Acesso de stock options por funcionários demitidos gera controvérsia

Decisões do TST garantem indenização a colaboradores que foram impedidos de exercer benefício após demissão sem justa causa

2

Os planos de opções de ações (stock options) são importantes ferramentas de atração e retenção de talentos para as empresas, mas costumam gerar polêmicas tributárias e trabalhistas. Quando se trata de pagar impostos, a principal questão é se esse plano tem natureza mercantil ou não. Já na seara trabalhista, uma das questões que geram diferentes entendimentos diz respeito ao que ocorre com os funcionários demitidos sem justa causa durante o período de carência: eles têm direito ou não a adquirir as a ações? “Praticamente todos os questionamentos jurídicos em torno dos planos de stock option são decorrentes, ou vinculados, à natureza jurídica do instrumento: se tem natureza de verba salarial ou mercantil”, destaca Julio Wehrs Fleichman, sócio do Fleichman Advogados.

Para muitas empresas, a resposta ao questionamento sobre o direito de aquisição é não. Para os funcionários, sim. Entendimento igual ao dos funcionários vem tendo o Tribunal Superior do Trabalho (TST) em ações julgadas sobre o assunto. Conforme noticiou o Valor Econômico, dados da plataforma Data Lawyer mostram que há 820 processos discutindo o período de carência e as stock options — eles representariam cerca de 500 milhões de reais. 

O período de carência é aquele em que o funcionário tem de trabalhar na empresa para que as suas opções “maturem”, ou seja, após o qual ele pode adquirir as ações, geralmente com desconto ou algum tipo de benefício. Em recente decisão, ainda segundo a reportagem, o entendimento do TST foi o de que a empresa teria impedido, com a demissão sem justa causa, que o funcionário cumprisse as condições de carência para adquirir as ações. 

“Para evitar riscos e considerando o fato de ser mais benéfico à empresa enquadrar o plano de stock option como um pacto de natureza empresarial, é mais seguro que cláusulas desse tipo sejam muito bem elaboradas, prevendo cenários específicos e ponderados, com algum tipo de contrapartida para o colaborador na hipótese de demissão sem justa causa”, afirma.

Dadas as controvérsias sobre o assunto, vai na mesma linha a recomendação das advogadas Érika Aguiar Carvalho Fleck e Luciana Gonzalez, respectivamente sócia e parceira do Carneiro de Oliveira Advogados: “É recomendável que o contrato de stock option preveja as consequências para as opções em aberto, exercíveis ou não, em caso de término do contrato com o beneficiário, seja em razão de pedido de demissão pelo empregado ou demissão sem justa causa ou não pela empresa”.

A seguir, Fleichman, Fleck e Gonzalez tratam de mais pontos relativos à questão das opções de ações concedidas a empregados.


Quais são os principais questionamentos jurídicos a respeito dos planos de stock option?

Julio Wehrs Fleichman: Praticamente todos os questionamentos jurídicos em torno dos planos de stock option são decorrentes, ou vinculados, à natureza jurídica do instrumento: se tem natureza de verba salarial ou mercantil.

Não há previsão legal específica para o tratamento dos planos de stock option nas esferas trabalhista e tributária. Por esse motivo, o TST e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) filiaram-se a normas gerais para estabelecer parâmetros para avaliar o enquadramento do benefício. Os entendimentos do TST e do Carf têm variado em alguns pontos sobre o tema, mas convergem no sentido de que é preciso analisar, em cada caso, se há elementos que conferem ao plano de stock option natureza de investimento ou de remuneração vinculada ao contrato de trabalho.

Nessa avaliação, muitos critérios são observados, sendo o mais comum verificar se, para o empregado, o plano tem características de onerosidade, voluntariedade e risco. A onerosidade está presente quando há exigência de pagamento por parte do empregado para a aquisição da participação societária no momento do exercício da opção. A voluntariedade corresponde à possibilidade de o empregado decidir se adere ou não ao plano e se exerce ou não a opção de compra da participação societária quando as condições que permitirem o exercício estiverem presentes. O risco, por sua vez, se caracteriza pela possibilidade de desvalorização das participações societárias adquiridas e na ausência de garantias quanto ao retorno do investimento.

Após a definição da natureza jurídica, vêm as consequências: sendo mercantil, a liberdade contratual é maior, havendo uma tendência de respeito ao que tiver sido pactuado pelas partes. Além disso, eventual tributação seria a decorrente de ganho de capital (imposto de renda, entre 15% e 22,5%) e isentaria do recolhimento de contribuições previdenciárias.

Por outro lado, firmado o entendimento de que se trata de remuneração salarial, há necessidade de recolhimento de IRPF (até 27,5%) e contribuições previdenciárias (FGTS e INSS). Além disso, no âmbito do Judiciário trabalhista, a tendência é de relativização das regras previstas no plano e instrumentos contratuais relacionados, sempre em favorecimento do empregado.

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Luciana Gonzalez: Os planos de opções de compra de ações ou stock option plans são instrumentos pelos quais uma empresa outorga o direito a seus administradores, empregados e/ou prestadores de serviço para a compra de ações de sua emissão, ou de emissão de suas controladas, após o término de um período de carência (vesting period) e por um preço de exercício calculado conforme critérios fixados na outorga. 

Um dos principais questionamentos jurídicos relacionados aos planos de stock option diz respeito a sua natureza jurídica. Não há definição na legislação aplicável se a natureza jurídica dos planos de stock option seria mercantil ou remuneratória para fins trabalhistas, previdenciários e fiscais. Também não há previsão legal sobre a base de cálculo e o momento da tributação, em caso de enquadramento do stock option como remuneração.

Outra controvérsia relevante diz respeito à validade das cláusulas que excluem a possibilidade de compra de ações por beneficiários demitidos sem justa causa durante o período de carência.


Nos seus planos de stock option, as empresas têm liberdade para estipular que funcionários que participavam dos planos, e que foram demitidos sem justa causa, não recebam as ações?

Julio Wehrs Fleichman: O TST já decidiu sobre o tema de modos diferentes. Em alguns casos entendeu que é válida a previsão de que a demissão sem justa causa pode impedir o recebimento das ações porque o empregador tem direito previsto legalmente de demitir empregados sem justa causa. Mas, em casos recentes, entendeu que essa disposição é abusiva ou ilegal, pois sujeita o empregado ao arbítrio do empregador.

A simples inserção da cláusula nos parece lícita. A aplicação é que não pode ser abusiva. Por exemplo: não é razoável que um colaborador que tenha aderido a um plano e cumprido com todas as condições nele previstas seja demitido sem justa causa dias antes de atingir o prazo de carência que permitiria o exercício da opção, sendo, com esse fato, subtraído o seu direito ao exercício. Por outro lado, um colaborador que não tenha atingido outras condições previstas no plano ou que ainda não tenha cumprido parte relevante do prazo de carência estipulado não deveria fazer jus ao benefício simplesmente por ter sido demitido.  

Para evitar riscos e considerando o fato de ser mais benéfico à empresa enquadrar o plano de stock option como um pacto de natureza empresarial, é mais seguro que cláusulas desse tipo sejam muito bem elaboradas, prevendo cenários específicos e ponderados, com algum tipo de contrapartida para o colaborador na hipótese de demissão sem justa causa.

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Luciana Gonzalez: É recomendável que o contrato de stock option preveja as consequências para as opções em aberto, exercíveis ou não, em caso de término do contrato com o beneficiário, seja em razão de pedido de demissão pelo empregado ou demissão sem justa causa ou não pela empresa.

Com relação à validade das cláusulas que impedem o recebimento de ações no caso de demissão sem justa causa durante o período de carência, o entendimento majoritário do TST tem sido no sentido de que estas seriam nulas. O principal argumento é que este tipo de cláusula, ao permitir que a empresa encerre imotivadamente o contrato de trabalho e, por consequência, obste a aquisição das ações, seria condição unilateral e meramente potestativa, vedada pelo artigo 122 do Código Civil. Além disso, o TST tem entendido que “mesmo que o período de carência seja uma condição lícita, seu implemento teria sido obstado, maliciosamente, pela outra parte, com intuito de frustrar a aquisição das ações conforme prevê o artigo 129 do Código Civil”.

Por outro lado, partindo da premissa de que a legislação trabalhista admite, como regra, a possibilidade de dispensa sem justa causa a qualquer tempo, e que os planos, como regra geral, são aplicados a empregados hiper suficientes (nos termos do artigo 444, parágrafo único da CLT), que podem dispor ou negociar algumas condições de seu contrato de trabalho e aderir livremente ao plano, haveria argumentos para defender que as partes do contrato de stock option seriam livres para contratar os termos e as condições aplicáveis, sendo, portanto, válida a cláusula que estabelece que, em caso de demissão sem justa causa durante o período de carência, as opções não-exercíveis em aberto são automaticamente canceladas.


Ao participar de um plano de stock option e cumprir os requisitos estipulados pela empresa (como a carência), o funcionário tem um direito ou uma expectativa de direito?

Julio Wehrs Fleichman: Se o funcionário cumprir todos os requisitos do plano para adquirir as opções, a opção é incorporada ao seu patrimônio como um direito dele. Nesse caso, estaríamos efetivamente diante de um direito de compra de participação societária e não de mera expectativa de direito. E a empresa está obrigada a cumprir com a sua parte no plano efetuando a transferência da participação societária ao empregado caso este manifeste interesse nesse sentido e efetue o pagamento do preço de exercício.

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Luciana Gonzalez: Por ser um direito condicionado, entendemos que a opção de compra de ações não é um direito adquirido, mas uma expectativa de direito. Assim, o efetivo direito somente se concretizaria quando cumpridos todos os requisitos aplicáveis.


O entendimento do TST a respeito dos planos de stock option está consolidado?

Julio Wehrs Fleichman: A jurisprudência do TST vem demonstrando uma tendência para reconhecer o caráter mercantil, de investimento, dos planos de stock option, afastando o entendimento de que têm natureza salarial. No entanto, há ainda muita insegurança no assunto e decisões antagônicas ainda são comuns.

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Luciana Gonzalez: Com relação à natureza jurídica, o entendimento majoritário da Justiça do Trabalho é de que, observados determinados critérios, esse tipo de incentivo tem caráter mercantil, uma vez que a vantagem percebida está desvinculada da força de trabalho disponibilizada e se insere no poder deliberativo do empregado, já que se sujeita à sua valorização ou depreciação no mercado financeiro. Trata-se de uma situação aleatória, que nada tem a ver com o empregador em si.

No que diz respeito à validade das cláusulas que excluem a possibilidade de compra de ações por beneficiários demitidos sem justa causa, durante o período de carência, diversas decisões do TST entendem que estas seriam nulas. No entanto, até o momento não há súmula ou recurso repetitivo julgado sobre o tema.

2 Comentários
  1. ricardo moreno Diz

    muito legal esse site parabéns pelo conteúdo. Your content is
    very good. i like so much all about it

  2. amanda Diz

    gostei muito do site parabéns 🙂

Deixe uma resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.