As polêmicas em torno do voto negativo

Repercussão envolve desde características de companhia sem controlador até questões legais e de governança

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Em iniciativa recente, relacionada a uma reforma do estatuto social, a Vale propôs a inclusão da possibilidade de eleição para seu conselho de administração por meio de voto negativo. Poderia ser uma questão isolada, mas a ideia suscitou muitos debates no mercado, envolvendo desde a pertinência legal da medida até aspectos de governança corporativa e dinâmicas inerentes a companhias sem controlador definido, como é o caso da mineradora.

Como explica Paula Chaves, sócia do Coimbra & Chaves Advogados, o mecanismo do voto negativo para eleição do conselho de administração prevê que os acionistas votem nos candidatos que desejam eleger — aos quais atribuem voto favorável — e naqueles que não querem ver no board, nomes que recebem a manifestação de rejeição (o voto negativo, também chamado de voto contrário). Segundo o mecanismo, destaca Vitor Massoli, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados, seriam eleitos os conselheiros detentores do maior número de votos positivos, ou, em caso de empate, de menor número de votos negativos. “Basicamente, na prática, ao se computar os votos, um voto contrário anularia um voto favorável e o indivíduo seria eleito para o conselho pelo número de votos favoráveis”, detalha Thomas Magalhães, sócio do Magalhães & Zettel Advogados.

Diante das controvérsias envolvendo o tema, a companhia acabou desistindo da proposta. Um ponto polêmico gira em torno da legalidade do voto negativo no Brasil. “Na Lei 6.404/76, especialmente nos artigos que disciplinam o conselho de administração e o método de eleição de seus membros, não há nenhum procedimento cogente fixado pelo diploma além da observância ao critério do voto múltiplo — caso adotado — e do representante de acionistas minoritários”, ressalta Massoli.

“Em que pese haver argumentos favoráveis para ambas as interpretações, o assunto é novo para as companhias nacionais e, antes de qualquer conclusão assertiva sobre o tema, é necessário um estudo aprofundado dos impactos que a sua adoção poderia causar, em especial aos acionistas minoritários das companhias abertas”, avalia Chaves.

Quanto à governança também pode haver implicações. “A adoção do voto negativo pode atrapalhar a governança da companhia, pois a Vale ainda tem um grupo de acionistas de referência, que antes compunham o grupo de controle. Com a adoção do voto negativo, eles podem exercer sua força e vetar a eleição de um membro que não lhes agrade”, completa Magalhães.

A seguir, Chaves, Massoli e Magalhães tratam de outros aspectos envolvidos no expediente do voto negativo.


No âmbito da reforma de seu estatuto social, recentemente a Vale propôs a previsão de voto negativo para a eleição de conselheiros de administração. Em que consiste esse mecanismo de votação?

Sem abordar outros mecanismos previstos na Lei das S.As. e utilizados na prática societária (como o voto múltiplo ou a candidatura por sistema de chapas), a eleição dos membros do conselho de administração de uma companhia ocorre pelo voto favorável dos acionistas, que votam nos candidatos que desejam eleger para composição do conselho. Excluídas eventuais ações preferenciais que tenham suprido o direito de voto no estatuto social, cada ação é dotada de um voto para a eleição dos membros do conselho.

No mecanismo do voto negativo para eleição do conselho, os acionistas votam nos candidatos que eles desejam eleger (atribuindo-lhes o voto favorável) e nos candidatos que eles não desejam nomear para o conselho de administração da companhia (atribuindo, a estes, o voto negativo). Em síntese, o voto negativo significa que a ação passa a ser dotada do direito de voto favorável (como já previsto na legislação) e do direito de voto negativo. Assim, ao se votar contra a eleição do candidato, esse voto de rejeição seria um fator redutor dos votos favoráveis recebidos pelo mesmo candidato. Nesse cenário, serão eleitos os candidatos mais bem votados, desde que os votos favoráveis superem os votos contrários.

O conselho de administração é um órgão das sociedades anônimas de caráter deliberativo, cujos membros são escolhidos pela assembleia geral da companhia. Não há exigência na Lei 6.404/76 (Lei das S.As.) quanto a características específicas para instalação ou deliberação da assembleia de eleição dos membros do conselho, bastando, contudo, atenção às regras de voto múltiplo e eleição em separado de representante de minoritários.

De todo modo, tradicionalmente a eleição dos membros do conselho ocorre com o voto em determinada chapa ou em conselheiros isolados, sendo computados os votos efetivamente destinados aos candidatos ou chapas. Ocorre que, na dinâmica do voto negativo, todos os candidatos recebem votos positivos — ou seja, dos acionistas que concordam com a nomeação — como negativos, daqueles que discordam.

Segundo o mecanismo, seriam eleitos os conselheiros detentores de maior número de votos positivos, ou, em caso de empate, de menor número de votos negativos.

Trata-se de um sistema de votação na qual os conselheiros recebem votos favoráveis ou contrários individualizados, não mais em chapa, e aqueles que receberem o maior número de votos favoráveis são eleitos se estes votos favoráveis forem superiores aos votos negativos. Basicamente, na prática, ao se computar os votos, um voto contrário anularia um voto favorável e o indivíduo seria eleito para o conselho pelo número de votos favoráveis.


Em que medida a instituição do voto contrário está relacionada a empresas sem controlador definido, como é o caso da Vale?

De acordo com a definição de controle apresentada pela Lei das S.As., o acionista controlador, independentemente de deter a maioria das ações com direito a voto, detém o direito de voto para a eleição da maioria dos membros da administração da companhia. No caso de empresas com capital pulverizado, a estratégia do voto contrário pode ser utilizada para garantir que determinado grupo de acionistas com alta concentração acionária, mas que não chegam a ser considerados controladores (“minoritários de primeira classe”), dificulte mudanças na administração da companhia.

Em síntese, o voto contrário permite que esse grupo, que já detém participação acionária suficiente para eleger membros do conselho, também vote para impedir a eleição de outros membros, exercendo um direito de veto em determinadas indicações para a composição da administração da companhia. Pelo voto contrário, esses “minoritários de primeira classe” poderiam, eventualmente, criar obstáculos para determinadas mudanças na administração da companhia, na medida em que poderão votar contra candidatos alternativos à administração atual da empresa.

É importante frisar que a adoção do voto negativo não significa a privação de qualquer direito de voto aos grupos minoritários, com a Lei das S.As. garantindo aos acionistas minoritários o direito de votação em separado para a eleição da administração.

Há dois cenários relevantes para se abordar quando contrastada a lógica de controlador definido e a eleição dos membros do conselho. No caso, havendo controlador definido, há maior possibilidade de adoção do método de eleição do conselho por chapa. A outra possibilidade seria justamente a eleição conforme lista isolada, ou seja, com a votação dos nomes individualmente.

Quando a companhia não tem controlador definido, a nomeação dos conselheiros pelo critério da lista representa fator de relevante avanço de governança. Por outro lado, o voto negativo geraria a possibilidade de acionistas organizados vetarem determinados nomes, impedindo a representatividade de conselheiros indicados por grupo relevante, mas ainda inferior ao organizado.

Assim, mesmo se aplicável de maneira mais interessante às sociedades sem controlador definido, restará ainda a chance de acionistas com número relevante não contarem com representante no board.

Na verdade, a votação individualizada é uma prática usual no exterior em companhias de capital pulverizado, mas computando-se apenas os votos favoráveis — não os contrários, como propôs a Vale.


Do ponto de vista jurídico, existe impedimento legal à inclusão do voto negativo no estatuto de uma companhia aberta brasileira?

Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, qualquer norma expressa que aborde a instituição do voto contrário, seja para sua expressa permissão ou vedação. A Lei das S.As. determina, como regra geral em seu artigo 129, que as deliberações da assembleia geral serão tomadas por maioria absoluta de votos.

A interpretação desse artigo é o que determina a aceitação, ou não, do voto negativo pelo nosso ordenamento jurídico. Enquanto alguns interpretam de forma mais restritiva, com a lei prevendo apenas o voto favorável e, por consequência, vendado o voto negativo, outros entendem que, sendo o Direito societário regido pelos princípios da autonomia privada e liberdade de contratar, o voto negativo seria aceito em nosso ordenamento jurídico, justamente por não possuir previsão expressa.

Em que pese haver argumentos favoráveis para ambas as interpretações, o assunto é novo para as companhias nacionais e, antes de qualquer conclusão assertiva sobre o tema, é necessário um estudo aprofundado dos impactos que a sua adoção poderia causar, em especial aos acionistas minoritários das companhias abertas.

Cabe ressaltar que, no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), observa-se referências, ainda que indiretas, à votação em sentido contrário nas assembleias gerais das companhias, conforme o artigo 21, § 6°, da Instrução 480/09, e a atual opção de rejeição de candidatos expressa no Anexo 21-F, item 12-C, da Instrução 481/09. De qualquer maneira, a autarquia não tem entendimento formado sobre o tema.

Em análise à Lei 6.404/76, especialmente os artigos que disciplinam o conselho de administração e o método de eleição de seus membros, não há nenhum procedimento cogente fixado pelo diploma, além da observância ao critério do voto múltiplo — caso adotado — e do representante de acionistas minoritários.

Nessa linha, seguindo lógica basilar de liberdade das contratações do Direito privado, não se verifica vedação à adoção do critério de voto negativo.

Entretanto, naturalmente, é importante a obediência aos trâmites para alteração do estatuto da companhia, responsável pela previsão do método de eleição dos membros do conselho.

A Lei das S.As. não estabelece nenhuma modalidade obrigatória para eleição dos membros do conselho de administração. Cabe ao estatuto da sociedade anônima dispor a respeito, estabelecendo ou a votação majoritária, em qualquer de seus tipos, chapa ou candidatura isolada, ou a proporcional. Contudo, há decisão de 2015 da CVM que vedou a utilização de voto contrário — no caso, a companhia sob análise era a Usiminas.


Sob a perspectiva da governança corporativa, a previsão de voto negativo favorece ou prejudica as companhias, na sua opinião? Por quê?

Primeiramente, é preciso destacar que qualquer conclusão sobre o tema envolve uma análise como um todo da estrutura societária da companhia, não apenas da regra de eleição da administração ou de qualquer outra deliberação que preveja o voto negativo.

De todo modo, sob o âmbito da governança corporativa, a previsão de um voto contrário poderia ser vista como um instrumento que restringe a efetiva participação de todos os acionistas nas deliberações societárias, o que poderia ser considerado pelo mercado como uma afronta ao princípio da equidade no tratamento entre acionistas. Isso porque, no caso de eleição da administração, os acionistas detentores de maior participação acionária poderiam não apenas votar favoravelmente à eleição de seus candidatos, mas também vetar a eleição de candidatos de grupos (ainda mais) minoritários (os chamados “minoritários de segunda classe”).

Em suma, pelo fato de o voto contrário poder ser utilizado para impedir a representação de acionistas na administração da companhia, assim como para constituir entrave a mudanças, conclui-se que o mecanismo pode ser visto como prejudicial para a percepção da companhia perante o mercado.

Prejudica, justamente pelas circunstâncias já expostas anteriormente. O mero critério de eleição individual dos conselheiros representa avanço de governança e deve ser utilizado em larga escala especialmente em companhias sem controlador definido.

Por outro lado, havendo grupo de acionistas organizados em atribuir votos negativos a determinados candidatos, é possível gerar situação injusta, afastando a representatividade de determinado grupo de acionistas.

Essa proposta da Vale tem dois pontos de interesse. O primeiro é o fim da candidatura por chapa, que é muito benéfico, pois, hoje a Vale como uma companhia de capital pulverizado — ou seja, sem um grupo de controle — possui muitos minoritários, e a candidatura individual abre margem para estes serem mais bem representados. Mas a adoção do voto negativo, por sua vez, pode atrapalhar na governança pois a Vale ainda tem um grupo de acionistas de referência, que antes compunham o grupo de controle. Com a adoção do voto negativo, eles podem exercer sua força e vetar a eleição de um membro que não lhes agrade.

 

 

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