Adoção do voto múltiplo avança no Brasil

Mecanismo aumenta representatividade dos minoritários, mas pode gerar instabilidade para as companhias

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O uso do voto múltiplo vem avançando no Brasil. O instrumento foi requerido em 56 das 127 assembleias gerais de acionistas de empresas do Novo Mercado e dos níveis 1 e 2 da B3, segundo levantamento feito pelo escritório Moreira Menezes Advogados e publicado em reportagem no jornal Valor Econômico

Ao permitir que os acionistas de uma companhia votem em nomes fora da chapa indicada pelo controlador, o instrumento fortalece a representatividade dos minoritários, conforme explica Thomas Magalhães, sócio do Magalhães & Zettel Advogados. Por meio do voto múltiplo, o acionista pode cumular todos os seus votos em apenas um candidato ao conselho de administração (CA) ou distribuí-los entre vários. A possibilidade de concentração aumenta as chances de os minoritários elegerem pelo menos uma pessoa para o conselho.

Apesar desse aspecto positivo, o advogado considera que a adoção do voto múltiplo pode gerar certa instabilidade para as companhias. Quando ocorre a destituição de um dos conselheiros (numa assembleia em que o mecanismo foi usado), todos os demais são afastados e a empresa precisa fazer nova eleição para o CA. O problema é que essa situação pode prejudicar a dinâmica do órgão. “Há uma perda do histórico, do ritmo e do tempo que os conselheiros tiveram para se acostumar uns com os outros e com o corpo executivo da empresa e seu negócio”, observa Magalhães.

Confira abaixo mais detalhes sobre o voto múltiplo e suas implicações para as empresas. 


O que é o voto múltiplo, qual a sua finalidade e quando ele pode ser utilizado?

Thomas Magalhães: A instituição do voto múltiplo se deu pela Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades por Ações). Ele pode ser conceituado como o processo de votação mediante o qual se atribui a cada ação tantos votos quantos sejam os cargos a preencher no conselho de administração (CA), reconhecendo-se ao acionista o direito de cumular os votos em um único candidato ou distribuí-los entre vários.

O sistema de voto múltiplo se aplica exclusivamente aos acionistas detentores de ações ordinárias, ou seja, ações com direito a voto. Qualquer acionista detentor de pelo menos 10% das ações ordinárias da companhia pode requerê-lo para eleição dos membros do CA.

Sua finalidade é fortalecer a representatividade dos acionistas minoritários nos órgãos sociais das sociedades anônimas abertas e fechadas. Caso o voto múltiplo não existisse, esses espaços seriam sempre dominados pelo acionista controlador.


No que ele difere do voto em separado e do voto plural? 

Thomas Magalhães: O sistema de votação em separado, diferentemente do voto múltiplo, não é exclusivo apenas dos acionistas detentores de ações com direito a voto, podendo ser uma prerrogativa dos acionistas que possuem ações preferenciais e/ou ordinárias. Além disso, pode ser requerido somente em companhias abertas que tenham um controlador, nas quais podem ser realizadas duas eleições, em separado, para a composição do CA. 

Já o voto plural confere a determinadas classes de ações mais de um voto, enquanto outras classes permanecem com direito a um voto. Esse mecanismo era proibido de maneira expressa pela Lei das S.As., mas passou a ser permitido com a promulgação da Lei 14.195/21, denominada “Lei do Ambiente de Negócios” (iniciada com a Medida Provisória 1040/21) e sancionada em 26 de agosto 2021. 


Para as empresas, quais são as implicações do uso do voto múltiplo por parte dos minoritários?

Thomas Magalhães: Uma das implicações quando o CA de uma companhia é eleito pela sistemática do voto múltiplo é que a destituição de um dos conselheiros implica a destituição dos demais membros. Isso obriga a companhia a fazer uma nova eleição. Essa situação pode prejudicar a dinâmica das decisões desse órgão, com potencial para afetar os negócios da companhia, uma vez que se perde histórico, o ritmo e o tempo que os conselheiros tiveram para se acostumar uns com os outros e com o corpo executivo da empresa e seu negócio. 

Outro aspecto que pode ser considerado negativo é a necessidade de aviso prévio em relação aos votos — a sistemática precisa ser solicitada em até 48 horas antes do início da assembleia. Seria mais interessante se o voto múltiplo pudesse ser requerido durante a própria assembleia, evitando antecipar a estratégia de um acionista, o que possibilita alianças e defesas. 


Alguns consideram que há um uso excessivo do voto múltiplo. Qual é a sua opinião a respeito? 

Thomas Magalhães: Em minha opinião, em que pese a oportunidade de os acionistas minoritários elegerem um conselheiro de sua confiança, a Lei das Sociedades por Ações assegura os interesses dos acionistas controladores das companhias, não configurando problemas de um uso excessivo ao voto múltiplo.

O pedido de adoção de voto múltiplo formulado por acionistas titulares do percentual exigido não poderá ser negado pela companhia, seus administradores e controladores, sob pena de configurar infração grave (artigo 4º da Instrução 165/91 da CVM). Uma vez deferido o processo de voto múltiplo, este alcança todos os acionistas presentes à assembleia, e não somente aqueles que o requereram. 

A Lei das S.As se preocupou em atender aos interesses dos acionistas controladores das companhias, assegurando-lhes maior representatividade no CA. Havendo eleição dos minoritários ordinaristas e dos preferencialistas pelo procedimento previsto nos §§ 4º a 8º do artigo 141 da Lei das S.As (voto em separado), cumulativamente com a eleição de membros do CA pelo procedimento de voto múltiplo, a lei reservou o direito de o acionista controlador manter sua representatividade em número superior caso os minoritários e preferencialistas elejam o mesmo número ou mais conselheiros do que o acionista controlador. Cabe a este eleger a maioria dos membros do CA, ainda que para assegurar essa maioria seja necessário ultrapassar o número total de conselheiros previsto no estatuto social da companhia.


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