Brasil assume dianteira na adoção de padrão de relatórios sustentáveis
Resolução 193/23 da CVM inova ao adotar o ISSB; adesão será paulatina
Por meio da publicação da Resolução 193/23 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Brasil se tornou o primeiro país do mundo a adotar o padrão International Sustainability Standards Board (ISSB) para a divulgação de relatórios de sustentabilidade. Por enquanto, a adoção é voluntária – ela se tornará obrigatória apenas em 2026. A Resolução é o primeiro efeito concreto do Plano de Ação de Finanças Sustentáveis da CVM, que se propõe a promover a sustentabilidade no mercado de capitais.
“Os padrões ISSB, por representarem práticas internacionais voltadas à sustentabilidade, fortalecem a regulação brasileira e são relevantes para as empresas brasileiras por propiciarem maior transparência, confiabilidade, consistência e comparabilidade das informações disponibilizadas, o que pode abrir caminhos para novos investimentos, inclusive no âmbito global”, avaliam Gabriela Saad Krieck e Bárbara Domene, respectivamente sócia e advogada do Carneiro de Oliveira Advogados.
São dois os padrões de relatórios de sustentabilidade do ISSB: S1 e S2. O primeiro trata da divulgação das informações financeiras relacionadas à sustentabilidade para atender às necessidades dos mercados de capitais globais. Ele utiliza a estrutura Task Force on Climate Related Financial Disclosures (TCFD) para divulgação de informações sobre riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade, exige divulgações específicas de acordo com o setor da companhia e pode ser usado em conjunto com quaisquer requisitos contábeis. Já o S2 estabelece os requisitos para as companhias divulgarem informações sobre seus riscos e oportunidades relacionadas ao clima e também requer divulgações específicas de setores da indústria, de acordo com os padrões do Sustainability Accounting Standards Board (SASB Standards).
É provável que as companhias paulatinamente migrem dos padrões como o Global Reporting Initiative (GRI), SASB e TCFD para o novo padrão do ISSB, avaliam as advogadas do Carneiro de Oliveira: “Os relatórios Padrão S1 e Padrão S2 do ISSB são novos modelos de relatórios, e a avaliação de sua prevalência com relação aos padrões mais antigos dependerá da verificação, na prática, da utilidade e o efeito das informações que vierem a ser divulgadas pelas companhias no âmbito dos mercados de capitais globais.”
Na entrevista abaixo, Krieck e Domene abordam o padrão ISSB e a Resolução 193/23.
– Em linhas gerais, o que o padrão ISSB propõe e por que sua adoção é relevante para as empresas brasileiras?
Gabriela Saad Krieck e Bárbara Domene: O International Sustainability Standards Board (ISSB) é um órgão fundado em 2021 pela e IFRS Foundation (organização sem fins lucrativos que supervisiona a definição de padrões internacionais de relatórios financeiros). O ISSB possui 4 objetivos principais: desenvolver padrões globais de divulgações de sustentabilidade; satisfazer as necessidades de informação dos investidores; permitir que as empresas forneçam informações abrangentes sobre sustentabilidade aos mercados de capitais globais; e facilitar a interoperabilidade por meio de divulgações direcionadas a jurisdições específicas ou grupos de partes interessadas mais amplos. Em 2023, o ISSB emitiu os dois primeiros padrões de divulgação, denominados IFRS S1 General Requirements for Disclosure of Sustainability-related Financial Information (Padrão S1) e IFRS S2 Climate-related Disclosures (Padrão S2).
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é o primeiro órgão regulador a adotar os reportes seguindo os padrões ISSB (neste primeiro momento, em formato voluntário, mas que a partir de 2026 se tornará obrigatório para as companhias abertas). Os padrões ISSB, por representarem práticas internacionais voltadas à sustentabilidade, fortalecem a regulação brasileira e são relevantes para as empresas brasileiras por propiciarem maior transparência, confiabilidade, consistência e comparabilidade das informações disponibilizadas, o que pode abrir caminhos para novos investimentos, inclusive no âmbito global.
– No que consistem os padrões S1 e S2 do ISSB e quais seus principais aspectos?
Gabriela Saad Krieck e Bárbara Domene: O Padrão S1 estabelece o conjunto de informações financeiras relacionadas à sustentabilidade a serem divulgados para atender às necessidades dos mercados de capitais globais. Em termos gerais, o Padrão S1:
- solicita a divulgação de informações relevantes sobre riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade nas demonstrações financeiras das companhias;
- utiliza a estrutura Task Force on Climate Related Financial Disclosures – TCFD (governança, estratégia, gestão de riscos, métricas e metas) para divulgação de informações sobre riscos e oportunidades relacionados à sustentabilidade;
- exige divulgações específicas de acordo com o setor da companhia;
- oferece referências para auxiliar as companhias a identificar riscos, oportunidades e informações relacionadas a sustentabilidade (exceto com relação ao clima, que é objeto do Padrão S2); e
- pode ser usado em conjunto com quaisquer requisitos contábeis (Generally Accepted Accounting Principles – GAAP).
O Padrão S2 estabelece os requisitos para as companhias divulgarem informações sobre seus riscos e oportunidades relacionadas ao clima. Em termos gerais, o Padrão S2: incorpora as recomendações do TCFD; requer divulgação de informações relevantes sobre riscos e oportunidades relacionadas ao clima, incluindo riscos físicos e de transição; e requer divulgações específicas de setores da indústria, de acordo com os padrões do Sustainability Accounting Standards Board (SASB Standards).
– O que deve acontecer com os relatórios de sustentabilidade publicados de acordo com outros padrões, como o GRI, o SASB e o TCFD? A tendência será de as companhias os abandonarem?
Gabriela Saad Krieck e Bárbara Domene: Os relatórios de sustentabilidade já existentes, como o GRI, o SASB e o TCDF, possuem formatos e abordagens diferentes. Os relatórios Padrão S1 e Padrão S2 do ISSB são novos modelos de relatórios, e a avaliação de sua prevalência com relação aos padrões mais antigos dependerá da verificação, na prática, da utilidade e o efeito das informações que vierem a ser divulgadas pelas companhias no âmbito dos mercados de capitais globais.
– O que se espera da adaptação das companhias brasileiras ao novo padrão? Ela deverá ser tranquila ou se espera muito trabalho pela frente?
Gabriela Saad Krieck e Bárbara Domene: Como toda mudança de viés regulatório, a adaptação completa e suficiente das companhias brasileiras ao novo relatório de sustentabilidade estabelecido pela Resolução 193/23 demandará tempo. No entanto, ainda não é possível avaliar com precisão o nível de complexidade do referido relatório, inclusive porque a própria norma indica que os padrões ISSB serão submetidos a consulta pública e podem sofrer ajustes pela CVM.
Em que pese este estágio iniciante da nova norma, tendo em vista a relevância do tema de sustentabilidade em nosso mundo atual, as companhias podem utilizar o período de entrega voluntária do novo relatório de sustentabilidade (que, pela regra atual, será entre 2024 e 2025) como fase de adaptação, para que possam estar adequadamente preparadas para realizar as divulgações quando estas se tornarem obrigatórias.