de Consulta – Cosit nº 24/2023 esclarece que a aplicação do RET para a atividade de alienação de lotes resultantes de loteamento ou desmembramento não é irrestrita. Segundo expressamente estabelecido pela Lei nº 14.382/2022, ao alterar o artigo da Lei nº 4.591/1964, para se caracterizar incorporação imobiliária para fins de aplicação do RET, o empreendimento imobiliário deve estar necessariamente vinculado à construção de casas isoladas ou geminadas.

Quanto ao prazo para a construção, a legislação não é clara sobre até quando a incorporadora optante pelo RET deve dar início às construções, ou até quando devem ser finalizadas. Contudo, convém lembrar que a opção pelo RET é irretratável, dependendo da efetiva afetação de patrimônio referente ao empreendimento. A afetação corresponde à segregação patrimonial de bens do incorporador, com o objetivo de assegurar a continuidade da incorporação e a entrega das unidades em construção aos adquirentes, mesmo em caso de falência ou insolvência do incorporador.


– A Lei 14.382/22 alterou o conceito de incorporação imobiliária? Ela abarcou as atividades de retrofit? 

Laura Purri e Paula Cambraia: A Lei 14.382/2022 não alterou o conceito de incorporação imobiliária, que se mantém aquele estabelecido no artigo 28 da Lei 4.591/64, qual seja, “atividade exercida com intuito de promover e realizar construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”.

Na prática, a nova legislação proporcionou a inclusão de um novo produto nas prateleiras do mercado, por meio da alteração do artigo 68 da Lei 4.591/1964, que incluiu no conceito de incorporação imobiliária a atividade de alienação de lotes integrantes de desmembramento ou loteamento, quando vinculada à construção de casas isoladas ou geminadas.

Não houve qualquer menção expressa na nova legislação a respeito da atividade de retrofit. Contudo, como detalhado abaixo, entende-se que é possível o enquadramento do retrofit como incorporação imobiliária, a depender da forma como for realizado.

O retrofit, conforme definição constante da Norma de Desempenho NBR 15575-1 da ABNT, é a “remodelação ou atualização do edifício ou de sistemas, através da incorporação de novas tecnologias e conceitos, normalmente visando à valorização do imóvel, mudança de uso, aumento da vida útil e eficiência operacional e energética”. Isto é, consiste na realização de alterações em imóvel inutilizado ou subutilizado para melhor aproveitamento da construção.

Nesse sentido, pode haver um retrofit para renovação da estrutura já existente, ou até mesmo realização de nova construção. Caso se verifique uma remodelação de uma estrutura já edificada, com objetivo de alienação de unidades futuras, seria possível a inclusão desse modelo de retrofit no conceito de incorporação imobiliária. Nessa hipótese, as alterações trazidas pela Lei 14.382/2022 poderão impactar o setor de retrofit, na medida em que deverão ser observadas as modificações à Lei 4.591/1964.

Rafael Amorim e Gabriel Eleutério: A Lei nº 14.382/2022 não modificou o conceito de incorporação imobiliária. Na verdade, o que ocorreu foi uma equiparação do parcelamento do solo, pelo loteamento ou desmembramento, à incorporação imobiliária, para fins de adesão ao RET, desde que atendidos os requisitos da legislação vigente, dentre os quais a vinculação da atividade de alienação de lotes integrantes do loteamento à construção de casas isoladas ou geminadas.

Outro ponto é que a Lei nº 14.382/2022 não solucionou a controvérsia hoje existente quanto à possiblidade ou não de incorporadoras com projetos de retrofit se beneficiarem do RET, não tratando sobre isso. Contudo, é certo que as empresas com projetos de retrofit que se adequem aos aspectos da incorporação imobiliária podem recorrer ao Judiciário com vistas a obter o direito à fruição do RET, a exemplo de outros casos, em que empresas conseguiram o reconhecimento do direito de enquadrar seus projetos de retrofit no RET.


– Qual deve ser o impacto no setor, agora que a Receita Federal deixou claro que incorporadoras que venderem lotes vinculados à construção de casas podem aderir ao RET?

Laura Purri e Paula Cambraia: As alterações promovidas pela Lei 14.382/2022 e o posicionamento da Receita Federal oferecem vantagem tributária para os players do mercado que atuam nesse regime de negócios, consistente na venda de lotes vinculados à construção de casa. Isso porque, com o enquadramento dessa atividade como incorporação imobiliária, será possível aderir ao RET, que apresenta vantagens não só pelo recolhimento simplificado (alíquota única e conjunta), mas, principalmente, pela redução significativa da carga tributária total.

Por meio da adesão ao RET, a incorporadora fica sujeita ao pagamento equivalente a 4% da receita mensal recebida (resultado da venda das unidades imobiliárias que compõem a incorporação, bem como as receitas financeiras e variações monetárias decorrentes da operação). A alíquota única de 4% do RET corresponde ao pagamento do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pis/Pasep) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

No Lucro Presumido, por exemplo, o contribuinte poderá enfrentar até 6,73% de alíquota efetiva de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre a receita operacional (venda de unidades imobiliárias). Em contrapartida, as receitas financeiras e variações monetárias seriam tributadas diretamente pelo IRPJ e pela CSLL, com alíquota efetiva que pode chegar a 34%.

A adesão ao RET permitirá que as empresas atuantes no setor gozem de carga tributária reduzida, ampliando, consequentemente, a margem de lucro.

Rafael Amorim e Gabriel Eleutério: A resposta à Solução de Consulta Cosit nº 24/2023 impacta positivamente o setor imobiliário, na medida em que enseja uma interpretação mais abrangente quanto às hipóteses de aplicação do RET, representando uma superação do entendimento da Receita Federal de restrição absoluta à adoção do RET para loteamentos.

Com o advento da Solução de Consulta nº 24/2023, que, destaque-se, vincula toda a Administração Tributária Federal, garante-se maior segurança jurídica aos contribuintes quanto à possibilidade de, a partir de 28 de junho de 2022, com a entrada em vigor da Lei nº 14.382/2022, tanto incorporadores imobiliários quanto loteadores se beneficiem do RET, desde que, para esses últimos, as vendas de lotes oriundos de loteamento ou desmembramento estejam vinculadas à construção de casas.

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