Marco legal das startups oferece mais segurança para investidor anjo

Legislação prevê figura de investidor que não é sócio da companhia

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No dia 31 de agosto, entra em vigor o Marco Legal das Startups, instituído pela Lei Complementar nº 182. Criada pelo governo para fomentar o empreendedorismo inovador e aumentar a oferta de capital para as startups, a legislação promete solucionar questões cruciais para o desenvolvimento do setor. Nesse sentido, um dos aspectos que o marco buscou resolver foi o temor de investidores de serem vítimas da aplicação indiscriminada do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no Artigo 50 do Código Civil. De acordo com esse dispositivo, apenas em situações extremas, os bens dos sócios podem ser acessados para pagar débitos da empresa — como dívidas fiscais e indenizações trabalhistas, por exemplo. Na prática, no entanto, isso não vinha acontecendo, sendo cada vez mais comum os casos em que juízes rapidamente determinavam o bloqueio do patrimônio dos sócios.

Para evitar esse tipo de abuso, a nova legislação deixa claro que o investidor anjo que direcionar recursos para uma startup sem ingressar no seu capital social — o que pode ser feito por meio de debêntures conversíveis ou contratos de opção de compra ou de mútuos conversíveis — não será considerado sócio e nem possuirá direito a gerência ou voto na administração. Logo, seus bens ficam fora do alcance do temido artigo 50 do Código Civil.

Mas de nada adianta esses investidores terem mais segurança, se faltarem bons ativos, com potencial realmente inovador, para aportarem seus recursos. Por isso, foi oportuno o estabelecimento, pelo Marco Legal das Startups, de um ambiente regulatório experimental, conhecido como sandbox regulatório. Nesse espaço, empresas podem receber autorização temporária de órgãos reguladores como o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para testarem modelos de negócios, técnicas e tecnologias inovadoras. O espírito é permitir que empresas de pouco faturamento consigam desenvolver seus produtos e negócios sem terem que arcar com altos custos de conformidade. São consideradas startups empresas com até dez anos de existência e faturamento máximo de R$ 16 milhões no ano anterior.

Confira os comentários de Paula Chaves, sócia do Coimbra & Chaves Advogados, sobre o Marco Legal:


Quais as principais alterações que o Marco Legal das Startups trouxe para a Lei das S.As.?

Paula Chaves: Dentre as principais mudanças alterações promovidas pelo Marco Legal das Startups na Lei das S.A.s, destaca-se a alteração do artigo 143 da Lei 6404/1976, que permite que a diretoria das companhias possa ser composta por apenas um diretor. Essa mudança pode não impactar a rotina de grandes companhias ou de companhias aberta, mas para companhias de menor porte, há uma importante simplificação da estrutura de diretoria, que anteriormente deveria ser composta por, no mínimo, dois diretores.

Também houve significativo avanço em relação à forma de publicação das demonstrações financeiras, anúncios e demais documentos cuja publicação seja exigida por lei. Com a mudança, companhias fechadas com receita bruta anual de até R$78 milhões poderão realizar a publicação desses documentos de forma eletrônica, eliminando a necessidade de publicação em jornais e diários impressos. Essa alteração, além de simplificar e agilizar as publicações obrigatórias, tende a significar uma redução dos custos de publicação para essas companhias.

Outra mudança significativa que beneficia essas companhias fechadas (receita bruta de até R$78 milhões), é a possibilidade de substituição dos livros societários (como os de registro e transferência de ações, por exemplo) por registros eletrônicos, o que elimina a necessidade de escrituração e guarda de livros societários impressos.
Em relação aos dividendos, a lei traz maior liberdade aos acionistas das companhias fechadas com receita bruta de até R$78 milhões, para que possam livremente deliberar pela forma de sua distribuição, desde que não seja prejudicado o direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade. Há alguns entendimentos de que essa mudança legislativa permitiria a chamada distribuição desproporcional de lucros nas sociedades anônimas, todavia, o texto da lei não é expresso neste ponto e o entendimento mais conservador é no sentido de que a “liberdade de distribuição” permitiria que os acionistas não observem o dividendo mínimo obrigatório, e não de que poderiam distribuir dividendos de forma desproporcional.
Por fim, houve também a criação do termo “companhia de menor porte”, que são companhias com receita bruta anual de até R$500 milhões e que, a depender de regulação específica pela CVM, terão condições facilitadas para acesso ao mercado de capitais.

Em resumo, o Marco Legal das Startups promoveu uma importante atualização na Lei das S.A.s, eliminando alguns anacronismos significativos e introduzindo mecanismos eletrônicos e digitais na rotina societária das companhias.


O Marco Legal das Startups estabelece que para serem enquadradas como startups as empresas precisam ter receita bruta inferior a R$ 16 milhões. Mas ao mesmo tempo abre a oportunidade de a CVM regulamentar o acesso de companhias de menor porte (com receita bruta anual inferior a R$ 500 milhões) ao mercado de capitais. Por quê?

Paula Chaves: É preciso separar o tema. As Startups são empresas incipientes e que, como destacado pelo Marco Legal das Startups, possuem operação recente, sendo constituídas e estando em operação há menos de 10 (dez) anos. Essas empresas inovadoras estão em um estágio inicial de desenvolvimento dos seus negócios e produtos e, usualmente, ainda não receberam ou estão em negociação para recebimento dos primeiros aportes significativos de capital (investimentos nessas etapas das empresas são conhecidos como seed capital, dentre outras terminologias de mercado). Assim, o “teto” de R$16 milhões de receita bruta fixado pelo Marco Legal das Startups busca separar e garantir para essas empresas incipientes um mecanismo facilitado de captação de investimentos, reduzindo riscos do investidor (que não se caracteriza como sócio e não responde por dívidas dessas empresas) e tornando-as mais atrativas ao recebimento de investimentos.

Já companhias com receita bruta de até R$500 milhões não são empresas incipientes, estando em um estágio mais “maduro” de seus negócios e apresentando um volume significativo de operações. Essas companhias, usualmente, já passaram por fases anteriores de investimentos e apresentam uma estrutura societária bem consolidada. Para essas companhias, ao contrário do que pode ocorrer em uma Startup, novos investidores desejam participar como sócio. De outro lado, essas companhias também não possuem o porte usual das atuais companhias brasileiras listadas em bolsa de valores e que, em maioria (para não dizer todas), possuem receitas anuais no patamar de bilhões de Reais. Assim, de forma a trazer um mecanismo simplificado e célere de captação de recursos para essas companhias, o Marco Legal das Startups delega à CVM a competência de regulamentar um procedimento simplificado para acesso dessas companhias de menor porte ao mercado de capitais, abrindo a porta para que, ao invés de buscarem recursos junto aos seus atuais sócios ou instituições financeiras, possam considerar a busca de investidores no mercado de capitais.


Que aspectos do marco legal a CVM deve regulamentar?

Paula Chaves: A CVM deverá regulamentar as regras para que Fundos de Investimentos possam aportar recursos em Startups sob as modalidades previstas no artigo 5º do Marco Legal das Startups.
Adicionalmente, como comentado acima, a CVM deverá regulamentar as condições facilitadas para que as companhias de menor porte (receita bruta de até R$500 milhões) acessem o mercado de capitais. Dentre medidas de flexibilização que dependem de regulamentação da CVM, estão a obrigatoriedade de instalação do conselho fiscal, a obrigatoriedade de intermediação de instituição financeira em distribuições públicas de valores mobiliários, a modulação da política de dividendos obrigatórios e a forma de realização das publicações obrigatórias.


Na prática, ele vai facilitar a captação de recursos pelas startups na forma de emissão de ações ou investidores de empresas em estágio inicial devem continuar preferindo instrumentos como o mútuo conversível?

Paula Chaves: De forma geral, o Marco Legal das Startups não cria nenhuma nova modalidade de investimento, mas facilita a captação de recursos pelas Startups à medida que o investidor, caso realize o aporte em uma das formas nele previstas (como o mútuo conversível, por exemplo) não será considerado sócio e não responderá, inclusive em cenários de desconsideração da personalidade jurídica, por quaisquer dívidas da empresa investida, incluindo dívidas trabalhistas e tributárias. Ainda precisamos aguardar para ver como o Judiciário aplicará tais disposições de ausência de responsabilidade do investidor, de todo o modo, há no Marco Legal das Startups a tentativa de criar um ambiente de maior segurança jurídica para o investimento nessas empresas em estágio inicial e que apresentam elevado risco quanto ao retorno do capital.

A emissão de ações ou quotas pela Startup é indiretamente facilitada pelo Marco Legal das Startups, uma vez que traz maior segurança ao investidor que deseje celebrar contratos de aporte de capital e que seja, futuramente, possa ser conversível em ações ou quotas da Startup (como o mútuo conversível, ou debêntures conversíveis).
De todo o modo, A utilização desses mecanismos de investimento previstos no Marco Legal das Startups, ou a aquisição direta de ações ou quotas da Startup dependerá do perfil do investidor e do grau de ingerência que pretende possuir nos negócios da Startup. Desejando ter voz ativa na administração dos negócios e votar nas deliberações societárias, o mútuo conversível não é o mecanismo de investimento recomendado a esse investidor. Em outro lado, caso a expectativa desse investidor seja de, em um primeiro momento, exclusivamente aportar capital na Startup e, futuramente, avaliar o interesse em ingressar no quadro de sócios, o mútuo conversível passa a fazer sentido para esse investidor.


A medida facilita o acesso de investidores estrangeiros às startups dispensando a necessidade de transferência da sede das companhias para Delaware, como é praxe, para a captação com fundos de venture capital?

Paula Chaves: Como previsto no seu artigo 3º, o Marco Legal das Startups busca trazer um ambiente de negócios favorável à captação de investimentos e desenvolvimento do empreendedorismo, inclusive com a atração de investimentos estrangeiros. Uma das formas de se estruturar esse ambiente favorável para o investimento estrangeiro é a segurança jurídica em relação aos investimentos que sejam realizados pelos investidores.

Tratando-se de investimentos em empresas brasileiras, há, de forma geral, o receio dos investidores (inclusive estrangeiros) de serem responsabilizados por dívidas, especialmente as de natureza trabalhista e tributária. Com o Marco Legal das Startups, tenta-se apresentar ao investidor que os riscos que ele assume ao realizar o investimento de capital na forma do artigo 5º (como o mútuo conversível, por exemplo) é exclusivamente em relação ao retorno financeiro do investimento, não havendo a extensão do risco para além dos valores investidos.

Entretanto, o texto do Marco Legal das Startups vem sendo objeto de críticas por não ter trazido alguns pleitos antigos do mercado em relação ao tratamento tributário das startups. Por exemplo, foi mantida a vedação de que a sociedade anônima opte pelo Simples Nacional, bem o impedimento à participação no Simples Nacional por empresas que possuam sócios estrangeiros.


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