Marco dos criptoativos: entenda os principais pontos

Expectativa é que segregação patrimonial venha por meio de regulamentação

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Após alguns anos de discussão, o marco legal dos criptoativos foi aprovado no Congresso Nacional. O Projeto de Lei 4.401/21, de autoria do deputado Expedito Netto, estabeleceu como princípios para esse mercado a livre concorrência, a proteção aos dados pessoais e à poupança popular, a defesa dos consumidores e a prevenção à lavagem de dinheiro. A expectativa é que as negociações com criptoativos possam se desenvolver de forma mais segura para os investidores e para o próprio sistema financeiro e o mercado de capitais.

“Em essência, o marco legal dos ativos virtuais, apesar de seu caráter sobretudo principiológico, é certamente um avanço na regulamentação do setor”, afirmam Guilherme Guidi e Eugênio Corassa, associados do Freitas Ferraz Advogados. Eles explicam que o principal objetivo da nova lei é trazer segurança e confiabilidade a um mercado tido por muitos como especialmente arriscado – o que se buscou por meio da criação de um sistema de supervisão, a criação de crimes específicos para fraudes utilizando ativos virtuais, a menção expressa desses ativos em outros tipos de delitos e as regras para prevenção de lavagem de dinheiro utilizando ativos virtuais. “Com notícias recentes sobre casos graves de fraude nesse mercado, é essencial não só para as empresas atuantes no segmento, mas para a economia e para os investidores como um todo que haja um padrão mínimo de supervisão e responsabilidade”, afirmam Guidi e Corassa.

O marco legal não se aplica a criptoativos que também sejam valores mobiliários. Estes continuam sob a alçada da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Recentemente, a autarquia publicou um parecer sobre criptoativos (Parecer de Orientação 40), no qual esclareceu pontos sobre a sua atuação nesse mercado.

A mineração verde – benefícios ficais para a atividade de mineração de criptomoedas executada a partir de fontes de energia renováveis – não foi aprovada.

Veja, abaixo, alguns dos pontos do novo marco legal dos criptoativos e confira a entrevista de Guidi e Corassa sobre o assunto: 

Definição de ativo virtual: a lei o define como “a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizado para realizar pagamentos ou com o propósito de investimento”. Ficam de fora as moedas nacional e estrangeiras, a moeda eletrônica (de acordo com a Lei sobre o Sistema de Pagamentos Brasileiro), os pontos e recompensas de programas de fidelidade e as representações de ativos previstos em leis ou regulamentos – um exemplo são os valores mobiliários e os ativos financeiros.

Prestadora de serviços virtuais: pessoa jurídica que executa, em nome de terceiros, atividades como troca entre ativos virtuais e moeda nacional e estrangeira; troca entre um ou mais ativos virtuais; transferência de ativos virtuais; custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais; ou participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.

Autorização para funcionamento: agora, as corretoras (exchanges) de criptomoedas e outros prestadores de serviço terão que obter autorização de algum órgão do governo para operar. A expectativa é que o Banco Central (BC) se torne responsável por isso. O regulador também terá normas para o exercício de cargos estatutários e aplicará penalidades.

Segregação patrimonial: pelo projeto aprovado, não há segregação patrimonial, ou seja, os ativos dos investidores e das corretoras não serão separados. No entanto, a expectativa é que isso venha a ser exigido por regulamentação posterior. “Como a existência da segregação patrimonial seria um requisito importante, seria possível cogitar a criação de tal requisito por iniciativa do Poder Executivo ou por regulamentação do futuro órgão supervisor”, dizem Guidi e Corassa. A segregação estava prevista na versão anterior do projeto, mas não foi aprovada – o que foi criticado por muitos participantes do mercado, que consideravam que ela traria mais segurança e evitaria casos como o prejuízo aos investidores causado pela quebra da corretora FTX.

Lavagem de dinheiro e crimes: as prestadoras de serviços de ativos virtuais (que fazem intermediação, liquidação ou custódia) foram equiparadas às instituições financeiras no que diz respeito aos crimes contra o sistema financeiro. Também foram incluídas no rol de empresas que se sujeitam à necessidade de identificar clientes e manter registros, e ainda de prestar especial atenção a operações que contenham indícios de crimes, conforme prevê a Lei de Prevenção à Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/98). Na prática, isso significa que elas devem seguir a política de conheça o seu cliente (know your client) e reportar atividades suspeitas ao Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Foi criado o crime de “fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros” de estelionato especializado em ativos virtuais, cuja pena é de reclusão de 4 a 8 anos e multa.


– Quais são os principais pontos do marco legal dos criptoativos?

Guilherme Guidi e Eugênio Corassa: Dentre os principais pontos do marco legal, podemos destacar a regulamentação das empresas que atuam no setor, chamadas de prestadoras de serviços virtuais, como exchanges, agentes de custódia de ativos virtuais e outras intermediárias de negociação desses ativos. O marco também indica um órgão regulamentador para lidar com as questões relativas aos ativos digitais, que será responsável por criar regulação adicional, conceder licenças e fiscalizar a atividade das empresas por ela autorizadas a trabalhar com ativos virtuais.

O principal objetivo da nova lei é trazer segurança e confiabilidade a um mercado tido por muitos como especialmente arriscado. Com notícias recentes sobre casos graves de fraude nesse mercado, é essencial não só para as empresas atuantes no segmento, mas para a economia e para os investidores como um todo que haja um padrão mínimo de supervisão e responsabilidade.

Nisso, o marco legal dos criptoativos, chamados agora de “ativos virtuais”, procura dar o primeiro passo na criação desse sistema de supervisão, abrindo caminho para a co-regulação do setor: permitir ao mercado que crie padrões de serviço, mas que podem estar sujeitos a aprovação e fiscalização do Poder Público.

Outros passos dados nessa direção pela nova lei incluem a criação de crimes específicos para fraudes utilizando ativos virtuais, menção expressa desses ativos em outros tipos de delitos, além de regras para prevenção de lavagem de dinheiro utilizando ativos virtuais.


– Quem deve ser o regulador desse mercado e quais são os principais pontos que faltam ser regulados?

Guilherme Guidi e Eugênio Corassa: A princípio não há uma definição exata do ente responsável por ser o regulador desse mercado, mas a expectativa é de que o Banco Central assuma esse papel, visto que tem sido ativo nas discussões sobre o tema. Apesar disso, a regulação de ativos mobiliários relacionados a ativos digitais ainda deve permanecer como competência da CVM.

Vale mencionar também que o marco abre a possibilidade de que alguns tipos de criptoativos sejam excluídos dessa supervisão por decisão do ente regulador, especialmente quando não sejam formas de investimento ou representação virtual de valor, o que pode vir a afetar NFTs, ativos imobiliários e tokens utilitários em geral (utility tokens).


– Especialistas criticaram, no projeto aprovado, a ausência da segregação patrimonial. No que consiste a segregação patrimonial? Em sua opinião, ela seria importante?

Guilherme Guidi e Eugênio Corassa: A segregação patrimonial nada mais é que um mecanismo que estabelece uma definição clara entre quais recursos são da empresa e quais recursos são do investidor. Em suma, isso serve para impedir que os recursos de clientes se misturem entre si ou se misturem com os recursos da exchange, por exemplo, que aqui atua como intermediária na comercialização de criptoativos.

Em parte, foi um dos problemas operacionais que resultou no recente colapso de uma grande empresa do setor: sem a devida separação entre os ativos da empresa e os ativos de cada cliente, em uma situação de contingência a empresa pode acabar utilizando os ativos dos clientes como se fossem seus para pagar seus credores (como no caso de falência). No sistema bancário tradicional isso é geralmente gerido por regras rígidas e o consumidor é protegido pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC).

Como a existência da segregação patrimonial seria um requisito importante, seria possível cogitar a criação de tal requisito por iniciativa do Poder Executivo ou por regulamentação do futuro órgão supervisor.


– Qual é a sua avaliação sobre o marco legal dos criptoativos? Ele estabelece as condições necessárias para que esse mercado se desenvolva de forma segura no Brasil?

Guilherme Guidi e Eugênio Corassa: Em essência, o marco legal dos ativos virtuais, apesar de seu caráter sobretudo principiológico, é certamente um avanço na regulamentação do setor. A aprovação da nova lei no Congresso contou inclusive com o apoio de entidades que congregam agentes do setor de criptoativos, como a ABCripto, Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Zetta, Brasscom, ABFintechs e Abranet, demonstrando a maturidade desse mercado no Brasil.

Nesse alinhamento de posicionamentos nota-se um desejo por regras claras para o jogo, permitindo às empresas terem maior previsibilidade sobre os requisitos legais de sua atuação, estabelecendo padrões mínimos a serem seguidos e promovendo a concorrência saudável, além de proteger os investidores e consumidores. Em perspectiva, as empresas, os investidores, consumidores e mesmo reguladores querem separar o joio do trigo e, quem sabe, finalmente deixar para trás a má reputação que empresas escusas, golpistas e outros aproveitadores atraem para esse mercado.

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