Julgamento do STF sobre crimes tributários gera apreensão

Ação ajuizada pela PGR argumenta que regra atual dificulta atribuições do Ministério Público

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No próximo dia 10, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar uma questão com potencial para afetar todas as empresas e seus dirigentes: o Ministério Público (MP) precisa aguardar o término dos processos tributários na esfera administrativa para oferecer denúncia?

Atualmente, essa espera é necessária, uma que o MP pode pedir a abertura de inquérito e oferecimento de denúncia por ilícitos tributários apenas após a conclusão do processo administrativo pela Receita Federal. Para tanto, ele aguarda o recebimento de representações fiscais para fins penais (RFFP), que são uma espécie de comunicação produzida pelos auditores fiscais relatando suspeitas de crimes. 

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.980, a Procuradoria-Geral da República (PGR) argumenta que esse trâmite prejudica as atribuições do MP — afirmação que, na visão de alguns especialistas, é uma falácia. “Esse procedimento em nada dificulta a responsabilização criminal, ainda que o processo administrativo demore tempo razoável para solução”, afirmam os advogados Paulo Coimbra e José Henrique Guaracy, sócios do Coimbra, Chaves & Batista Advogados.

Eles consideram que os crimes tributários têm sido adotados como meio de coagir os contribuintes a fazerem o pagamento de tributos, desconsiderando-se que o direito penal somente pode atuar quando todas as outras medidas foram inócuas. Abaixo, Coimbra e Guaracy explicam os tipos de crimes tributários mais comuns e analisam o argumento da PGR.


Quais são os crimes tributários e previdenciários mais comuns e suas respectivas penas? Atualmente, como os processos na esfera administrativa são encaminhados para a esfera criminal? 

Paulo Coimbra e José Henrique Guaracy: Atualmente, as representações fiscais para fins penais (RFFP) são encaminhadas ao Ministério Público após proferida a decisão final no âmbito administrativo. O Superior Tribunal Federal (STF) e o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) já se manifestaram a respeito do tema, seguindo a mesma linha do decidido pela Corte Suprema no julgamento do HC 81.611-8, entendendo pela necessidade de se esgotar a via administrativa fiscal antes de se manejar a denúncia pelos crimes materiais contra a ordem tributária, sob pena de trancamento da ação penal. 

A esse propósito, inclusive, foi editada a Súmula Vinculante 24, que tem o seguinte teor: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no artigo 1º, inciso I a IV da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.

Esse procedimento em nada dificulta a responsabilização criminal, ainda que o processo administrativo demore tempo razoável para solução, uma vez que “a fluência do prazo prescricional somente tem início com o encerramento do procedimento administrativo-fiscal e o lançamento definitivo, nos termos do artigo 111, I, do CP (Código Penal), que condiciona o termo inicial da prescrição à consumação do delito”, conforme decidido pelo STJ no agravo interno no recurso especial (REsp) 1.701.733/PB.

A questão importa, basicamente, à punição pela prática dos crimes contra a ordem tributária, que estão previstos nos artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90, e possuem naturezas distintas: o primeiro aborda os crimes materiais, ou de resultado, cuja consumação se dá quando, por meio das condutas descritas nos incisos, o agente efetivamente suprime ou reduz tributo ou contribuição ou qualquer acessório. 

Os casos mais comuns são omitir ou prestar informação falsa à autoridade fazendária, fraudar a fiscalização tributária, falsificar ou alterar notas fiscais, fatura, duplicata ou qualquer outro documento relativo a uma operação tributável; elaborar, distribuir, emitir ou utilizar documento que saiba ser falso; negar ou deixar de fornecer nota fiscal ou documento equivalente, relativo a uma venda realizada ou a um serviço prestado, quando tal for obrigatório, ou fornecer tais documentos em desacordo com a lei. 

Para a caracterização de crime, em tais casos, é essencial a ocorrência do resultado previsto no tipo: a redução ou supressão do tributo.

Já o artigo segundo cuida do chamado crime formal, ou seja, o tipo prevê a conduta e o resultado naturalístico, mas a consumação se configura quando o agente pratica a referida conduta descrita no tipo, com a intenção nele apontada, sem que haja a necessidade da ocorrência de resultado. Os casos corriqueiros são fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos para eximir-se do pagamento de tributos; deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou contribuição social descontado ou cobrado, quando for o sujeito passivo da obrigação; exigir, pagar ou receber para si ou para contribuinte beneficiário, percentagem sobre parcela dedutível ou deduzida do imposto ou de contribuição como incentivo fiscal; deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas do imposto liberada por entidade de desenvolvimento; utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que possibilite ao contribuinte deter informação contábil diversa da que é fornecida ao fisco.  


A PGR argumenta que a regra atual dificulta a responsabilização criminal. Há fundamentos nesse argumento? A lentidão para a conclusão dos processos administrativos justificaria a antecipação do início dos processos penais? 

Paulo Coimbra e José Henrique Guaracy: O STF julgará a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.980, sob relatoria do ministro Nunes Marques, na qual se discute a constitucionalidade do artigo 83 da Lei 9.430/96, com redação dada pela Lei 12.350/10, que trata da representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária. 

O Procurador-Geral da República (PGR), autor da ação, entende que o dispositivo legal em debate, ao condicionar a remessa da RFFP ao Ministério Público (MP) apenas após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente, prejudica as atribuições do MP, pois criaria condição de procedibilidade para a instauração da ação penal pública

Essa afirmação do PGR, em nosso sentir, não merece prosperar, na medida em que o órgão de acusação não está adstrito às informações contidas em RFFP para exercer livremente suas atribuições, podendo oferecer denúncia independentemente da comunicação, dita “representação tributária”, se, por outros meios, tem conhecimento do lançamento definitivo, como decidiu o STF nos autos da ADI 1.571, relatada pelo ministro Gilmar Mendes, julgada improcedente em 10/103. 


É possível conciliar a segurança jurídica e o direito à defesa dos contribuintes com o desestímulo aos crimes previdenciários e tributários? De que forma? 

Paulo Coimbra e José Henrique Guaracy: Em suma, o STF examinará a constitucionalidade do dispositivo tanto no que diz respeito aos crimes formais quanto aos materiais. 

Deve ser apontado que o processo penal tem sido utilizado como meio coercitivo inconstitucional para pagamento de tributos, em violação a garantias fundamentais.

As RFFP são produzidas por auditores fiscais geralmente sem qualquer especialização na área criminal, lastreados em indícios e presunções não fundadas em lei. Os interessados não são ouvidos e, ao fim e ao cabo, tais documentos, muitas vezes chancelados pelo MP sem maior análise ou acurácia, sequer revelam o elemento essencial do tipo penal tributário, qual seja, o dolo, o que evitaria a instauração de inquéritos e oferecimento de denúncias descabidas, à revelia do verdadeiro papel institucional do MPF, que deveria agir para impedir iniciativas para desenlace de inquéritos e ações penais relativas a condutas desgarradas de correta subsunção aos tipos penais.

O tema é relevantíssimo, afeta as empresas, seus dirigentes e terceiros, e tem inegável repercussão na atividade negocial. 

Infelizmente, como uma solução simplista e simplória, no Brasil a política criminal acaba por pretender substituir políticas públicas. No lugar de se buscar leis tributárias mais justas e uma postura mais transparente e leal dos órgãos fiscalizatórios, e um contexto de maior segurança jurídica, tipifica-se penalmente o ilícito fiscal, como se isso fosse resolver, com uma varinha mágica, os graves problemas que permeiam a altíssima beligerância entre Fisco e contribuintes.

Nesse contexto, os crimes tributários têm sido adotados como meio de coação ao pagamento de tributos, desconsiderando-se que o direito penal somente pode atuar como ultima ratio; última forma de coação e repressão, apenas quando inócuas todas as demais medidas; jamais como a primeira ou única.


O que se pode esperar do julgamento do STF a respeito da questão?

Paulo Coimbra e José Henrique Guaracy: Esperamos que o STF, no exame da matéria, mantenha coerência com as decisões que anteriormente proferiu sobre o mesmo tema e rejeite a ação direta ajuizada pelo PGR.

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