É positivo o saldo das primeiras AGOs virtuais no Brasil

Diante da permissão dada pela CVM, companhias experimentaram variadas combinações de encontros

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No último dia 28 de julho terminou o prazo estendido, por determinação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para as empresas realizarem suas assembleias gerais ordinárias (AGOs) relativas ao exercício de 2019. Originalmente, os encontros deveriam ocorrer no máximo até o dia 30 de abril, mas por causa do distanciamento social imposto pela pandemia de covid-19, o regulador afrouxou a norma. Além disso, a CVM passou a permitir que as AGOs fossem feitas de forma até 100% digital, para viabilizar a participação dos acionistas sem a necessidade de encontros presenciais.

Encerrada a fase das AGOs, já é possível fazer uma avaliação inicial da experiência — que, mesmo depois de vencida a crise da pandemia, tem tudo para deixar suas marcas para as companhias abertas brasileiras. Em geral as experiências foram bastante positivas, o que afasta por ora a possibilidade de judicialização de eventuais problemas.

A seguir, Romeu Amaral, sócio fundador do Amaral Lewandowski Advogados, e a advogada Gabriela Ponte Machado abordam os principais pontos dessa experiência pioneira ensejada pela pandemia.


Terminou na sexta-feira 28 de julho o prazo estendido para a realização de AGOs, e com a novidade da permissão para encontros 100% digitais. Qual a sua impressão sobre essa primeira experiência?

A experiência tratada no presente caso refere-se à necessidade de as sociedades anônimas, limitadas e demais tipos societários realizarem as assembleias ou reuniões ordinárias (AGOs) referentes ao exercício social de 2019 em consonância com as recomendações e restrições sociais decorrentes da pandemia de covid-19.

Nesse sentido, a Medida Provisória 931/20, convertida recentemente na Lei 14.030/20, prorrogou o prazo de realização das AGOs para até sete meses contados do último exercício social, bem como permitiu a realização das AGOs em ambiente virtual.

Sendo assim, vale dizer que as impressões dessa primeira experiência virtual são majoritariamente positivas. Isso porque, além de os acionistas/sócios conseguirem cumprir de forma regular com as obrigações sociais — lembrando que a modalidade virtual representa praticidade —, as medidas aprovadas pela Lei 14.030/20 também respeitam o contexto da pandemia, contribuindo para a não disseminação da covid-19 e para a proteção dos acionistas/sócios e demais participantes das AGOs.

A regulamentação das assembleias totalmente digitais ocorreu a partir da edição da Medida Provisória 931, devidamente regulamentada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio da edição da Instrução 622, que alterou dispositivos da Instrução 481.

Conforme levantamento feito pelo diretor da CVM Gustavo Gonzalez, dentre as companhias abertas integrantes do Ibovespa, 28 companhias realizaram seus conclaves após o prazo regular de 30 de abril de 2020, conforme autorizado pela MP 931. Desse total, 82% fizeram as assembleias de forma parcial ou integralmente digital.

Dessa forma, as assembleias digitais foram muito bem incorporadas pelas companhias abertas mais relevantes do mercado — particularmente, por aquelas que utilizaram esse período adicional para fazer o certame. As impressões por parte das companhias e dos acionistas foram positivas. Os acionistas não enfrentaram dificuldades para identificação, acessaram as plataformas com as tecnologias adotadas pelas companhias e tiveram seus custos reduzidos, já que não precisaram se deslocar.


O que mais deu certo nas novas assembleias virtuais e que pode ser incorporado permanentemente às práticas das empresas?

A realização da assembleia em ambiente virtual, além de propiciar maior praticidade e se apresentar como uma alternativa segura a todos, permite a participação de um maior número de acionistas/sócios nas atividades da empresa, tornando mais eficaz o cumprimento das obrigações sociais. A realização de assembleia virtual também reduz gastos para aqueles que teriam que se locomover para a sede da empresa e torna menos rígidas as regras no que se refere ao envio de documentos dos acionistas/sócios às empresas. Não só isso: administradores, conselheiros fiscais e mesmo os advogados e representantes de auditores independentes também estão aptos a participar das deliberações e debates a distância.

Assim, uma solução que se apresenta com melhor qualidade e que pode ser incorporada permanentemente às práticas das empresas é a questão do instrumento do voto a distância. O boletim de voto a distância, da forma como está regulado hoje no parágrafo primeiro do art. 121 da Lei das S.As., resulta, em última análise, no afastamento de acionistas ou sócios nos debates da empresa, bem como exige um voto prévio que nem sempre convergirá com as ideias e as dinâmicas discutidas no conclave.

A alternativa positiva que a assembleia virtual fornece, nesse caso, seria permitir a participação do acionista/sócio, que se absteria caso tivesse que optar pelo seu deslocamento, às discussões e debates da assembleia e ao voto a distância.

Com base no que foi relatado em conversas com clientes e com representantes da CVM e da B3, bem como veiculado na mídia especializada, a identificação e a habilitação dos acionistas, a participação e a manifestação durante a assembleia e o cômputo de votos transcorreram tranquilamente. Tendo em vista que passou a ser permitida a efetiva participação virtual, os acionistas tiveram os custos de deslocamento para múltiplas assembleias em locais diversos extremamente reduzidos. A vantagem (além do barateamento) é a possibilidade de democratização e expansão do número de acionistas — em especial, dos minoritários — nas assembleias de acionistas. Dessa forma, o uso da tecnologia pode ter efeitos muito positivos caso a assembleia digital venha a ser efetivamente incorporada pelas companhias mesmo após a pandemia.


O que não funcionou bem?

As assembleias em ambiente virtual apresentam mais vantagens que desvantagens, mas alguns pontos devem ser discutidos, como a questão da segurança da tecnologia envolvendo os procedimentos da assembleia.

É necessário que os acionistas/sócios se apresentem de forma idônea, por meio de certificado digital; além disso, a participação e a votação devem ser em tempo real. Também deve ser feito, sem precedentes, o envio dos documentos que tratam da representação ou mesmo aqueles que são solicitados de forma habitual por meio de ambiente digital, caso não tenham sido enviados com antecedência.

Ao se negar o cumprimento dos procedimentos mencionados acima, a realização de assembleia virtual pode tornar-se um risco e uma ameaça para segurança dos acionistas/sócios.

É importante que sejam assegurados aos acionistas o direito à manifestação sobre as matérias da ordem do dia, o acesso aos documentos que não tenham sido disponibilizados previamente e o registro de seus votos. Se houver qualquer dificuldade causada pela companhia no acesso à assembleia, na disponibilização de documentos ou na manifestação de acionistas, é possível que existam reclamações de acionistas a respeito do certame, com possibilidade de responsabilização e, em casos mais graves, até anulação das deliberações. Não se conhece registro no Brasil de reclamações formais de acionistas em relação às assembleias digitais, seja por via judicial, arbitral ou administrativa, à B3 ou à CVM.

No entanto, fora do Brasil, um grupo de acionistas enviou no último dia 6 de julho uma carta à Securities and Exchange Commission  (SEC) sob o argumento de que a rápida implementação do modelo virtual teria gerado confusão e muitas dificuldades técnicas, que, segundo eles, chegaram a inibir a participação dos acionistas nas reuniões. Esses investidores alegam na carta à SEC: “Vimos várias situações nesta temporada [de assembleias] em que os acionistas não puderam fazer perguntas ao vivo, submeteram questionamentos que não foram compartilhados com outros participantes e, algumas vezes, observamos declarações falsas da empresa de que nenhuma outra pergunta havia sido feita”.

Portanto, é preciso ter cautela e assegurar os direitos dos acionistas. Mas os benefícios são evidentes e, no Brasil, não se tem notícia de problemas de restrição ou dificuldades no exercício dos direitos dos acionistas nas assembleias pelo meio digital.


Na sua opinião, existe a tendência de acionistas judicializarem eventuais problemas que tenham enfrentado nos encontros online, prejudicando o exercício de algum direito societário?

Não entendemos que a judicialização aumentaria, na prática, tendo em vista a lucidez das legislações recentes quanto à aplicação dos procedimentos virtuais. Porém, eventualmente, existe a possibilidade de judicialização caso o diálogo e a comunicação entre os acionistas/sócios no ambiente virtual não sejam feitos de forma clara, e tal falta de clareza quanto às matérias deliberadas se torne prejudicial a algum participante. Ainda, o problema de conexão à internet e eventuais empecilhos tecnológicos também podem vir a ser motivo de discussão judicial.

É necessário ter em mente que nem sempre as assembleias por meio de plataformas e meios tecnológicos serão adequados a determinada empresa. Dados como a realidade de cada uma e o número de acionistas/sócios, por exemplo, devem ser levados em consideração. Ainda que não possa negar que o ambiente virtual se apresenta como um benefício aos acionistas/sócios minoritários — afinal, com menos recursos e gastos, esse tipo de acionista/sócio poderá participar de forma efetiva das discussões da empresa, além de poder exercer o direito irrenunciável de fiscalização dos atos praticados pela gestão.

É importante que as companhias estejam atentas para casos em que exista prévio conflito entre os acionistas, cuja ordem do dia envolva assuntos de divergência no bloco de controle ou entre o controlador e minoritários. Nesses casos, qualquer dificuldade, mesmo que não seja material, poderá ser tomada por um dos acionistas como justificativa de um cerceamento ou restrição de direito, mesmo que não seja verídica. Assim, quando for de conhecimento prévio esse tipo de situação todo cuidado é pouco, e talvez seja mais adequado realizar a assembleia presencial para evitar contestações futuras.

Exceto nesse caso, em que seja preciso se resguardar quando o conflito for conhecidamente iminente, considerando a tranquilidade da experiência das assembleias gerais ordinárias — mesmo que inédita — acredito que a chance de judicialização em massa seja remota. Como já mencionado acima, a forma digital ofereceu muitas vantagens práticas para as companhias e para seus acionistas, em particular, para os minoritários.

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