Insegurança jurídica ainda inibe confiança de investidores no Brasil

Sistema tributário intrincado e falta de consistência em decisões são obstáculos para melhora do ambiente para negócios

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Mais um ano começa sem que o Brasil tenha conseguido ao menos mitigar complexidades regulatórias e tributárias que aumentam a insegurança jurídica para os investidores. Estima-se que no País tenham sido editadas 5,9 milhões de normas nas três esferas de governo desde a Constituição de 1988. Além disso, a posição brasileira quanto a mecanismos de resolução de disputas no ranking do Fórum Econômico Mundial é bastante desconfortável e ainda sem sinais claros de melhora.

Todo esse cenário reflete os desafios associados ao chamado custo Brasil, o preço — medido em perda de competitividade — que o País paga por não conseguir atrair tantos investimentos quanto poderia. Embora não tenha sido o único motivador da decisão da Ford de desativar as fábricas no Brasil, esse obstáculo foi um dos fatores determinantes para o movimento da montadora americana. Afinal, dizem os especialistas que ao País também falta consistência nas políticas de desenvolvimento industrial, que vão muito além dos simples subsídios. Mudanças de regras no meio do jogo e um intrincado sistema de tributação também entram na equação.

A seguir, Paulo Coimbra e Paula Chaves, sócios do Coimbra & Chaves Advogados, comentam outros aspectos da insegurança jurídica que prejudica os negócios no Brasil.


De maneira geral, quais são os principais problemas que provocam insegurança jurídica no Brasil?

Sob o ponto de vista tributário, são diversos os fatores que resultam na tão indesejada falta de segurança jurídica. Alguns estruturais, outros sistêmicos. Dentre os estruturais, destacamos a tributação sobre o consumo pelos estados e municípios, o que dificulta ou inviabiliza a necessária uniformidade e harmonia; o excesso de tributos, sobretudo concentrados nas mãos da União (ente mais distante da sociedade civil e das demandas dos cidadãos e empresas contribuintes); excesso de obrigações acessórias, que oneram, sem peias e cerimônias, as empresas com atividades arrecadatórias (ou para a viabilizarem) em qualquer reconhecimento e sob a ameaça de multas escorchantes.

Destacamos como causas sistêmicas a instabilidade da legislação tributária, com alterações excessivas e muito frequentes; eternas controvérsias em torno do planejamento tributário e das liberdades a ele inerentes; a falta de coerência nas decisões dos tribunais superiores em matéria tributária: o STF despreza a jurisprudência consolidada do STJ (favorável ao contribuinte) sem modular os efeitos de sua decisão; o STF não respeita sua própria jurisprudência, decidindo de forma casuística e sem a necessária e desejável previsibilidade, além de aplicar modulação, no mais das vezes, para proteger o erário e não a cidadania; excesso de ativismo judicial, com decisões extra e até contra legem.

Infelizmente, são vários os problemas que provocam ou agravam a insegurança jurídica no Brasil. Dentre os mais proeminentes, é possível citar a burocracia envolvida nas interações com órgãos e serviços públicos, aliada ao gigantismo e à ineficiência administrativa do Estado brasileiro; a influência política nos órgãos e agências reguladoras; o desequilíbrio fiscal crônico; o excesso de demandas represadas no Poder Judiciário, que inviabiliza a rápida solução de conflitos; e a imprevisibilidade e a falta de clareza de normas reguladoras, que dificultam o acompanhamento e a adequação às regras que regulam os diversos setores da economia.


Na sua opinião, há chances de pelo menos parte dessas questões ser endereçada em médio prazo?

Há, sim, possibilidade de se mitigar esses problemas no médio prazo. As reformas administrativa e tributária, por exemplo, tanto faladas e ainda não colocadas em prática, são essenciais para aprimorar a confiança dos investidores e fazer com que o Brasil emerja como um ambiente seguro e estável. Em qualquer situação, cabe ao Estado, como fonte primária das normas, elaborar leis com responsabilidade, interpretando-as adequadamente, colocando-as em prática com transparência e fiscalizando-as com eficiência.


Haveria medidas de mais curto prazo que ajudariam a melhorar a segurança jurídica para o mercado de capitais, em particular?

Com relação ao mercado de capitais, cabe ao Poder Executivo e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a edição de normas claras e que garantam segurança aos investidores, previsibilidade às negociações e proteção aos acionistas minoritários. E isso é ainda mais relevante no atual contexto de redução da taxa de juros e de aumento do acesso do público ao mercado de valores mobiliários.


Qual o papel do Judiciário nesse contexto? Ele mais ajuda ou atrapalha os negócios?

Apesar de sua função primordial de garantir a estabilidade da ordem jurídica, o Poder Judiciário, em meio a julgamentos desiguais, mudanças bruscas de entendimentos, decisões monocráticas emitidas sem a devida fundamentação e cautela e a crescente influência na atividade legislativa, tem colaborado para o agravamento da insegurança jurídica e para a desconfiança dos investidores no País.

Somam-se a essas questões a morosidade e o excesso de processos pendentes de apreciação. Na prática, não é um exagero dizer que o Poder Judiciário tem mais atrapalhado do que contribuído para a melhora do ambiente econômico nacional.

 

 

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