O que pode mudar no boletim de voto à distância
Minuta de Resolução da CVM em consulta pública pretende facilitar participação de não residentes
Uma importante mudança proposta pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pretende reduzir os custos para os acionistas não residentes participarem de assembleias de companhias: a ideia é tornar os boletins de voto à distância (BVDs) obrigatórios em todas as assembleias. Atualmente, eles devem ser utilizados nas assembleias gerais ordinárias (AGOs) e naquelas convocadas para deliberar sobre a eleição de membros dos conselhos fiscal ou de administração, ou, ainda, naquelas marcadas para a mesma data que a AGO.
Essa obrigatoriedade, prevista pela Resolução 81/22, no entanto, não se mostrou suficiente para garantir aos investidores não residentes a participação nas assembleias sem qualquer custo, explicam Helena Guimarães e Thomaz Veiga, sócia e associado do Vieira Rezende Advogados. “Devido ao reduzido número de assembleias em que é obrigatório o uso do BVD, a solução introduzida para reduzir os custos do exercício do direito de voto não se materializou. O acionista não residente que deseje participar das assembleias em que não há BVD obrigatório deverá incorrer com todos os custos necessários à votação presencial, como traduções, outorgas e renovações de procurações, afastando assim a possibilidade de participação de investidores não residentes nas assembleias em geral”, explicam Guimarães e Veiga.
Para mudar essa situação, a CVM está reformando a Resolução 81/22. Recentemente, colocou em consulta pública (Edital de Consulta Pública SDM nº 01/23) a minuta da nova Resolução, que pretende estender o BVD para todas as assembleias.
Dispensa do uso do BVD
Outra proposta importante prevista pela minuta é a dispensa da obrigação de uso do BVD (que hoje não é possível). Sócia e associada do Carneiro de Oliveira Advogados, Gabriela Saad Krieck e Ana Carolina Haddad Anselmo Rodrigues explicam que atualmente um terço das companhias que seguem a Resolução 81/22 (companhias registradas na categoria A, com valores mobiliários negociados em mercado de bolsa e que possuem ações ou certificados de depósito de ações em circulação) não recebem votos a distância nas AGOs, demonstrando que muitas arcam com custos adicionais sem que haja benefícios efetivos aos acionistas. A minuta de norma propõe que estas companhias sejam desobrigadas de adotar o BVD, respeitadas algumas condições.
A minuta em consulta pública prevê ainda a necessidade de a companhia justificar a forma adotada para a assembleia (virtual, presencial ou híbrida) e propõe aprimoramentos na forma como as instruções de voto são transmitidas, além de esclarecer dúvidas recorrentes do mercado.
“Na nossa visão, as modificações propostas na Resolução 81/22 por meio da consulta pública são benéficas, uma vez que buscam resolver os desafios regulatórios atuais relacionados à participação dos acionistas nas assembleias gerais, além de endereçarem consultas e dúvidas apresentadas pelos acionistas e companhias de forma recorrente”, avaliam Krieck e Rodrigues.
Na entrevista abaixo, os advogados do Vieira Rezende e as advogadas do Carneiro de Oliveira abordam a minuta da norma em consulta pública.
– Atualmente, em quais situações os investidores não residentes e os custodiantes encontram dificuldades para participar das assembleias de companhias brasileiras, considerando que o boletim de voto à distância é obrigatório em AGOs?
Helena Guimarães e Thomaz Veiga: A introdução do boletim de voto à distância (BVD) no Brasil ocorreu em 2015, com a Instrução CVM nº 561/15. Ele foi concebido para “para facilitar, simplificar e mesmo reduzir custos relacionados ao exercício do direito de voto, incrementando o envolvimento de acionistas com os assuntos da companhia”, nos termos da Audiência Pública SDM nº 9/14, que originou a Instrução CVM nº 561/15.
Contudo, devido ao reduzido número de assembleias em que é obrigatório o uso do BVD, a solução introduzida para reduzir os custos do exercício do direito de voto não se materializou. O acionista não residente que deseje participar das assembleias em que não há BVD obrigatório deverá incorrer com todos os custos necessários à votação presencial, como traduções, outorgas e renovações de procurações, afastando assim a possibilidade de participação de investidores não residentes nas assembleias em geral.
Pela Resolução CVM nº 81 de 2022 (Resolução 81/22), que substituiu as Instruções CVM 481/09 e 561/15, o BVD deve ser divulgado pelas companhias nos casos de assembleias gerais ordinárias (AGOs) e nas demais assembleias que tenham sido convocadas para deliberar sobre a eleição de membros do conselho fiscal ou do conselho de administração nas situações indicadas na norma; ou venham a ocorrer na mesma data marcada para a AGO. Isso, contudo, não se mostrou suficiente para garantir aos investidores não residentes a participação nas assembleias sem qualquer custo.
Com a reforma da Resolução 81/22 e a introdução obrigatória do BVD para todas as assembleias de acionistas, a CVM busca diminuir os custos dos acionistas não residentes, facilitando a participação nas deliberações sociais das companhias abertas.
Gabriela Saad Krieck e Ana Carolina Anselmo Rodrigues: Uma das dificuldades consiste na ausência da obrigatoriedade da adoção do boletim de voto a distância (BVD) em todas as assembleias, o que faz com que os acionistas incorram em custos financeiros e operacionais para fins de constituição de procuradores, levantamento de documentos, dentre outras providências burocráticas.
O prazo de antecedência para envio do BVD também influencia na participação dos acionistas nas assembleias, tendo em vista que, quanto maior a antecedência exigida pela companhia, maior a chance de o processo do envio do boletim não ter sido finalizada pelos acionistas e, consequentemente, dos seus votos não serem computados. Destaca-se que os investidores não residentes costumam precisar de um prazo mais extenso em razão da maior complexidade para transmissão das instruções de voto, eventualmente necessitando serviços como proxy processing e custodiantes locais e globais.
– Quais são as principais mudanças propostas pela minuta de norma?
Helena Guimarães e Thomaz Veiga: A CVM por meio do Edital de Consulta Pública SDM nº 01/23 (Consulta Pública) trouxe importantes alterações no conteúdo da Resolução 81/22, que variam de alterações estruturais no funcionamento da participação nas assembleias gerais das companhias a alterações simples na redação de artigos. Dentre estas alterações, as principais são as seguintes:
(i) Extensão das regras de votação à distância para todas as assembleias: A Consulta Pública prevê que as companhias deverão obrigatoriamente divulgar o BVD para todas as assembleias de acionistas, sejam ordinárias ou extraordinárias, gerais ou especiais;
(ii) Redução do número de companhias sujeitas à regras de votação à distância: Tendo em vista o custo operacional para a companhia do uso do BVD, a CVM pretende estabelecer hipóteses de dispensa da obrigação que atualmente não é possível na Resolução 81/22. Para tanto, é necessário que a companhia preencha cumulativamente os seguintes requisitos: tenha realizado a última assembleia ordinária tempestivamente; não tenha recebido BVDs nessa última assembleia ordinária ou nas demais realizadas desde então; tenha convocado a assembleia em relação à qual se pretende a dispensa com, no mínimo, 30 dias de antecedência; não tenha recebido em relação à assembleia na qual se pretende a dispensa qualquer pedido de inclusão no boletim de candidatos ou propostas dos acionistas; e não tenha realizado oferta pública de distribuição de ações após sua última assembleia ordinária;
(iii) Ajuste nos prazos de transmissão dos votos: Prevê a alteração nos prazos referentes à tramitação dos BVDs, para que estes possam ser apresentados pelos acionistas até 4 dias antes da assembleia e não mais com 7 dias de antecedência. Essa alteração ensejaria uma mudança nos prazos de disponibilização dos BVDs e a transmissão destes pelos custodiantes;
(iv) Local da Assembleia: A Consulta Pública prevê a possibilidade de que seja oferecido aos acionistas que desejem comparecer presencialmente dois ou mais lugares aptos para a participação na assembleia, sem necessariamente ser a sede da companhia. No mais, a CVM também deixa claro seu entendimento de que o presidente e o secretário da assembleia podem participar de forma remota; e
(v) Justificativa sobre o formato escolhido para a realização das assembleias: As companhias deverão explicar o motivo pelo qual entendem ser mais adequado realizar a assembleia de modo presencial, parcialmente digital ou exclusivamente digital.
Gabriela Saad Krieck e Ana Carolina Anselmo Rodrigues: Dentre as alterações propostas pela consulta pública, destacamos as principais abaixo:
(i) Ampliação do mecanismo de votação remota para todas as assembleias: De acordo com a redação atual da Resolução 81/22, as companhias são obrigadas a disponibilizar o BVD em casos de assembleias gerais ordinárias e em outras assembleias: (a) quando convocadas para decidir sobre a eleição de membros do conselho fiscal ou do conselho de administração; ou (b) quando ocorrerem na mesma data marcada para a assembleia geral ordinária. A consulta pública propõe a extensão da obrigatoriedade da adoção do mecanismo do BVD para todas as assembleias de acionistas.
(ii) Diminuição da quantidade de companhias sujeitas à regulamentação de votação remota: Atualmente, a Resolução 81/22 limita a aplicação das regras de assembleias de acionistas para as seguintes categorias de companhias abertas: (a) registradas na categoria A; (b) com valores mobiliários negociados em mercado de bolsa; e (c) que possuem ações ou certificados de depósito de ações em circulação. Tais companhias são obrigadas a seguir todas as disposições do Capítulo III da Resolução 81/22, incluindo aquelas relacionadas à adoção do BVD.
No entanto, aproximadamente um terço das empresas que adotam o mecanismo do boletim não recebem votos a distância nas assembleias gerais ordinárias, demonstrando que há companhias arcando com custos adicionais sem que haja benefícios efetivos aos acionistas. Sendo assim, a consulta pública propôs a dispensa da obrigação da adoção do boletim para as companhias que:
(a) realizaram a última assembleia geral ordinária dentro do prazo estabelecido;
(b) não receberam votos por meio de boletim na última assembleia geral ordinária ou nas outras assembleias subsequentes;
(c) convocaram a assembleia com pelo menos 30 dias de antecedência;
(d) não receberam pedido de inclusão no boletim de candidatos ou propostas por parte de acionistas que reúnam o percentual necessário de participação no capital social;
(e) não realizaram oferta pública de distribuição de ações após a última assembleia geral ordinária; e
(f) não receberam oposição por parte de acionistas detentores de 0,5% do capital social em até 25 dias antes da realização da assembleia geral.
Na proposta, caso seja recebida uma oposição disposta no item “f” acima, a empresa deverá disponibilizar o BVD no prazo de até 17 dias antes da assembleia de acionistas. A proposta tem como finalidade garantir que a dispensa seja aplicada apenas em situações em que não haja interesse por parte dos investidores em utilizar os procedimentos de votação a distância.
(iii) Melhorias na forma como as instruções de voto são transmitidas: Na estrutura estabelecida pelas disposições da Resolução 81/22, as instruções de voto dos acionistas são coletadas, consolidadas e transmitidas à companhia, mediante participação de prestadores de serviço como custodiantes, depositários centrais e escrituradores. O processo de votação a distância segue uma sequência, sendo que cada etapa se inicia somente após a conclusão da etapa anterior.
Além disso, o prazo máximo para o envio das orientações de voto dos acionistas é de 7 dias antes da data marcada para a assembleia, seja para um custodiante, escriturador ou diretamente para a companhia.
A consulta pública propõe alterações na Resolução 81/22 com o objetivo de implementar melhorias no processo de envio das orientações de voto dos acionistas, por meio da transmissão de informações paralela e simultaneamente pelos depositários centrais e escrituradores para a companhia, a qual consolidará os votos recebidos por tais agentes e diretamente pelos investidores. Desse modo, o encaminhamento de informações do depositário central para o escriturador será cortado do fluxo de votação a distância.
Devido à melhoria na eficiência do processo, foi proposta a ampliação do prazo máximo para o envio da orientação de voto pelo investidor, atualmente de 7 dias para 4 dias antes da data marcada para a assembleia. Os prazos de transmissão de informações entre os prestadores de serviços e a companhia, os prazos de divulgações obrigatórias e outros prazos envolvendo o boletim de voto a distância também serão consequentemente ajustados.
(iv) Esclarecimentos sobre dúvidas recorrentes: O item 5 do edital de consulta pública contempla outras modificações propostas que pretendem esclarecer dúvidas recorrentes de companhias e acionistas, tais como:
- Comprovação de titularidade ininterrupta das ações na eleição em separado de membro do conselho de administração: embora a CVM concorde que a comprovação da titularidade das ações cabe ao acionista, também entende que isso não autoriza as companhias a negarem o exercício de tal direito, uma vez que é possível que a própria companhia faça essa validação. Assim, foi proposta uma redação para esclarecer que é vedado à companhia condicionar o exercício de direitos pelo acionista em assembleia à apresentação de documentos para comprovação de circunstâncias relacionadas à titularidade das ações que possam ser objetivamente verificadas com base em dados já detidos pela companhia, inclusive aqueles que lhes tenham sido transmitidos pelo depositário central e pelo escriturador.
- Pedido de instalação de conselho fiscal no BVD: a CVM se mostrou sensível aos argumentos trazidos pelas companhias com relação ao pedido de instalação do conselho fiscal por acionistas que eventualmente desconhecem tal instituto, assim a proposta dispõe que, caso o quórum para requisição de instalação do conselho fiscal seja alcançado, mas não tenham surgido candidatos ao órgão até a data da assembleia e durante sua realização, as manifestações recebidas via boletim de voto para a instalação do órgão ficam sem efeito.
- Deliberações sobre propostas alternativas a propostas inseridas no boletim: ainda que o BVD consiga apresentar as matérias em deliberação na assembleia com certa previsibilidade, as propostas específicas sobre essas matérias podem variar em função das interações dos acionistas na própria assembleia, assim a proposta de modificação apresenta aos acionistas que votarem via BVD a oportunidade de especificar seu voto em caso de apresentação de propostas alternativas, podendo optar por aprová-la, rejeitá-la ou acompanhar a deliberação tomada pela maioria dos acionistas fisicamente presentes.
– Em sua visão, as alterações propostas são positivas?
Helena Guimarães e Thomaz Veiga: As alterações propostas pela CVM têm como objetivo facilitar a participação dos acionistas nas deliberações sociais, o que está ligado diretamente com um outro ponto de atenção da autarquia, que é o absenteísmo nas assembleias. Tendo em vista a importância do ativismo dos acionistas, em especial dos minoritários, para garantir uma melhor governança da companhia, as propostas apresentadas pela CVM cumprem bem o papel de facilitar essas medidas.
Gabriela Saad Krieck e Ana Carolina Anselmo Rodrigues: Na nossa visão, as modificações propostas na Resolução 81/22 por meio da consulta pública são benéficas, uma vez que buscam resolver os desafios regulatórios atuais relacionados à participação dos acionistas nas assembleias gerais, além de endereçarem consultas e dúvidas apresentadas pelos acionistas e companhias de forma recorrente.
No entanto, como toda mudança procedimental, só será possível avaliar a sua efetividade na prática, mas vemos com bons olhos a postura da CVM de avaliar atentamente as dores de acionistas e companhias no voto a distância, o que contribui para eventuais novos aprimoramentos.
– Quais aspectos carecem de aprimoramento?
Helena Guimarães e Thomaz Veiga: Será necessário observar, em especial, como a CVM tratará os pedidos de dispensa do uso do BVD. Espera-se que a CVM limite a dispensa apenas para aquelas companhias que cumprirem rigorosamente os requisitos, sob risco de prejudicar a abrangência e o avanço que está sendo proposto, ao estender a votação por meio de BVD para todas as assembleias.
Gabriela Saad Krieck e Ana Carolina Anselmo Rodrigues: Conforme disposto na consulta pública, a CVM levantou determinados tópicos que não foram abrangidos pelas propostas de alterações na Resolução 81/22, mas tem interesse em receber comentários e sugestões, quais sejam: melhorias no fluxo da votação a distância em companhias abertas considerando a experiência no âmbito de fundos de investimento cujas cotas sejam admitidas à negociação em mercados organizados; e motivos pelos quais os pedidos públicos de procuração e a inclusão de propostas de acionistas nos BVDs não são mecanismos muito utilizados, bem como possíveis alterações regulatórias sobre o tema.
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