Dúvidas permanecem sobre a reversão de decisões sobre tributos

STF ainda deve esclarecer sobre cobrança de multas e juros e sobre data a partir da qual os tributos incidirão

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Em fevereiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que decisões judiciais definitivas sobre pagamentos de tributos podem ser revertidas quando há mudança de jurisprudência. Contribuintes que obtiveram ganhos na Justiça e estavam amparados por decisões que lhes davam o direito de não recolher determinado imposto passarão a ter de pagá-lo. No entanto, a questão não foi completamente elucidada e ainda são muitas as dúvidas: as multas e juros estão incluídas na dívida do contribuinte? E a partir de que data os impostos incidem?

O STF voltará a discutir a questão, já que o julgamento dos Temas nº 881 e 885 de Repercussão Geral foi objeto de embargos de declaração (recurso para esclarecer omissões ou contradições nas decisões) opostos pelos contribuintes. Os embargos dizem respeito à necessidade de modulação de efeitos (o estabelecimento de datas a partir das quais o contribuinte poderia ser cobrado) e à exclusão das multas e juros (aqui, o argumento é que os contribuintes não poderiam ser penalizados porque não cometeram ilícitos ao não recolher os tributos, já que estavam amparados por decisões judiciais definitivas).

A questão da modulação é relevante porque pode significar vários anos a mais de tributos não recolhidos pelos contribuintes e que passarão a ser exigidos. O tema analisado pelo STF diz respeito à contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), que foi considerada constitucional em 2007. Para os contribuintes, é muito relevante saber se eles terão de pagar este imposto desde 2007, mesmo que estivessem amparados por decisões judiciais definitivas para não pagá-lo, ou apenas a partir do julgamento de fevereiro de 2023. Além disso, caso se entenda que as multas e juros são devidos, a conta das empresas vai aumentar muito.

Uma das alternativas dos contribuintes é buscar o Judiciário para afastar a cobrança das multas e juros. Diante da ausência de posicionamento final do STF sobre a cobrança ou não das multas e dos juros, é possível que os contribuintes questionem essas cobranças sobre os tributos que eventualmente deixaram de ser recolhidos com amparo em decisão judicial transitada em julgado, posteriormente revertida”, consideram Pedro Simão e Sávio Hubaide, sócio e associado do Freitas Ferraz Advogados. Eles afirmam que o questionamento via Judiciário pode ser embasado no artigo 100, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN), que privilegia a boa-fé e exclui a imposição de penalidades aos contribuintes que observaram atos normativos proferidos pela administração pública.

Associados do Vieira Rezende Advogados, Bianca Mareque e Raphael Castro recomendam que os contribuintes aguardem que o Judiciário se posicione quanto à modulação dos efeitos desse leading case, bem como sobre a incidência ou não de multas e juros antes de ajuizarem ações para tratarem dessas matérias. No entanto, eles afirmam que, nos casos em que a fiscalização da Receita Federal já estiver exigindo os tributos (com multa e juros) dos contribuintes, o ideal é que estes se defendam para afastar a cobrança, embasados no parágrafo único do artigo 100 do CTN.

Na entrevista abaixo, Mareque, Castro, Simão e Hubaide abordam as dúvidas ainda existentes sobre a decisão do STF.


–  O STF decidiu que decisões definitivas em matéria tributária podem ser revertidas se julgamento posterior mudar o entendimento, o que leva os contribuintes a ter de saldar tributos. As multas e os juros também entram nessa conta?

Bianca Mareque e Raphael Castro: Por ocasião do julgamento que tratou do tema “coisa julgada”, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que, ainda que o contribuinte conte com coisa julgada favorável que lhe exonere do pagamento de determinado tributo, caso, posteriormente, o STF declare a exação constitucional em decisão com efeitos erga omnes, deverá passar a recolher o referido tributo.

Mais ainda, considerando que não houve modulação dos efeitos dessa decisão, a repercussão que se verifica é a obrigatoriedade de pagamento, pelos contribuintes, dos tributos que tenham deixado de recolher em razão de seu trânsito em julgado favorável. Da mesma forma em relação às multas e aos juros, já que a decisão proferida não deu tratamento distinto às rubricas.

Isto é, considerando que, a partir do cenário até agora desenhado no âmbito do STF, o contribuinte que se encontre nesta situação é considerando inadimplente, deve arcar com o pagamento de juros e multa incidentes em tributos que sejam recolhidos a destempo.

Sávio Hubaide e Pedro Simão: A cobrança das multas e juros não foi expressamente decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento dos Temas nº 881 e 885 de Repercussão Geral. Por esse motivo, espera-se que a questão seja devidamente esclarecida no julgamento dos Embargos de Declaração já opostos pelos contribuintes.

De toda forma, enquanto a decisão do STF não afastar expressamente a incidência das multas e dos juros, pressupõe-se que serão cobrados pela Fazenda Nacional, sem prejuízo de que os contribuintes busquem decisões judiciais individuais para a exclusão desses valores.


– As empresas podem ter sucesso ao procurar o Judiciário ou a esfera administrativa para evitar o pagamento das multas e juros, já que estavam amparadas por decisões judiciais até então definitivas para não recolher os tributos?

Bianca Mareque e Raphael Castro: A princípio pode-se entender que essa questão será diretamente resolvida pelo próprio STF. Isso porque a possibilidade de deixar de recolher os juros e multas será analisada tanto por ocasião de novo julgamento no que se refere à modulação dos efeitos da decisão – tese em relação a qual os contribuintes insistem em discutir, considerando as peculiaridades verificadas no caso concreto –, como em razão da análise da própria matéria, que foi objeto de embargos de declaração, opostos nos autos da ação de Repercussão Geral, por parte dos contribuintes.

Assim, entende-se que apenas será possível discutir referida matéria no Judiciário caso o STF decida por deixar de analisar o tema nos autos do leading case, o que pode ocorrer em razão de se tratar de matéria nova no processo, caso não haja o entendimento de que se trataria de desdobramento do pedido de modulação de efeitos; falta de prequestionamento quanto ao tema e outros.

Sávio Hubaide e Pedro Simão: Diante da ausência de posicionamento final do STF sobre a cobrança ou não das multas e dos juros, é possível que os contribuintes questionem essas cobranças sobre os tributos que eventualmente deixaram de ser recolhidos com amparo em decisão judicial transitada em julgado, posteriormente revertida.

O principal fundamento jurídico capaz de sustentar os pedidos dos contribuintes é o artigo 100, parágrafo único, do Código Tributário Nacional (CTN), que privilegia a boa-fé e exclui a imposição de penalidades aos contribuintes que observaram atos normativos proferidos pela administração pública. Isto é, se as penalidades são excluídas diante da observância de determinadas decisões administrativas, de convênios e de “práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas”, ainda mais lógico seria afastá-las nas situações em que a conduta está amparada por decisão judicial transitada em julgado.

Ainda, se o artigo 63, §2º, da Lei 9.430/96, afasta a multa de mora em face de decisão liminar favorável, a mesma lógica deve ser aplicada diante de decisão definitiva transitada em julgado.


– O que se recomenda aos contribuintes: buscar o Judiciário ou esperar até que haja mais detalhes sobre a questão?

Bianca Mareque e Raphael Castro: Recomenda-se que os contribuintes aguardem que o Judiciário se posicione, especificamente, quanto à modulação dos efeitos desse leading case, bem como sobre a incidência ou não de multas e juros antes de ajuizarem ações autônomas para tratarem dessas matérias.

Até porque o ideal é que, antes da adoção de qualquer medida de forma ativa, se compreenda como essa discussão se desenhará no âmbito de STF.

Sem prejuízo, nos casos em que a fiscalização já esteja exigindo tributos com a incidência de juros e multa, o ideal é que o contribuinte se valha dos meios de defesa disponíveis a afastar a cobrança das referidas rubricas, com base no comando previsto no parágrafo único do artigo 100 do Código Tribunal Nacional (CTN), que é expresso ao prestigiar os sujeitos passivos tributários que agem de boa fé e que atuam nos estritos limites de uma decisão transitada em julgado, que tem conteúdo de norma jurídica concreta, a qual, até que seja modificada pelo STF por decisão com efeitos erga omnes que declare a exação constitucionaltem força de lei entre as partes.

Sávio Hubaide e Pedro Simão: Espera-se que o STF esclareça a controvérsia ao julgar os embargos de declaração opostos, o que trará mais clareza quanto ao prognóstico relativo ao não recolhimento das multas e juros.

De todo modo, caso o contribuinte tenha débito nessa situação que esteja sendo exigido, é recomendável que busque o Judiciário ou se defenda na esfera administrativa, quando for o caso, com amparo nos fundamentos mencionados.

Vale destacar que, enquanto perdura a indefinição do STF, já se tem notícia de decisões judiciais proferidas em ações individuais que suspenderam, em sede de liminar, a exigibilidade das multas e juros nesses casos de reversão de decisões anteriores transitadas em julgado.


– O que os três recursos apresentados ao STF na decisão sobre a reversão das decisões definitivas questionam? Há possibilidade de eles resultarem em alguma mudança na questão da retroatividade da cobrança dos tributos, considerando que o STF optou por não modular a decisão em prol da isonomia entre os contribuintes?

Bianca Mareque e Raphael Castro: Apesar de a discussão central dos três embargos de declaração opostos pelos contribuintes nos autos do leading case versar sobre o pedido de modulação dos efeitos da decisão, com vistas a também afastar a exigência dos juros e da multa de mora, os referidos recursos se fundam em diferentes argumentos.

Sobre isso, se destaca que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB, em sede de aclaratórios, abordou a discussão em torno do momento em que teria havido a cessação dos efeitos da coisa julgada em relações tributárias de natureza, com base no argumento de que o STF teria sido omisso “ao inequívoco reconhecimento, pela Fazenda Nacional, de que a cessação da eficácia da coisa julgada ocorreria a partir da edição do Parecer PGFN/CRJ nº 492/2011, como transcendeu à própria causa de pedir aduzida pela Fazenda Nacional no Recurso Extraordinário 955.227 (Tema 885), cuja repercussão seria, ao menos em linha de princípio, idêntica sobre a tese fixada no RE 949.297 (Tema 881)”.

Com base nesse argumento, a CFOAB defende que “no tocante à modulação dos efeitos do acórdão ora embargado, deve-se observar a causa de pedir apresentada pela própria parte Recorrente, em que se defende a possibilidade de exigência dos tributos, antes não recolhidos, considerando decisões judiciais nesse sentido, somente a partir do Parecer PGFN/CRJ/Nº 492/2011” (grifos originais).

Em relação ao argumento comum aos três embargos de declaração opostos pelos contribuintes, trata da impossibilidade de aplicação de penalidades aos sujeitos passivos que procederam em conformidade com orientação judicial, nos termos do artigo 100 do CTN. Nesse sentido, como bem exposto pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) em seus embargos de declaração, “a lei não pode retroagir para prejudicar a coisa julgada, a decisão dos Temas 881 e 885 não pode produzir efeito semelhante em relação aos tributos considerados constitucionais em controle concentrado ou repercussão geral anteriormente a 08/02/2023”.

No entanto, apesar de robustos os argumentos trazidos pelos contribuintes em sede de embargos de declaração, há a possibilidade de que o STF entenda que tais discussões não estariam abarcadas pelo processo, cujo efeito é que a ausência de prequestionamento sobre esses temas prejudique que tenham o seu mérito enfrentado pela Suprema Corte.

Sávio Hubaide e Pedro Simão: O principal questionamento apresentado nos embargos de declaração diz respeito à necessidade de modulação de efeitos, para que as cobranças decorrentes da reversão de decisões judiciais sejam realizadas somente da decisão do Supremo em diante. Isso porque a decisão do STF é inovadora, contraria a jurisprudência do STJ e inclusive sujeita os contribuintes a tratamento pior que o pretendido pela PGFN, que já publicou parecer pela tributação da CSLL a partir de 2012, e não desde 2007.

O segundo ponto principal dos embargos consiste justamente na exclusão das multas e dos juros, caso não seja aceito o pedido de afastamento das cobranças retroativas. Tendo em vista que os não recolhimentos foram amparados por decisões judiciais transitadas em julgado, não há que se falar no cometimento de ilícito pelos contribuintes, devendo-se afastar quaisquer cobranças de penalidades.

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