Reversão de decisões judiciais definitivas pode impactar contribuintes

STF vai julgar se suas decisões relacionadas a tributos cessam efeitos da coisa julgada

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O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a possibilidade de decisões judiciais definitivas sobre pagamentos de tributos serem revertidas quando há mudança de jurisprudência foi interrompido e deve ser retomado em sessão presencial, ainda sem data marcada. Enquanto isso, contribuintes devem ficar atentos – e analisar se é necessário provisionar possíveis perdas. Isso porque, quando o julgamento foi interrompido, o placar era desfavorável aos contribuintes.

“Empresas amparadas por decisões judiciais transitadas em julgado sobre matérias já revertidas pelo STF em controle concentrado ou em repercussão geral (a exemplo da incidência das contribuições previdenciárias sobre o terço constitucional de férias) poderão sofrer de forma mais imediata os impactos de eventual decisão desfavorável nos Temas 881 e 885”, afirmam os advogados Sávio Hubaide e Pedro Simão, respectivamente associado e sócio do Freitas Ferraz Advogados.

Os temas 881 e 885 referem-se à perda de efeito das decisões transitadas em julgado que favoreceram contribuintes anteriormente. Isso significa que contribuintes que obtiveram ganhos na Justiça e estão amparados por decisões que lhes dão algum direito (como o de não recolher determinados tributos) podem perdê-lo se a jurisprudência tiver mudado depois da decisão. É essa possibilidade que será julgada pelo STF.

A Receita Federal, inclusive, autua contribuintes nessas condições. Frederico Bakkum, associado do Vieira Rezende Advogados, diz que a fiscalização defende que, a partir do momento em que o STF declara a constitucionalidade de determinada cobrança, anteriormente julgada inconstitucional em sede de controle difuso, o trânsito em julgado que favorecia o contribuinte deve ser afastado, sob pena de violar princípios constitucionais, em especial o da isonomia e o da vedação à concorrência desleal.

Se a decisão for desfavorável aos contribuintes, estes passariam a ser cobrados: “Se o desfecho for negativo para os contribuintes e sem modulação, em princípio os contribuintes poderiam sofrer cobranças relativamente a todo e qualquer tributo que tenham deixado de recolher nesse contexto, observado o prazo prescricional. Alguns contribuintes já estão se defendendo de autos de infração lavrados em razão de mudanças jurisprudenciais do STF, de modo que eventual desfecho negativo impactaria no prognóstico de sucessos desses casos; outros ainda não foram autuados e passariam a ter um risco maior de enfrentar novas autuações, com baixas chances de sucesso”, afirma Bakkum.

Hubaide e Simão consideram que é necessário manter um monitoramento contínuo da pauta da Suprema Corte, avaliando a necessidade de retomar o recolhimento de determinados tributos em caso de decisões desfavoráveis. Bakkum recomenda que os contribuintes provisionem eventual perda, seja em relação a autos de infração em andamento ou já encerrados, em discussão judicial, seja em relação a períodos ainda não autuados.

Na entrevista abaixo, Hubaide, Simão e Bakkum explicam como a questão surgiu, abordam os impactos da mudança do julgamento para a sessão presencial e a possível modulação dos efeitos.


– Como se originou a discussão sobre a perda de efeito das decisões transitadas em julgado que favoreceram o contribuinte, quando ocorre a mudança de jurisprudência pelo STF?

Sávio Hubaide e Pedro Simão: A discussão sobre a perda de efeito das decisões transitadas em julgado que favoreceram contribuintes anteriormente, que deu origem aos Temas 881 e 885 de Repercussão Geral, possui como pano de fundo decisões judiciais individuais que declararam a inconstitucionalidade da cobrança da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) instituída pela Lei nº 7.689/88.

No entanto, posteriormente, o STF reconheceu a constitucionalidade da referida lei, fazendo com que a grande maioria dos contribuintes fosse tributada pela contribuição, enquanto alguns que haviam obtido decisão judicial favorável permaneceriam resguardados dessa cobrança.

Nesse contexto, a Fazenda passou a exigir a cobrança desses valores também de empresas beneficiadas por decisões judiciais, levando a discussão relativa à possibilidade de desconstituição ou não das decisões transitadas em julgado em favor dos contribuintes ao STF. Com isso, será avaliado, em repercussão geral, os limites da coisa julgada material tributária, e se as decisões proferidas pelo STF em controle difuso ou concentrado são suficientes para cessar automaticamente os efeitos da coisa julgada. 

Frederico Bakkum: A discussão surgiu quando a Receita Federal passou a autuar contribuintes que possuíam decisões judiciais transitadas em julgado, que reconheciam a inconstitucionalidade de determinada cobrança tributária, cuja tese foi posteriormente submetida ao controle concentrado de constitucionalidade e/ou outras medidas judiciais que conduzem a decisões com efeitos para todos (erga omnes), e o STF declarou a constitucionalidade da mesma cobrança.

A fiscalização defende que, a partir do momento em que o STF declara a constitucionalidade de determinada cobrança, anteriormente julgada inconstitucional em sede de controle difuso, o trânsito em julgado que favorecia o contribuinte deve ser afastado, sob pena de violar princípios constitucionais, em especial o da isonomia e o da vedação à concorrência desleal.


– Quando o julgamento por parte do STF foi paralisado, 7 dos 11 ministros eram favoráveis à reversão das decisões. É provável que ocorra uma mudança de posicionamento dos ministros nas sessões presenciais?

Sávio Hubaide e Pedro Simão: Após o pedido de destaque do ministro Edson Fachin, o julgamento será transferido para sessão presencial e será reiniciado com o placar será zerado. Trata-se de medida relevante para o adequado enfrentamento de questão que envolve tema de enorme relevância tanto jurídica, por enfrentar os limites da coisa julgada e por envolver princípios basilares do ordenamento como a isonomia, a livre concorrência, a irretroatividade e a anterioridade, quanto econômica, pelos valores que poderão ser cobrados a depender do resultado do julgamento.

Como os ministros proferirão novos votos, é possível que ocorra alguma mudança de posicionamento, sobretudo pelo fato de que a sessão e as sustentações orais presenciais, em tese, favorecem um debate mais aprofundado sobre o tema se comparado à sessão virtual, em que os votos são despejados no sistema sem debate público entre os julgadores. 

Frederico Bakkum: Sempre que um julgamento virtual é suspenso, para posterior inclusão no plenário presencial, é possível que os ministros acabem revendo alguns pontos de seus votos ou até mesmo aderindo a votos de outros ministros. Contudo, mudanças consistentes nos votos não são tão corriqueiras. Considerando a maioria já formada, pode-se dizer que é pouco provável uma mudança brusca nos posicionamentos já manifestados no plenário virtual. No entanto, por ser uma matéria muito sensível, não se pode descartar essa possibilidade.

No caso específico, um ponto que pode gerar mudanças é o relativo à eventual modulação da decisão. Isso porque, inicialmente, havia proposta de modulação da decisão nos votos dos relatores, contudo, ela foi posteriormente retirada. É possível que os ministros que acompanharam os votos dos relatores se posicionem pela modulação no julgamento presencial.


– Se o desfecho for negativo para os contribuintes, a partir de quando eles teriam de pagar os impostos? Qual seria o impacto?

Sávio Hubaide e Pedro Simão: Nos votos disponibilizados na última sessão virtual, a maioria estava se formando no sentido de admitir a cobrança a partir da decisão proferida em repercussão geral ou em controle concentrado que declarar constitucional determinada exação, respeitada a anterioridade anual e nonagesimal, a depender do tributo em questão.

Ainda que o STF venha a admitir que essas decisões configurem modificação no estado de direito capaz de superar a coisa julgada, independentemente da propositura de ações revisionais, como ordena o CPC, ainda há a possibilidade de modulação dos efeitos das decisões dos próprios temas 881 e 885. Deve ainda ser esclarecida qual seria a data a ser considerada como marco inicial nos casos futuros, como a publicação da ata de julgamento, do acórdão ou do trânsito em julgado.

Além disso, ainda que prevaleça a decisão contrária aos pedidos dos contribuintes, cada situação deverá ser analisada individualmente, para incluir o exame de decadência e prescrição, de cobrança retroativa ou da existência ou não de prévio lançamento de valores que se encontram na situação em julgamento. 

Frederico Bakkum: Tudo vai depender de eventual modulação da decisão. Como se trata de uma tese bastante sensível, que pode prejudicar contribuintes que agiram de boa-fé, amparados por decisões judiciais transitadas em julgado, é bastante plausível que o STF venha a modular eventual decisão desfavorável, de modo que as cobranças passem a ser legítimas somente após a conclusão desses julgamentos (RE 949297 e RE 955227).

Entretanto, como adiantamos, no curso do julgamento virtual os ministros relatores retiraram dos seus votos os trechos referentes à proposta de modulação, o que sinaliza a possibilidade de a decisão acabar não sendo modulada. Caso o desfecho seja negativo para os contribuintes e sem modulação, em princípio os contribuintes poderiam sofrer cobranças relativamente a todo e qualquer tributo que tenham deixado de recolher nesse contexto, observado o prazo prescricional. Alguns contribuintes já estão se defendendo de autos de infração lavrados em razão de mudanças jurisprudenciais do STF, de modo que eventual desfecho negativo impactaria no prognóstico de sucessos desses casos; outros ainda não foram autuados e passariam a ter um risco maior de enfrentar novas autuações, com baixas chances de sucesso.


– O que se recomenda às empresas que, amparadas por decisões judiciais, não recolheram os impostos? 

Sávio Hubaide e Pedro Simão: Empresas amparadas por decisões judiciais transitadas em julgado sobre matérias já revertidas pelo STF em controle concentrado ou em repercussão geral (a exemplo da incidência das contribuições previdenciárias sobre o terço constitucional de férias) poderão sofrer de forma mais imediata os impactos de eventual decisão desfavorável nos temas 881 e 885.

Tanto nesses casos quanto naqueles de decisões judiciais transitadas em julgado sobre matérias não revertidas, cuja repercussão geral já foi reconhecida pelo STF e não julgada, deve-se manter um monitoramento contínuo da pauta da Suprema Corte, para que seja constantemente avaliada a necessidade de retomar o recolhimento de determinados tributos em caso de decisões desfavoráveis, incluindo a parametrização de sistemas internos e a adaptação dos planejamentos financeiros. De toda forma, deve-se aguardar o que será decidido pelo STF.

Frederico Bakkum: Tendo em vista a expectativa de um desfecho desfavorável para os contribuintes, dado os votos apresentados no plenário virtual, é recomendável que os contribuintes que se encontram na situação em questão provisionem eventual perda, seja em relação a autos de infração em andamento ou já encerrados, em discussão judicial, seja em relação a períodos ainda não autuados.

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