Proposta de acabar com o JCP ressurge

Projeto de Lei volta a atacar mecanismo que permite economia tributária

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Após ter recebido muitas críticas e não ter ido adiante, assim como a reforma tributária do imposto de renda (IR) pretendida pelo governo passado, a proposta de extinguir os juros sobre capital próprio (JCP) foi ressuscitada por meio de um Projeto de Lei (PL 4.258/23) publicado pelo governo.

Embora o projeto não preveja a extinção dos JCPs, ele tiraria toda a atratividade do mecanismo, o que faria com que as empresas abandonassem o seu uso. “Com o fim da dedução dos JCP, provavelmente haverá uma redução drástica desse tipo de pagamento, ocorrendo uma migração para o pagamento de dividendos aos sócios/acionistas enquanto não houver tributação sobre eles”, acreditam Rafael Amorim e Caio Persici, sócio e associado do Vieira Rezende Advogados.

O PL 4.258/23 propõe acabar com a possibilidade que as empresas dispõem de deduzir os JCPs da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Hoje, o JCP é considerado uma despesa financeira e pode ser deduzido da base de cálculo desses tributos – reduzindo o valor dos impostos a pagar. Como a alíquota somada de IRPJ e da CSLL é de 34%, e a alíquota que incide sobre o JCP é de 15% (retida no pagamento do provento), as empresas têm uma economia tributária de 19% – se não distribuíssem o provento, elas seriam tributadas a 34%, mas, como o distribuem, são tributadas a uma alíquota de 15%, o que traz a economia de 19 pontos percentuais de imposto.

O PL prevê a manutenção da possibilidade de dedução apenas para as distribuições relativas ao ano-calendário de 2023, mesmo que os proventos sejam pagos apenas em 2024. O governo, na exposição de motivos da proposta, alegou que não há evidências de que o mecanismo reduz o endividamento das empresas e nem aumenta os investimentos. E, ainda, que há abusos no uso do JCP. Amorim e Persici consideram que o a motivação pode ser arrecadatória, já que não há estudos conclusivos sobre o tema. 

Proposta controversa

Um dos pontos comumente considerados positivos do JCP é que ele reduz o endividamento das empresas – despesas financeiras, como o pagamento de juros referentes a empréstimos bancários, são dedutíveis da base de cálculo, enquanto o financiamento por capital próprio não era dedutível antes do advento do JCP, em 1995. Com isso, as empresas eram estimuladas a recorrer ao mercado bancário, o que aumentava o seu endividamento, ao passo que o mecanismo contribuiria para a redução.

Vale lembrar ainda que outra forma de distribuir lucros para os acionistas é por meio de dividendos, que também poderão vir a perder a isenção caso a reforma tributária sobre a renda avance no Congresso.

Na entrevista abaixo, Persici e Amorim abordam pontos relativos ao PL 4.258/23.


– O governo publicou um Projeto de Lei que pretende acabar com os juros sobre capital próprio (JCP). Quais são os principais pontos da proposta?

Rafael Amorim e Caio Persici: O principal ponto da proposta é a extinção da dedução dos JCP para fins de IRPJ/CSLL a partir de 1º de janeiro de 2024. Assim, as empresas, além de estarem sujeitas à retenção de 15% de Imposto de Renda (IRRF) sobre os valores pagos, não poderão mais aproveitar o benefício de dedução dessa despesa nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL apurados.

No entanto, é importante destacar que a vedação não se aplica às deliberações que aprovam as distribuições relativas ao ano-calendário de 2023, que permanecerão dedutíveis das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL para esse exercício, ainda que efetivamente pagos ou creditados somente em 2024.


– Esse Projeto de Lei difere da tentativa anterior de acabar com os JCPs (Projeto de Lei 2.337/21), que fazia parte da reforma tributária da renda?

Rafael Amorim e Caio Persici: Ao que tudo indica, o PL 4.258/23 utilizou a mesma motivação aplicada ao PL 2.337/21, mas teve seu escopo limitado à dedutibilidade do JCP, enquanto a proposta anterior previa diversas outras alterações na legislação do Imposto de Renda, como, por exemplo, a tributação dos dividendos.

No que se refere à motivação propriamente dita, as duas propostas utilizam o argumento de que a criação do JCP teve como objetivo aumentar o investimento nas empresas por meio de capital próprio dos sócios ou acionistas, em detrimento do financiamento através de capital de terceiros. Porém, de acordo com a exposição de motivos dos projetos, o governo teria constatado que as empresas brasileiras continuaram se financiar por meio de endividamento, o que teria levado à conclusão de que a figura dos JCP não teria atendido seu propósito inicial, sendo utilizada exclusivamente como mecanismo de planejamento tributário.


– Na exposição de motivos, o governo alega que não há evidências de que o JCP reduz o endividamento das empresas e nem aumenta os investimentos, e que empresas usam artifícios contábeis para aumentar os benefícios. Essa avaliação procede?

Rafael Amorim e Caio Persici: Com relação a esse ponto, vale destaque o fato de que não há estudos conclusivos com base em dados empíricos acerca da importância e dos impactos dos JCP para reduzir o nível de endividamento das empresas brasileiras. Tanto é assim que o próprio governo, ao propor o referido PL, não apresentou esse estudo, o que leva a crer que o projeto teve motivação arrecadatória.

Além disso, mesmo que o argumento de que as empresas continuam aumentando o endividamento fosse verdadeiro, o projeto não apresenta qualquer hipótese de reversão para esse cenário.

Com relação aos artifícios contábeis, é clara a referência à figura da distribuição retroativa dos JCP (deliberação a partir de uma posição patrimonial em um determinado exercício para pagamento efetivo em exercício posterior). Essa é uma possibilidade explorada pelos contribuintes nos últimos anos, que se baseia na ausência de restrição legal e que tem respaldo em diversos precedentes administrativos e judiciais que autorizam a distribuição retroativa desses valores, permitindo assim a dedução de valores de JCP dos últimos 5 anos.

Portanto, não há artifício, já que a posição contábil que dá respaldo à distribuição é real e contemporânea ao momento da deliberação.


– Quais seriam as consequências esperadas com a extinção o mecanismo?

Rafael Amorim e Caio Persici: Com o fim da dedução dos JCP, provavelmente haverá uma redução drástica desse tipo de pagamento, ocorrendo uma migração para o pagamento de dividendos aos sócios/acionistas enquanto não houver tributação sobre eles. Além disso, essa pode ser a última oportunidade para que as empresas avaliem a possibilidade de se realizar a distribuição retroativa dos JCP.

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