Notas comerciais ganham arcabouço regulatório próprio

Novidade proporciona mais agilidade e segurança para esses títulos

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Usadas pelas empresas para captação de recursos de curto prazo, as notas comerciais ganharam arcabouço regulatório próprio, com a publicação da Lei 14.195 no último dia 27 de agosto. Isso significa que esses títulos não estão mais submetidos às mesmas normas aplicáveis às notas promissórias. Essa situação gerava desvantagens, como, por exemplo, a necessidade de as notas comerciais serem físicas (chamadas de cartulares) — o que implicava riscos de perda ou destruição. Com a lei, veio a simplificação: agora, a emissão das notas comerciais deverá acontecer exclusivamente sob a forma escritural (com registro eletrônico), por meio do serviço de instituições autorizadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM)

Paula Chaves, sócia do Coimbra & Chaves Advogados, considera que a nova lei deve aumentar a atratividade do título, contribuir para um cenário de maior interesse dos investidores e expandir as opções de financiamento não bancário para as empresas, facilitando e reduzindo o custo de acesso ao crédito.

Para a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), que participou das discussões sobre o assunto por meio da Iniciativa Mercado de Capitais do Ministério da Economia, a mudança “proporcionará redução de tempo, custo e riscos às operações”.

Outra mudança trazida pela nova lei é a necessidade de o conselho de administração dar seu aval para emissão desse título de crédito. Antes, essa exigência não existia, mas muitos consideravam que ela era necessária. A amortização e o pagamento intermediário de juros, antes proibidos, agora também passam a ser autorizados. 

De acordo com a Anbima, desde o início deste ano até julho, as emissões de notas comerciais somaram 8,8 bilhões de reais. Em 2020, esse montante atingiu 21,8 bilhões de reais e, em 2019, 36,6 bilhões de reais. Todas as operações ocorreram por meio da Instrução 476 da CVM, com esforços restritos de distribuição.

Abaixo, Chaves explica o que mudou com a nova lei e fala sobre um anacronismo dos títulos de crédito no Brasil: a cartularidade (emissão em papel).


O que é a nota comercial e quais empresas podem emiti-la?

Paula Chaves: A nota comercial é um título de crédito e representa uma promessa de pagamento em dinheiro pelo seu emissor, podendo ser emitida por sociedades anônimas, limitadas ou cooperativas. Esse instrumento de dívida pode ser emitido com ou sem garantias (reais ou fidejussórias), devendo indicar o prazo (nas distribuições públicas, a Comissão de Valores Mobiliários estipula prazos máximos), o local de pagamento, a taxa de juros remuneratórios (admitindo-se a capitalização de juros), a realização de amortizações periódicas ou não.

Em suma, consiste em um instrumento privado de dívida (com características semelhantes às debêntures) emitido pelas empresas que pretendam captar recursos junto a investidores, sem direito pelo investidor à conversão do título em ações da empresa emissora, dentre outras características.


Quais foram as alterações trazidas pela nova lei para as notas comerciais?

Paula Chaves: Dentre as principais alterações da Lei 14.195/2021, destaca-se a confirmação legal da possibilidade de emissão das notas comerciais pelas sociedades limitadas e cooperativas (algo que o mercado já defendia e aplicava, que já era aceito e regulado pela CVM, mas que ainda não era protegido por uma legislação específica). 

Outros pontos importantes foram a determinação da forma escritural por meio de escrituração eletrônica do título (eliminando a necessidade de emissão física), a atribuição da competência originária de sua emissão aos órgãos de administração das empresas, bem como a possibilidade expressa de estipulação de juros compostos como taxa remuneratória dos titulares da nota comercial. 

Por fim, é interessante destacar que, nas sociedades limitadas que promovam ofertas privadas das notas comerciais, os títulos poderão, como exceção à regra geral, conter regra de conversão da participação em quotas da sociedade limitada.


Na sua opinião, qual deve ser o impacto das alterações sobre as captações das empresas e sobre o mercado de capitais?

Paula Chaves: A nota comercial é um instrumento já conhecido pelo investidor brasileiro, sendo utilizado pelas empresas para captação de recursos em mercado como forma suplementar e alternativa ao financiamento bancário tradicional. As alterações da Lei 14.195/2021 vieram para trazer maior agilidade, modernidade e segurança jurídica a esse instrumento de dívida já conhecido e utilizado no mercado. 

Desvantagens como a inexistência de regulamentação robusta sobre o tema (o que gera insegurança ao investidor) e a falta de procedimentos regulatórios e controles bem estabelecidos para emissões privadas de notas comerciais parecem ter sido enfrentadas pela nova lei.

Assim, o principal impacto que pode vir a ser gerado é a maior atratividade do título, contribuindo para um cenário de maior interesse dos investidores por essa modalidade de investimento e, consequentemente, expandindo as opções de financiamento não bancário para as empresas, facilitando e reduzindo o custo de acesso ao crédito.


No nosso mercado, ainda é comum a existência de títulos que ainda têm emissão física (como eram as notas comerciais antes da nova lei)? 

Paula Chaves: Sim. Um dos princípios balizadores dos títulos de crédito na legislação brasileira é o da cartularidade do título. Ou seja, ele deve(ria) ser formalizado e materializado no papel (conhecido com cártula).  Essa emissão física de títulos é um anacronismo da legislação nacional, que não foi devidamente atualizada à realidade eletrônica e digital que já vivenciamos. 

As notas comerciais (que são títulos de crédito), quando emitidas em ofertas públicas, já eram aceitas em formato escritural eletrônico (em decorrência da legislação aplicável aos valores mobiliários e aplicável às notas comerciais), mas, em geral, as emissões particulares ocorrem por emissão física do título.

Não há dúvidas que a emissão eletrônica dos títulos oferece maior facilidade nas negociações e circulação do crédito. Precisamos não apenas que as legislações aplicáveis aos títulos de crédito em geral sejam revisadas e atualizadas à realidade, mas também que sejam ofertadas ao mercado soluções financeiramente mais acessíveis para a emissão escritural e eletrônica dos títulos.


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2 Comentários
  1. […] As notas comerciais, títulos de crédito já antigos, ganharam um novo status em 2021, após a edição da Lei do Ambiente de Negócios (de número 14.195). A primeira emissão desses papéis sob o novo arcabouço ocorreu em novembro passado e, já em fevereiro deste ano, as ofertas respondiam por 18,5% das captações de renda fixa. Elas ficaram atrás apenas das tradicionais debêntures, que representaram 60,4% das emissões no mês, segundo informações da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). […]

  2. […] a edição da Lei 14.195/21, a emissão desse tipo de papel vem aumentando. A lei extinguiu as notas cartulares (em papel) e aumentou a atratividade do título. Neste ano, até o fim de julho, as emissões do […]

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