Marco legal das garantias é aprovado com dispositivo polêmico

Projeto altera essência da Lei 9.514/97, que instituiu a alienação fiduciária

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Considerado por especialistas um passo importante para aumentar a eficiência do complexo sistema de garantias do Brasil, potencialmente facilitando e barateando a concessão de crédito, o marco legal das garantias foi aprovado com um dispositivo polêmico e que promete gerar muita discussão: a possibilidade de os credores penhorarem imóveis únicos, usados para moradias de família, quando os devedores os tiverem oferecido em garantia e não pagarem a dívida. 

Até o momento, não é possível penhorar imóveis únicos de famílias, dados em garantia real. Com a aprovação do PL 4.188/21 pela Câmara dos Deputados (no dia 1º de junho), isso seria alterado. Mas, agora, o texto passará pela apreciação pelo Senado Federal e deverá ser objeto de mais discussões. 

Um dos principais pontos do novo marco legal é a criação das instituições gestoras de garantias (IGGs), que irão administrar as garantias das operações de crédito — elas vão atuar na constituição, utilização e gestão das garantias. Também vão fazer gestão de risco e executar as garantias quando os credores ficarem inadimplentes. Além disso, o novo marco estabelece que a mesma garantia possa ser usada para diferentes empréstimos, o que até hoje não é permitido. Com isso, espera-se que a concessão de crédito possa aumentar e que os custos caiam. 

A seguir, Érika Aguiar Carvalho Fleck, sócia do Carneiro de Olivera, e Viviane Castilho, parceira do escritório, comentam as mudanças propostas pelo PL 4.188/21.


Quais são os principais pontos do PL 4.188/21?

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Viviane Castilho: O principal tema que o PL 4.188/21 pretende regular é a forma de uso de garantias por meio de bens móveis ou imóveis para fins de obtenção de crédito no Brasil. Não à toa, o PL tem sido tratado como o marco legal das garantias.

Segundo o Poder Executivo, a intenção é fomentar a concorrência entre as instituições financeiras, incentivando a redução de juros e de custos na obtenção de um financiamento, por meio da facilitação de constituição e execução de garantias.

Assim, o projeto propõe alterações impactantes à legislação vigente que trata da alienação fiduciária de bens, de hipoteca e de penhor.

Com a aprovação do projeto, a Lei 9.514/97, que instituiu a alienação fiduciária, será essencialmente alterada no que diz respeito à possibilidade de um mesmo imóvel ser objeto de alienação fiduciária para mais de uma operação de crédito. Esse instituto está sendo chamado de extensão da alienação fiduciária.

Dentre várias outras disposições, a extensão da alienação fiduciária permitirá que um mesmo credor e o proprietário do imóvel contratem operações sucessivas à operação denominada de principal, mediante subsequentes averbações na matrícula do imóvel, estando as operações vinculadas quanto ao inadimplemento de qualquer uma delas. Isso implica dizer que o não pagamento de uma das operações autoriza o vencimento antecipado das demais e a excussão da garantia imobiliária para liquidação da integralidade do crédito.

A lei de alienação fiduciária passará, ainda, a regular a execução extrajudicial dos créditos garantidos por hipoteca, permitindo, em moldes análogos ao da alienação fiduciária, a extensão da hipoteca para garantia de mais de uma operação de crédito.

Para operacionalizar as mudanças propostas, o projeto de lei cria as instituições gestoras de garantia (IGGs), que serão pessoas jurídicas de direito privado autorizadas a realizar o serviço de gestão especializada de garantias. As IGGs serão responsáveis pela constituição, utilização, gestão e compartilhamento de garantias reais e pessoais que serão utilizadas para lastrear as operações de crédito. A criação será autorizada e supervisionada pelo Banco Central do Brasil e regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

Há também a criação da figura do agente de garantia, que poderá ser um dos credores, em caso de multiplicidade de credores, por exemplo, ou um terceiro escolhido pelos credores. O agente atuará em nome próprio em benefício dos credores para constituir, registrar, gerir e executar a garantia, assumindo dever fiduciário em relação aos credores.

Quanto ao penhor civil, a alteração substancial diz respeito à quebra do monopólio da Caixa Econômica Federal, ou seja, as demais instituições financeiras do País estarão autorizadas a contratar operações com garantia de penhor.


O que o PL traz de mudanças no que diz respeito à penhora dos imóveis de famílias? 

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Viviane Castilho: O projeto inova ao prever a possibilidade de penhora do único imóvel que serve de moradia familiar nos casos em que o bem imóvel é voluntariamente oferecido como garantia, por alienação fiduciária ou hipoteca, sendo próprio ou mesmo de terceiros garantidores, em operações de crédito diversas.


Com relação ao que foi inicialmente apresentado pelo governo, houve importantes alterações no projeto aprovado?

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Viviane Castilho: O projeto recebeu 35 emendas durante a tramitação na Câmara, tendo resultado na inclusão de temas principais como o procedimento de busca e apreensão extrajudicial de bens em caso de inadimplemento. O projeto acrescenta ao Decreto-Lei nº 911 artigos que, em resumo, permitem a busca e apreensão extrajudicial de bens realizada por um oficial do cartório de títulos e documentos. Ele poderá registrar, no caso de veículo, por exemplo, a restrição de circulação em sistema informatizado, gerar certidão de busca e apreensão do bem, informar os órgãos competentes sobre a busca e apreensão e lançar a busca e apreensão extrajudicial na plataforma eletrônica mantida pelos cartórios de registro de títulos e documentos. Em caso de imóveis, o cartório poderá comunicar a indisponibilidade do bem.

Acrescentou-se, ainda, a possibilidade de oneração e de uso de direitos minerários como garantia de operações de crédito, desde o alvará de autorização de pesquisa, a concessão de lavra, o licenciamento, a permissão de lavra garimpeira, bem como o direito persistente após a vigência da autorização de pesquisa e antes da outorga da concessão de lavra, cabendo à Agência Nacional de Mineração fazer as averbações cabíveis.

Por fim, houve o acréscimo do direito à redução a zero da alíquota do imposto sobre a renda sobre os rendimentos pagos, creditados, entregues ou remetidos a beneficiário residente ou domiciliado no exterior, produzidos por títulos ou valores mobiliários objetos de distribuição pública, de emissão de pessoas jurídicas de direito privado; fundos de investimento em direitos creditórios, regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cujo originador ou cedente da carteira de direitos creditórios não seja instituição financeira nem demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil e letras financeiras.


Agora, o PL segue para votação do Senado. São esperadas muitas alterações?

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Viviane Castilho: O que se tem verificado é a falta de consenso no Senado em relação aos temas mais polêmicos, em especial, a exceção à impenhorabilidade do bem de família, a execução extrajudicial e aos mecanismos mais agressivos de busca e apreensão dos bens, na medida em que impactam diretamente a sociedade civil.

Por conta disso, são esperados intensos debates que podem resultar na não aprovação dos temas destacados, ou mesmo aprovação com alterações. A expectativa é de que a matéria seja votada somente após o recesso parlamentar ou até após as eleições.

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