A importância do sandbox da CVM para o acesso das startups ao mercado de capitais
Com a instituição do marco legal das startups por meio da Lei Complementar 182, de 1º de junho de 2021, as discussões a respeito da otimização do acesso das startups ao mercado de capitais foram retomadas. O referido marco delegou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a regulamentação de “condições facilitadas” para companhias de menor porte, mas as dificuldades enfrentadas por elas vão muito além das matérias que poderão ser dispensadas ou moduladas pelo regulador — como a flexibilização das publicações oficiais, a obrigatoriedade de instalação do conselho fiscal e o pagamento do dividendo obrigatório, entre outras.
Fato é que carecemos de incentivos mais robustos e ambientes próprios para negociação de valores mobiliários de empresas emergentes de forma competitiva. O primeiro processo de sandbox regulatório da CVM, cujo resultado foi divulgado em 30 de setembro, evidenciou que diversas iniciativas estão alinhadas a essas necessidades. Das 34 propostas apresentadas, 19 referiram-se à constituição de mercados organizados e 7 à negociação secundária em tais mercados.
Iniciativas bem-sucedidas de mercados mais desenvolvidos demonstram que vale a pena apostar nesse nicho. Nesse sentido, soluções encontradas nos Estados Unidos e na China têm despontado recentemente: (i) a plataforma de negociação Nasdaq Private Market, criada em 2014 para negociação de valores mobiliários de companhias fechadas [1]; e (ii) o segmento Star Market, da Shanghai Stock Exchange (SSE), criado em 2019 para companhias abertas de menor porte com foco em ciência e tecnologia [2].
No exemplo norte-americano, o sucesso da inciativa foi tamanho que a Nasdaq anunciou, em 20 de julho deste ano, a constituição de uma empresa autônoma e independente, na qual o Nasdaq Private Market será aportado e desenvolvido [3]. Trata-se de uma joint venture da Nasdaq com os bancos Silicon Valley Bank (SVB), Citi, Goldman Sachs e Morgan Stanley. Espera-se que a nova empresa ganhe ainda mais envergadura e atinja status global como ambiente próprio para que empresas, corretores e investidores realizem operações privadas, incluindo a negociação de stock options de startups, propiciando mais liquidez a companhias fechadas em estágio anterior à abertura de capital.
No exemplo chinês, expressivos resultados nos dois primeiros anos de operação do Star Market na SSE encorajaram o governo local a anunciar, em 2 de setembro, planos para criação de uma nova bolsa em Pequim, com foco no financiamento de companhias de pequeno e médio porte. É a segunda vez que o presidente Xi Jinping anuncia pessoalmente iniciativas nesse sentido — em ambos os casos, em meio à guerra comercial travada com os Estados Unidos. A primeira delas ocorreu em 2018, justamente quando revelou planos a respeito do Star Market. Desde a sua criação, esse segmento já congregou mais de 300 empresas, com valor total de capitalização estimado em cerca de 728 bilhões de dólares [4].
No Brasil, iniciativas promissoras têm sido implementadas nas últimas décadas, mas com resultados tímidos. O Bovespa Mais, por exemplo, lançado em 2005 com o propósito de se tornar um segmento de acesso à bolsa, não vingou. Mais recentemente, em 2017, a CVM regulamentou a captação de recursos por meio de plataformas eletrônicas de investimento participativo (crowdfunding), com resultados até agora modestos em razão do escopo limitado que se pretendeu estabelecer, restrito ao mercado primário [5].
É justamente por causa desse último aspecto que o primeiro ciclo de sandbox da CVM mostra-se oportuno: o regulador permitirá a negociação em mercado secundário, em caráter experimental e temporário, por meio de uma plataforma de crowdfunding [6]. Trata-se da BEE4, uma das três startups aprovadas pela CVM, que poderá realizar, com dispensa de algumas exigências, as atividades de constituição e administração de mercado de balcão organizado. Após a implementação desse projeto, os investidores poderão não apenas realizar aportes por meio da plataforma, mas também negociar suas posições com outros investidores.
Nesse contexto, a implementação de plataformas de negociação privada e a criação de segmentos específicos para empresas em fase inicial revelam-se como importantes alternativas a serem desenvolvidas para que tenhamos, finalmente, um mercado de acesso estabelecido, em linha com iniciativas globais já consolidadas nesse setor.
[1] https://www.nasdaq.com/nasdaq-private-market
[2] http://star.sse.com.cn/star/en/gettingstarted/overview/
[3] https://www.nasdaq.com/press-release/nasdaq-svb-citi-goldman-sachs-and-morgan-stanley-launch-new-platform-for-trading
[4] https://edition.cnn.com/2021/09/03/tech/china-beijing-stock-exchange-intl-hnk/index.html
[5] Instrução CVM nº 588, de 13 de julho de 2017.
[6] Deliberação CVM nº 874, de 30 de setembro de 2021.
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