Importação de softwares recebe carga extra de impostos

Expectativa é que contribuições passem a incidir sobre produtos de prateleira

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A carga tributária das empresas que comercializam softwares aumentou fortemente desde que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que essa atividade é uma prestação de serviço e que, portanto, deve ser tributada pelo imposto sobre serviços (ISS) e não pelo imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS). Mas essa elevação da carga não é o único impacto no bolso do contribuinte: como decorrência do novo entendimento, espera-se que ele passe a pagar também Pis-Importação e Cofins-Importação sobre as importações de todos os tipos de softwares, e não apenas sobre aqueles considerados de prateleira.

“Entendemos que a importação dos softwares será vista como importação de serviços, passando a ser onerada por Pis-Importação e Cofins-Importação”, avaliam as advogadas Júlia Barreto e Sarah Partika, associadas do Freitas Ferraz Advogados.

Embora destaquem que a Receita Federal do Brasil (RFB) ainda não tenha se posicionado sobre o tema, elas consideram que os contribuintes deveriam passar a provisionar os valores de Pis-Importação e Cofins-Importação sobre as importações de softwares de prateleira: “Conservadoramente, dado o posicionamento da Solução de Consulta – Cosit nº 36/2023, recomendamos que o Pis-Importação e o Cofins-Importação passem a ser recolhidos nessas operações, mesmo antes do posicionamento da RFB, uma vez que a importação de serviços já está prevista no fato gerador dessas contribuições”.

Rafael Amorim e Caio Persici, sócio e associado do Vieira Rezende Advogados, também consideram provável que haja impacto para essas contribuições. Eles explicam que a Receita Federal entendia até então que empresas que distribuíssem no Brasil softwares desenvolvidos por empresas estrangeiras e realizassem remessas para o exterior para pagar exploração dos direitos de autor relativos a esses softwares poderiam classificá-las como royalties – que não se sujeitam ao PIS/Cofins-Importação. “No entanto, com o novo entendimento surgido a partir da SC nº 36/2023, é possível que as autoridades fiscais passem a caracterizar essas remessas como uma importação de serviços, o que atrairia a tributação destas contribuições”, avaliam. Amorim e Persici indicam uma análise caso a caso para que o contribuinte verifique se há ou não a necessidade de alteração em suas práticas.

A questão envolvendo a natureza dos softwares – se eles são serviço ou mercadoria – foi resolvida em 2021, quando o STF definiu que todos os softwares devem ser tributados pelo ISS. Antes, havia uma distinção entre os chamados softwares de prateleira, padronizados, e os softwares desenvolvidos especialmente para determinado cliente, que ficaram conhecidos como softwares por encomenda. Os primeiros eram considerados como mercadorias – e, portanto, sobre eles incidia o ICMS. Já os segundos eram tidos como uma prestação de serviço, sobre a qual incidia o ISS. Recentemente, a Receita Federal publicou a Solução de Consulta Cosit 36/23, alinhando o seu entendimento ao da suprema corte. Com a mudança, os percentuais aplicáveis de IRPJ e CSLL pra as empresas optantes do lucro presumido subiu de 20% para 32%.

Barreto e Partika explicam que, quanto ao Pis-Importação e à Cofins-Importação, a grande mudança ocasionada pelo STF e pela Solução de Consulta Cosit 36/23 é com relação aos softwares de prateleira, pois os por encomenda já pagavam esses tributos. Com relação aos de prateleira, a Receita entendia que não haveria incidência dessas contribuições porque não havia entrada física do bem no país, já que a transferência seria por download. “Contudo, com o novo entendimento do STF e da RFB, independentemente do tipo de software, trata-se de prestação de serviços”, consideram.

Na entrevista abaixo, Barreto, Partika, Amorim e Persici explicam como a questão surgiu e por que consideram necessário avaliar a questão do Pis-Importação e Cofins-Importação.


Como se originou a questão da tributação de software, discutida pelo STF e agora normatizada pela Receita Federal (Solução de Consulta Cosit 36/23)?

Júlia Barreto e Sarah Partika: A discussão sobre a tributação da venda de softwares é antiga. Em 1998, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Recurso Extraordinário (RE) nº 176.426 acerca da incidência do imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS) ou do imposto sobre serviços (ISS) nas operações com softwares.

Nesse julgamento, ficou definida a distinção entre a natureza dos softwares de prateleira e dos softwares por encomenda. O software de prateleira atrairia o tratamento tributário de mercadoria (fazendo jus ao recolhimento de ICMS), enquanto o software por encomenda se assemelha à prestação de serviços (resultando na exigência de ISS).

Todavia, essa distinção feita pelo STF entre softwares de prateleira e softwares por encomenda não encerrou o debate entre a cobrança de ICMS pelos Estados e de ISS pelos municípios. Por isso, no final de 2020, foram julgadas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) de nº 5.659/MG e 1.945/MT, em que se questionava a constitucionalidade de legislação estadual exigindo o ICMS sobre softwares.

Na oportunidade, o STF definiu pela inconstitucionalidade dos dispositivos da legislação estadual que exigia o ICMS dos contribuintes e firmou entendimento que as premissas anteriormente utilizadas (software de prateleira e software por encomenda) não seriam mais suficientes para definir a natureza jurídica da operação, sendo que ambos os casos (prateleira e encomenda) se configurariam como prestação de serviços, portanto, sujeitos ao ISS.

Em razão da mudança de entendimento do STF, a Receita Federal do Brasil (RFB) publicou a Solução de Consulta – Cosit n° 36/2023. A decisão da RFB se alinhou ao entendimento do Tribunal para definir que as operações com qualquer tipo de software (de prateleira ou por encomenda) serão tributadas como prestação de serviço. Portanto, estarão sujeitas ao percentual de presunção de 32% para a base de cálculo do imposto de renda (IRPJ) e da contribuição social sobre lucro líquido (CSLL) no lucro presumido.

Rafael Amorim e Caio Persici: A discussão sobre a tributação dos softwares é antiga no cenário brasileiro e vem desde 1998, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Recurso Extraordinário nº 176.426, no qual se discutia a incidência do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) ou do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) sobre licenciamento ou cessão de direito de uso de programa de computador.

Naquela oportunidade, o STF optou por classificar os softwares em três categorias para fins de tributação: a) software de prateleira, entendido como aquele que fosse padronizado, produzido em larga escala e disponibilizado de forma indiscriminada para qualquer usuário (sobre o qual recaia o ICMS); b) software por encomenda, entendido como aquele em que o autor do software cria o programa do zero, a partir das diretrizes determinadas pelo contratante (sobre o qual recaia o ISS) e; c) software customizado, entendido como um híbrido das duas categorias anteriores. Possui um padrão, mas pode ser atualizado, otimizado e adaptado à necessidade do contratante (também sujeito ao ISS).

As relações econômicas mudaram ao redor do mundo, gerando novas implicações para as operações com software, levando o Supremo a analisar o tema novamente. Por isso, quando da conclusão do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1.945 e da ADI nº 5.659, em 2021, a corte decidiu que o fornecimento de programas de computador, tanto por encomenda/customizado quanto o padronizado, está enquadrado no subitem 1.05 do Anexo da Lei Complementar n° 116/2003 e, portanto, sujeito à tributação pelo ISS.

Nesse contexto, surge a Solução de Consulta Cosit 36/23, que versa justamente sobre o reflexo desse entendimento (restrito até então à incidência do ICMS e do ISS) na tributação incidente sobre a renda, enquadrando a atividade de licenciamento de software como serviço para fins de imposição do IRPJ e da CSLL.


Quais são os principais pontos da Solução de Consulta Cosit 36/23? Quais empresas serão afetadas e de que forma?

Júlia Barreto e Sarah Partika: Como adiantado, o atual entendimento do STF também altera a tributação federal. Para optantes pelo lucro presumido, como é o caso do contribuinte que elaborou a consulta tributária, os efeitos são diretos.

De maneira simplificada, o regime de tributação do lucro presumido consiste em utilizar percentual de presunção sobre o faturamento da sociedade. O percentual de presunção será impactado pelo tipo de atividade exercida: em regra, a venda de mercadorias está sujeita aos percentuais de presunção de 8 e 12% para o IRPJ e para a CSLL, respectivamente, enquanto a prestação de serviços está sujeita ao percentual de presunção de 32% para o IRPJ e para a CSLL.  Sobre essa base presumida, aplicam-se as alíquotas de IRPJ e CSLL.

Nesse caso, as licenciadoras de softwares considerados de prateleira serão as mais afetadas. As operações de venda desses programas de computador serão tributadas como serviços e não como venda de mercadorias. Assim, a alteração no entendimento – formalizado na Solução de Consulta em análise – acarreta a aplicação de 32% de presunção para fins de IRPJ e CSLL, aumentando a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, consequentemente, onerando a carga tributária da operação.

Em resumo, antes da alteração de entendimento, a cada 100,00 reais de faturamento, apenas 8,00 reais seriam levados à tributação por IRPJ e 12,00 reais por CSLL. Agora, serão levados à tributação 32,00 reais para fins de IRPJ e CSLL (aumento da base de cálculo dos tributos, devidamente amparado pelo STF e pela RFB).

Rafael Amorim e Caio Persici: O principal ponto abordado pela Solução de Consulta é a determinação de aplicação do percentual de presunção de 32% para a definição das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL no regime do lucro presumido. A alteração é relevante, uma vez que representa incremento substancial nos percentuais até então aplicados para empresas nesse regime, de 8% (IRPJ) e 12% (CSLL) até então alocáveis ao comércio de mercadorias. Portanto, empresas que geram receitas com o licenciamento de programas de computador, especialmente aquelas que comercializavam os chamados softwares de “prateleira”, passam a ter uma tributação mais pesada.


A nova norma deve ter impactos com relação à tributação do Pis/Cofins-importação, que incidem sobre a importação de serviços? Esses tributos podem passar a incidir também, agora que softwares são considerados serviços? Recomenda-se algum tipo de provisionamento por parte dos contribuintes? 

Júlia Barreto e Sarah Partika: Em linhas gerais, as contribuições do Pis-Importação e Cofins-Importação são devidas nas operações de importação de bens e de serviços. Nessa linha, o software por encomenda, entendido como serviço, já contava com a cobrança dessas contribuições.

A grande diferença que se encara com a mudança do posicionamento do STF e, consequentemente, da Receita Federal é quanto aos softwares de prateleira. Até então, a RFB entendia que não haveria incidência dessas contribuições em razão da ausência de entrada física de um bem, ou seja, apesar do software de prateleira ser equiparado a mercadorias, não existiria a importação de uma mercadoria para todos os fins (já que a transferência seria por download), com desembaraço aduaneiro e outros procedimentos correlatos. Portanto, não haveria cobrança de Pis-Importação e Cofins-Importação, ante a ausência de “suporte físico” da operação. Esse era o posicionamento da RFB nas Soluções de Consulta n° 303/17, nº 149/13 e nº 127/12.

Contudo, com o novo entendimento do STF e da RFB, independentemente do tipo de software, trata-se de prestação de serviços. Portanto, entendemos que a importação dos softwares será vista como importação de serviços, passando a ser onerada por Pis-Importação e Cofins-Importação.

Destaca-se que ainda não houve posicionamento específico da Receita sobre esse tema, contudo, visando resguardar os contribuintes do impacto que essa alteração de entendimento possa causar, sugere-se o provisionamento dos valores de Pis-Importação e Cofins-Importação sobre as importações de softwares de prateleira. Conservadoramente, dado o posicionamento da Solução de Consulta – Cosit nº 36/2023, recomendamos que o Pis-Importação e o Cofins-Importação passem a ser recolhidos nessas operações, mesmo antes do posicionamento da RFB, uma vez que a importação de serviços já está prevista no fato gerador dessas contribuições.

Rafael Amorim e Caio Persici: Provavelmente veremos impactos para essas contribuições. Isso porque a RFB entendia até então (Solução de Divergência n° 2, de 7 de março de 2019) que empresas brasileiras que distribuíssem no Brasil softwares desenvolvidos por empresas estrangeiras e realizassem remessas para o exterior a título de pagamentos pela exploração dos direitos de autor relativos a esses softwares poderiam classificar as remessas como pagamento de royalties e, portanto, não sujeitar os valores à tributação pelo PIS/Cofins-Importação.

No entanto, com o novo entendimento surgido a partir da SC nº 36/2023, é possível que as autoridades fiscais passem a caracterizar essas remessas como uma importação de serviços, o que atrairia a tributação destas contribuições.

Como se trata de questão recente, entendemos que, a princípio, o mais indicado é que os contribuintes realizem uma análise caso a caso para verificar se há ou não a necessidade de alteração em suas práticas.


O fato de o licenciamento de software ser caracterizado como um serviço pode caracterizá-lo como um insumo, gerando créditos de Pis e Cofins?

Júlia Barreto e Sarah Partika: A princípio, entendemos que é possível. Como o posicionamento do STF alterou o entendimento quanto à natureza jurídica dos softwares, entendemos que esses serviços – caso cumpram os requisitos de essencialidade e relevância – serão caracterizados como insumos da atividade.

Isso porque o artigo 3º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, ao tratar da tomada de créditos no sistema não cumulativo, é claro ao incluir “bens e serviços, utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda”. Assim, se o software estiver vinculado à prestação de serviços ou na produção/fabricação de bens, deverá ser considerado como insumo e passível de crédito das Contribuições ao Pis e a Cofins.

Rafael Amorim e Caio Persici: Sendo caracterizado como serviço, o licenciamento de software poderia ser considerado como insumo para fins de PIS/Cofins, desde que preenchidos os requisitos da essencialidade e relevância para a atividade empresarial, atuais balizas para o creditamento dessas contribuições.

Assim, não se trata de uma autorização automática de creditamento irrestrito para os contribuintes. Mas, sem dúvida, abre-se a possibilidade.

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