Boletim de voto a distância ganha novas possibilidades
Mudanças prometem facilitar participação de investidores nacionais e estrangeiros
A participação dos investidores nas assembleias de acionistas, via boletim de voto a distância, foi objeto de discussão no ano passado por causa de dificuldades enfrentadas nos encontros de algumas empresas, como Vale e Petrobras. Para facilitar a votação dos investidores, em especial os estrangeiros, a B3 implementou inovações no uso do boletim de voto a distância. E a expectativa é que as novidades resultem numa temporada de assembleias mais tranquila neste ano, principalmente nas situações em que haja adoção do voto múltiplo.
Dentre os aprimoramentos feitos no boletim de voto, estão a introdução da versão em inglês de perguntas padronizadas do sistema e a possibilidade de os investidores deliberarem sobre a eleição do presidente e vice-presidente do conselho durante a assembleia (na maioria das companhias, a nomeação desses membros é realizada internamente, na primeira reunião do board eleito). Além disso, o boletim passou a prever, nas votações por voto múltiplo, a distribuição proporcional dos votos não apenas entre todos os candidatos da chapa. “Agora, os investidores poderão distribuir seus votos proporcionalmente em um grupo de candidatos diferente (inclusive menor) do que o indicado na eleição simples”, afirmam Gabriela Saad Krieck e Bárbara Domene, associadas do Carneiro de Oliveira Advogados. “Essa medida simplifica e dá mais segurança à votação. Entretanto, ainda não houve automatização dos casos de distribuição de votos de forma não homogênea, sendo este o próximo desafio a respeito do tema”, acrescentam.
Érika Carvalho Fleck, sócia do mesmo escritório, explica que o exercício do voto múltiplo é um direito dos acionistas minoritários, que dá a eles a chance de eleger um ou mais membros do conselho de administração, uma vez que podem concentrar votos em candidatos diferentes daqueles que seriam eleitos pelo controlador em uma eleição por votação majoritária. Dada a relevância desse mecanismo, a CVM recomenda que as companhias destaquem, nos avisos de convocação das assembleias, a importância de que os pedidos de voto múltiplo sejam feitos com antecedência, de modo a facilitar seu processamento e a participação dos demais acionistas, nacionais e estrangeiros.
Na entrevista abaixo, Fleck, Krieck e Domene explicam o funcionamento do voto múltiplo e as mudanças no boletim de voto a distância.
Quais são os principais requisitos para que um acionista solicite o voto múltiplo, e quando a utilização desse mecanismo é interessante?
Gabriela Saad Krieck e Bárbara Domene: O voto múltiplo é aplicável aos casos de eleição dos membros do conselho de administração de uma companhia e pode ser solicitado por acionistas que representem entre 5% e 10% do capital social com direito a voto (a depender do valor do capital social, nos termos do artigo 141 da Lei das S.As. e da Instrução CVM 165/91). A solicitação do processo de voto múltiplo deve ser enviada pelos acionistas à empresa até 48 horas antes da realização da assembleia geral que tratará da eleição dos membros do conselho de administração.
Uma vez adotado o processo de voto múltiplo, o número de votos de cada ação é multiplicado pela quantidade de cargos a serem preenchidos no conselho, podendo o acionista distribuir seus votos ou cumulá-los em apenas um candidato. Trata-se de uma faculdade prevista na Lei das S.As., e que independe de previsão estatutária.
A utilização do voto múltiplo é interessante como uma estratégia para que os acionistas não controladores tenham a possibilidade de eleger um ou mais membros do conselho de administração, uma vez que podem concentrar votos em candidatos diferentes daqueles que seriam eleitos pelo controlador em uma eleição por votação majoritária.
O voto múltiplo deve ser solicitado pelo investidor em até 48 horas antes das assembleias, mas frequentemente os acionistas votam antes (por meio de boletins de voto a distância), sem saber se o voto múltiplo será utilizado. Há formas de contornar esse problema?
Érika Carvalho Fleck e Gabriela Saad Krieck: O exercício do voto múltiplo, observados os requisitos da regulação aplicável, é um direito dos acionistas e, como tal, deve ser preservado. A própria regulamentação da CVM já busca endereçar o problema do desencontro de prazos relacionados ao exercício do voto múltiplo com a inclusão de campos específicos no boletim, para que os acionistas possam indicar (i) se desejam exercer tal direito, e (ii) como desejam votar caso o voto múltiplo venha a ser aplicado na assembleia em questão.
Conforme consta no Ofício Circular/Anual-2022- CVM/SEP, recomenda-se que as companhias destaquem nos avisos de convocação das assembleias a importância de que os pedidos de voto múltiplo sejam feitos com antecedência, de modo a facilitar seu processamento pela companhia e a participação dos demais acionistas, nacionais e estrangeiros.
Em que pese o disposto acima, o que se percebe na prática é que os acionistas que pretendem exercer o voto múltiplo de maneira estratégica tendem a comparecer à assembleia (virtual ou presencialmente, conforme procedimento adotado pela companhia), além de organizarem-se para solicitar a inclusão de candidatos ao conselho de administração no boletim de voto a distância, nos termos do procedimento previsto no artigo 21-L da Instrução CVM 481/09. Desta forma, esses acionistas ganham mais flexibilidade na sua estratégia, podendo alocar de forma mais eficiente seus votos na eleição do conselho por voto múltiplo.
Com relação ao voto múltiplo, quais foram as principais novidades trazidas pela B3 para a temporada de assembleias deste ano, visando aprimorar o processo de votação dos acionistas?
Gabriela Saad Krieck e Bárbara Domene: Até o início deste ano, o acionista que utilizasse o boletim de voto a distância poderia distribuir seus votos proporcionalmente em todos (e não menos que todos) os candidatos que compunham uma chapa ou alocar percentuais diferentes manualmente.
A principal novidade corresponde a uma mudança no sistema que, desde 14 de março de 2022, permite que os acionistas que optem por votar pelo boletim de voto a distância possam, em caso de eleição do conselho de administração pelo voto múltiplo, distribuir seus votos proporcionalmente em um grupo de candidatos diferente (inclusive menor) do que o indicado na eleição simples. Ou seja, na pergunta específica sobre voto múltiplo, o acionista poderá indicar seu voto favorável a determinados candidatos, e seus votos serão distribuídos proporcionalmente entre eles automaticamente via sistema.
Tal alteração foi pensada para aumentar as opções de voto dos acionistas na votação a distância, considerando a possibilidade de erros de leitura dos votos imputados de forma manual pelos acionistas no sistema.
Além disso, destacamos duas importantes novidades: (i) a possibilidade de incluir no boletim de voto a distância uma deliberação com texto fixo específica para eleição do presidente e o vice-presidente do conselho de administração da companhia, e (ii) a disponibilização de versão em inglês das perguntas padronizadas do sistema.
As medidas referentes ao boletim de voto a distância podem aprimorar o processo de participação dos acionistas nas assembleias?
Gabriela Saad Krieck e Bárbara Domene: Consideramos as novidades como aprimoramento do processo de participação dos acionistas.
Com relação ao exercício do voto múltiplo de forma proporcional entre parte dos candidatos, trata-se de uma medida que simplifica e dá mais segurança à votação, principalmente se considerarmos que na maioria dos casos os acionistas optam por dividir igualmente seus votos entre alguns candidatos. Entretanto, ainda não houve automatização dos casos de distribuição de votos de forma não homogênea, sendo este o próximo desafio a respeito do tema.
No que se refere à eleição do presidente e do vice-presidente do conselho de administração, entendemos que a inclusão de uma deliberação específica no boletim de voto a distância para os acionistas os elegerem é um incentivo a uma boa prática de governança corporativa.
Por fim, a disponibilização de versão em inglês das perguntas padronizadas no sistema da B3 é importante para reduzir potenciais problemas de interpretação por acionistas estrangeiros, de forma que eles possam exercer seu direito de voto de maneira mais efetiva e alinhada com seus interesses.
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