Incidência de IR sobre incorporação de ações gera embate

Receita Federal entende que cobrança é justificada, mas Justiça Federal discorda

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Sob a ótica tributária, transferências voluntárias de propriedade devem ser tratadas como alienação e, portanto, estão sujeitas à tributação. Porém, nas operações de incorporação de ações, é comum que os acionistas não recolham imposto de renda (IR). Eles consideram que esse tipo de transação apenas altera o bem que eles detinham e não resulta em qualquer ganho patrimonial imediato. O fisco discorda dessa visão e, ao longo dos anos, tem autuado contribuintes que deixem de pagar imposto nessas situações. No Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a jurisprudência mostra que o órgão tem dado razão à Receita Federal. 

Contrariados, muitos acionistas vêm recorrendo à justiça — e a novidade é que eles têm saído vitoriosos, conforme evidencia reportagem publicada no jornal Valor Econômico. “Recentemente, chamaram a atenção novas decisões, proferidas pela Justiça Federal de São Paulo, em que houve sentença favorável ao contribuinte pessoa jurídica (Itaú Unibanco) e de pessoas físicas. A formação desse posicionamento merece acompanhamento de perto, uma vez que ainda não é possível prever se o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), responsável por julgar os recursos de São Paulo, irá manter esse direcionamento”, afirma Júlia Barreto, associada do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados. 

Para ela, a grande discussão envolvendo a incorporação de ações não é se houve ou não alienação (já que esta é definida pelo Código Civil como toda forma voluntária de transferência da propriedade, seja a título oneroso ou gratuito), mas sim se existe, nessas transações, o fato gerador da renda, ou seja, o acréscimo patrimonial. Sobre esse aspecto, ela considera que a argumentação da Receita pode ser frágil, já que o contribuinte pode não ter obtido ganho de capital com a incorporação. A seguir, a advogada aborda outros aspectos importantes sobre o assunto.  


Como ocorrem as operações de incorporações de ações? No que elas diferem das incorporações de empresas e alienações de ações?

Júlia Barreto: As operações de incorporação de ações são caracterizadas pela “incorporação de todas as ações do capital social ao patrimônio de outra companhia”, nos termos do artigo 252 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei das S.As). Em termos práticos, significa dizer há aumento do capital social de uma sociedade (incorporadora) com as ações da outra sociedade (incorporada). Assim, esta última (incorporada) passa a ser 100% detida por outra (incorporadora). 

Esse instituto difere da incorporação de empresas pela ausência de confusão patrimonial em razão da extinção da incorporada. Na incorporação de empresas, a sociedade incorporada deixa de existir, enquanto a incorporadora passa a deter todo o patrimônio (ativos e passivos) detidos anteriormente pela incorporada. A partir da incorporação, os patrimônios de incorporadora e incorporada se confundem.

A alienação de ações (compra e venda) difere da incorporação de ações porque nesta há o pressuposto indispensável de que a incorporada seja subsidiária integral da incorporadora. Na compra e venda, as ações podem ser negociadas em qualquer proporção entre o adquirente e o alienante, não há necessidade de que uma sociedade seja 100% detida pela outra.


À luz do direito societário, a tese da Receita Federal de que há alienação de ações nas operações de incorporação se sustenta?

Júlia Barreto: Correndo o risco de pecar pelo excesso e pelo legalismo, entendo que resposta deve ser elaborada com base no artigo 110 do Código Tributário Nacional (CTN) e o conceito de alienação do Direito Civil.

Para o Direito Civil, alienação é toda forma voluntária de transferência da propriedade, seja a título oneroso ou gratuito. Já o artigo 110 do CTN determina que a lei tributária não poderá alterar “definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado”. Ou seja, sob a ótica tributária, toda transferência voluntária de propriedade deve ser tratada como uma alienação, o que sustenta parcialmente a tese da Receita Federal ao incluir a incorporação de ações no campo das operações sujeitas ao ganho de capital.

Contudo, uma operação estar sujeita ao ganho de capital não a coloca, obrigatoriamente, como tributável. A meu ver, a grande discussão envolvendo a incorporação de ações não é exatamente se estamos (ou não) falando de uma alienação, mas sim se o fato gerador da renda, que é o acréscimo patrimonial, se materializou com essa operação.

Concluindo, da mesma forma que a norma tributária não pode alterar o conceito de Direito Civil, o fato gerador do tributo deve ser respeitado com base na norma tributária. O contribuinte não aufere renda em toda alienação, portanto, a meu ver, a tese da Receita Federal é frágil ao tentar imputar valor às ações recebidas da incorporadora como diferente das ações incorporadas, uma vez que o contribuinte poderá não ter tido qualquer ganho, mantendo-se o custo das ações recebidas.


Quão comum é a cobrança de imposto nesse tipo de operação societária?

Júlia Barreto: Comumente, os contribuintes, especialmente pessoas físicas, optam por não recolher Imposto de Renda (IR) na operação de incorporação de ações. Isso porque a incorporação de ações apenas altera o bem detido pelo contribuinte. Ou seja, o acionista que detinha ações da incorporada, após a operação, passa a deter ações da incorporadora.

Sob a ótica dos contribuintes, essa operação não resulta em qualquer ganho patrimonial de imediato, uma vez que o acionista continua tendo o mesmo valor de bens, porém de uma nova sociedade. Portanto, ante a ausência de aumento patrimonial, não há tributação sobre a renda.

Em sentido oposto, o posicionamento da Receita Federal é de que a incorporação de ações é uma operação sujeita à apuração do ganho de capital. Sob essa ótica, a diferença entre o valor (econômico) das ações recebidas e o valor das ações “antigas” (da incorporada) é a base de cálculo do IR. Portanto, as autuações sobre o tema são comuns no âmbito da Receita Federal.


O que diz a jurisprudência sobre o assunto?

Júlia Barreto: A jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) valida o posicionamento da Receita Federal. Em decisões dos últimos anos, o Carf proferiu diversas decisões reconhecendo o ganho de capital na incorporação de ações.

Destaco, inclusive, o acórdão 9202-008.371, de sessão de julgamento de novembro de 2019, em que ficou consignado que a incorporação de ações é uma forma de alienação e que o valor das ações recebidas na incorporação deve ser mensurado a valor de mercado para apurar o ganho de capital.

Já no Judiciário, ainda não há muitos precedentes sobre o assunto. No final de 2015, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) havia julgado um caso sobre incorporação de ações de contribuinte pessoa física, em que afastou a tributação nos seguintes termos: “a mais valia decorrente da avaliação das ações dadas em substituição, determinada pelo art. 252 e §§ da Lei das Sociedades Anônimas, não está sujeita à incidência do Imposto de Renda da Pessoa Física, mormente se a pessoa física manteve em sua declaração de bens o valor de custo das ações”. Essa discussão foi objeto de recurso ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) – REsp 1.600.295/PR, em que, posteriormente, a Fazenda Nacional desistiu do Recurso Especial, mantendo-se a decisão do TRF-4.

Recentemente, chamaram a atenção novas decisões, proferidas pela Justiça Federal de São Paulo, em que houve sentença favorável ao contribuinte pessoa jurídica (Itaú Unibanco) e de pessoas físicas. A formação desse posicionamento merece acompanhamento de perto, uma vez que ainda não é possível prever se o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), responsável por julgar os recursos de São Paulo, irá manter esse direcionamento.

2 Comentários
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