Os desafios de regular os influenciadores de investimento

Estudo da CVM conclui que benefícios da regulação superam os custos

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A importância dos influenciadores de investimento se tornou tão grande no Brasil que a conclusão de estudo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre o assunto foi que será necessário regular a atuação deles. Conforme a Análise de Impacto Regulatório (AIR) conduzida pela autarquia sobre o assunto, os benefícios de uma regulamentação dessa atividade superam os custos.

Os benefícios esperados são a “maior higidez do mercado de capitais, mitigação de potenciais conflito de interesses, maior segurança jurídica, prevenção de riscos financeiros e maior credibilidade aos participantes envolvidos”, de acordo com a CVM. No âmbito do Plano Bienal de Supervisão Baseada em Risco 2023-2024 da CVM, os influenciadores digitais foram considerados como um dos riscos emergentes.

A regulamentação dessa atividade nova, entretanto, não deve ser uma tarefa corriqueira: “Um dos desafios residiria justamente em encontrar a linha que separa o desempenho de uma atividade de educação financeira e uma atividade de recomendação de investimento que precisa ser regulada. Contudo, nesse sentido, a CVM já adiantou em seu estudo que entende não ser uma boa alternativa criar uma regulamentação específica para a atividade de influenciador digital”, avaliam as advogadas Helena Guimarães e Ana Luisa Fucci, sócia e associada do Vieira Rezende Advogados.

A forma pela qual a atividade será regulamentada não será pela edição de uma norma voltada a esses profissionais, mas pela previsão de que agentes de mercado já regulados pela CVM tenham controle e deem transparência sobre os influenciadores digitais que contratam.

Atualmente, já há possibilidades de responsabilização de influenciadores quando eles oferecem informações errôneas ou opiniões emitidas sob conflito de interesse que causem prejuízo. É o caso da responsabilização decorrente do possível exercício irregular de profissão e da manipulação de mercado, que podem ser punidas criminalmente, e do descumprimento da Lei do Mercado de Capitais, que pode levar a CVM a aplicar punições administrativas como a edição de stop orders, determinando a imediata cessação das atividades e multas cominatórias. Guimarães e Fucci lembram ainda que os influenciadores podem estar sujeitos à responsabilização na esfera cível quando comprovado que sua atividade causou danos a alguém.

Na entrevista abaixo, Guimarães e Fucci abordam a relevância dos influenciadores de investimento e os desafios que devem vir pela frente para regulamentar a atividade.


– Qual é a importância de dar mais transparência às opiniões ou informações divulgadas pelos influenciadores de investimento?

Helena Guimarães e Ana Luisa Fucci: Atualmente, não há dúvida acerca do protagonismo que influenciadores em geral passaram a desempenhar na nossa sociedade, afetando de forma relevante a decisão de compra dos seus seguidores. Em relação a influenciadores de investimento especificamente, nota-se uma mudança de comportamento do investidor médio, que passou a utilizar as redes sociais e, principalmente, o YouTube, como fonte de pesquisa de informações sobre economia e investimentos.

Uma pesquisa feita pela B3 em 2020 identificou que naquele ano cerca de 75% das pessoas iniciaram os seus investimentos com base em informações divulgadas em canais no YouTube e na opinião de influenciadores de investimento.[1] É razoável imaginar que essa influência tenha se mantido ou até mesmo aumentado nos últimos três anos. O número de influenciadores especializados em investimento também vem crescendo ao longo dos últimos anos, tendo mais que dobrado em 2022, passando de 255 no primeiro semestre para 515 no segundo, segundo dados divulgados pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima)[2].

O impacto dos influenciadores de investimentos os torna capazes de exercer um papel relevante como participantes do mercado, sendo, portanto, necessário que atuem de forma responsável e com transparência, assim como os demais participantes. Ocorre que, atualmente, os investidores consomem conteúdo sem saber da relação entre o influenciador e o participante regulado, e que, portanto, podem estar contaminados por conflito de interesses.

A CVM identificou como problema regulatório a ser enfrentado, conforme estudo divulgado recentemente, a “possível falta de transparência no relacionamento entre os influenciadores digitais e os participantes do mercado de valores mobiliários regulados pela CVM, gerando assimetria informacional entre os investidores e tais entidades.” Ao mesmo tempo, a autarquia reconheceu papel educativo importante por parte daqueles influenciadores que atuam dentro da lei e da regulação.

A busca por transparência com relação a eventual conteúdo patrocinado divulgado por influenciador tem por objeto garantir a simetria de informações e a credibilidade do mercado. A CVM, em seu estudo, vai além ao ressaltar que “a informação ganha mais respeitabilidade, uma vez que o participante regulado se torna corresponsável pela informação, podendo inclusive ser responsabilizado por quaisquer danos que uma informação indevida possa acarretar ao investidor.”

Em resumo, a exigência de total transparência na relação entre influenciadores digitais (não regulados) e participantes do mercado gera benefícios para o mercado como um todo, ao mitigar potenciais conflitos de interesses, dar melhores insumos para a decisão do investidor, permitir a adequada alocação de responsabilidade e conferir credibilidade à atuação dos influenciadores.


– Os influenciadores de investimento podem ser responsabilizados por informações errôneas ou opiniões emitidas sob conflito de interesse, se ocasionarem prejuízos para investidores e/ou instituições financeiras? Há casos do tipo tramitando na Justiça?

Helena Guimarães e Ana Luisa Fucci: A nosso ver, informações errôneas ou opiniões emitidas sob conflito de interesse que causem prejuízo aos investidores e/ou instituições financeiras poderiam ensejar dois tipos distintos de responsabilização para esses influenciadores.

A primeira seria decorrente do exercício irregular de profissão, conforme disposto no artigo 27-E da Lei nº 6.385/1976 (Lei do Mercado de Capitais), caso se entendesse que o influenciador estaria exercendo atividade de analista, consultor, gestor de valores mobiliários ou assessor de investimento sem o devido registro. Caso condenado, o influenciador de investimentos estaria sujeito à pena de detenção de seis meses a dois anos e pagamento de multa.

Já a segunda responsabilização estaria relacionada com o resultado da divulgação daquela informação ou opinião. Isto é, caso se entenda que a atuação do influenciador de investimentos tenha tido como objetivo alterar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro para si ou para outro, ou causar danos a terceiros, estaria incorrendo no crime de manipulação de mercado, previsto no artigo 27-C da Lei do Mercado de Capitais. Caso condenado, o influenciador de investimentos poderá incorrer em pena de reclusão, de um a oito anos, e multa de até três vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Em ambas as hipóteses, o influenciador também estaria sujeito às regras e, eventualmente, às penalidades previstas no artigo 11 da Lei do Mercado de Capitais, que prevê que a CVM pode impor, em razão do descumprimento do previsto na referida lei, de forma isolada ou cumulativamente, a aplicação de medidas administrativas, como a edição de stop orders, determinando a imediata cessação das atividades e de multas cominatórias.

Por fim, esses influenciadores também poderiam estar sujeitos à responsabilização na esfera cível. Caso se entendesse que houve nexo de causalidade entre a ação do influenciador e o dano causado a outrem, o referido influenciador estaria incorrendo em prática de ato ilícito e ficaria obrigado a reparar o terceiro pelo dano causado, nos termos dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil.

Já com relação à existência de casos concretos, apesar do assunto ser relativamente novo, temos conhecimento do caso da plataforma de investimentos Suno, que é objeto de inquéritos na Polícia Federal e na CVM.

O caso corre em segredo de Justiça, mas o que se sabe é que a Hectare, gestora do fundo imobiliário HCTR11, em comunicado divulgado ao mercado, confirmou indícios da existência de uma campanha que foi supostamente promovida pela Suno e por influenciadores de investimento a ela ligados nas redes sociais, aplicativos de mensagens e outros meios de comunicação, com o objetivo de afugentar possíveis investidores ao divulgar, nas palavras da gestora, “insinuações inverídicas e enganosas, carregadas de alarmismo a respeito do fundo”.

Ainda segundo a Hectare, as informações divulgadas foram responsáveis por impactar indevida e consideravelmente o volume de negociação, a amplitude de variação de preço do ativo e, consequentemente, o valor de mercado das cotas do fundo, causando prejuízo para toda a sua base de cotistas. Em razão disto, a Suno passou a ser investigada por possível manipulação de preços realizada pelos influenciadores ligados à referida companhia.


– No estudo sobre a regulação da atividade dos influenciadores de investimento, a CVM conclui pela necessidade do estabelecimento de regras para a atuação. Quais devem ser os desafios pela frente?

Helena Guimarães e Ana Luisa Fucci: Conforme já mencionamos, os influenciadores de investimento estão ocupando um papel de protagonismo, não só na educação financeira da população brasileira, em razão da difusão de conhecimento a respeito de economia e investimentos, mas também na construção das marcas dos bancos e corretoras de investimento e na identificação do investidor com essas instituições.

Um dos desafios residiria justamente em encontrar a linha que separa o desempenho de uma atividade de educação financeira e uma atividade de recomendação de investimento que precisa ser regulada. Contudo, nesse sentido, a CVM já adiantou em seu estudo que entende não ser uma boa alternativa criar uma regulamentação específica para a atividade de influenciador digital.

Ao contrário, a recomendação do estudo é de inclusão no arcabouço normativo da CVM de dispositivo que obrigue seus regulados a, no momento da contratação de influenciadores digitais, obrigá-los a divulgar que se trata de conteúdo patrocinado. Passaria a existir, portanto, uma exigência de transparência e divulgação ativa de “quaisquer relações contratuais de publicidade e divulgação de valores mobiliários celebrados entre os regulados por esta CVM e aqueles denominados influenciadores digitais, sejam os últimos pessoas físicas ou plataformas de divulgação, desde que o contrato gere benefício direto ou indireto para estes”.

Sempre que uma nova regulamentação é criada, contudo, o desafio do órgão regulador passa a ser garantir a sua observância e fiscalizá-la de forma efetiva.


– A autorregulação, nos moldes exercidos pela Anbima e pela BSM, seria suficiente para ordenar e fiscalizar a atividade dos influenciadores de investimento?

Helena Guimarães e Ana Luisa Fucci: A autorregulação pode ser uma ferramenta interessante, ao trazer noções de melhores práticas e servir de selo de qualidade àqueles que aderem aos seus preceitos. Contudo, por ser um mercado muito difuso e ao mesmo tempo tão amplo, a efetividade da autorregulação nesses casos ainda está por ser verificada. É difícil aferir se os seguidores que já se fiavam nas orientações dos influenciadores passarão a avaliá-los pela ótica de um terceiro que lhes é desconhecido e que usa uma linguagem que lhes é estranha. Para funcionar, dependeria da validação e endosso por parte de influenciadores com ascendência sobre os demais, de modo a causar um efeito cascata.


[1] Disponível em: https://www.b3.com.br/data/files/DE/47/57/09/B3866710D32004679C094EA8/Pesquisa%20PF_Apresentacao_final_11_12_20_.pdf

[2] https://www.anbima.com.br/pt_br/imprensa/publico-que-segue-influenciadores-de-investimentos-aumenta-76-em-2022-aponta-relatorio-da-anbima-8A2AB28B86E7B63E018723A76DB05B92-00.htm


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