“Refis da covid” pode aliviar empresas, mas não escapa de críticas

Embora represente folga de caixa a curto prazo, PL 2.735/20 corre o risco de perpetuar a cultura dos refinanciamentos

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Em maio foi apresentado na Câmara dos Deputados o projeto de lei (PL) 2.735/20, de autoria do deputado Ricardo Guidi (PSC-SC), que institui um conjunto de regras para parcelamento de tributos federais já informalmente batizado de “refis da covid”. O texto prevê, para as pessoas físicas, a possibilidade de pagamentos em até 120 prestações; para as empresas, estabelece um limite atrelado a um porcentual do faturamento. Há, ainda, redução substantiva de juros e multas e permissão para que o contribuinte ofereça imóveis como parte do pagamento.

A intenção do projeto é desafogar as disponibilidades e o caixa de pessoas físicas e jurídicas que se viram em dificuldades financeiras por conta das paralisações decorrentes da repentina necessidade de distanciamento social. “A ausência ou a diminuição abrupta de faturamento em diversos setores, somada à cultura de ausência de geração de caixa para enfrentamento de crises, tem condições de levar diversas empresas à falência”, comenta Vitor Massoli, sócio do Nankran & Mourão Sociedade de Advogados.

“Como a proposta contempla todas as dívidas geradas durante a pandemia e anteriormente, incluindo os parcelamentos especiais, há um potencial benefício de regularidade generalizada para as empresas”, avalia Alexandre Tadeu Navarro, sócio da Navarro Advogados. O problema, destaca o advogado, é que a instituição de mais um programa de parcelamento pode reforçar uma cultura que leva os empresários a sempre contar com novos “refis”. Subsequentes parcelamentos especiais podem ter efeito viciante para o sistema, alerta.

A seguir, Massoli e Navarro tratam de mais detalhes do PL 2.735/20, que ainda aguarda votação em plenário.


Apresentado em maio à Câmara dos Deputados, o projeto de lei (PL) 2.735/20 institui um programa extraordinário de regularização de tributos federais, numa tentativa de amenizar os prejuízos econômicos decorrentes da pandemia de covid-19. Como funciona esse programa?

O PL 2.735/20 envolve o que se tem denominado “refis da covid”. Basicamente, possibilita às pessoas físicas e jurídicas o pagamento parcelado de débitos tributários. Os interessados poderão aderir ao programa em até 90 dias, contados a partir do fim do estado de calamidade. As pessoas físicas poderão dividir os pagamentos em até 120 parcelas e contarão, ainda, com a possibilidade de redução de 90% das multas de mora e de ofício, das isoladas, dos juros de mora e do valor de encargo legal. Para as pessoas jurídicas, por outro lado, não há fixação de quantidade de parcelas, já que a indexação do valor da parcela está atrelada ao porcentual do faturamento das sociedades, variando de acordo com o regime de tributação adotado pela empresa.

O programa segue o padrão dos diversos planos anteriores, oferecendo redução de 90% de juros e multas e o parcelamento dos valores consolidados, mas tem alguns componentes novos — entre eles, a possibilidade de dação em pagamento de imóveis (até 30% da dívida consolidada) e a compensação de créditos. O pagamento para empresas pode ser eterno, uma vez que será baseado em porcentual da receita bruta (variando de 0,3% a 1%, conforme o caso), sem um número máximo de prestações.


Quais os principais benefícios que esse programa pode gerar para as empresas economicamente afetadas pelo novo coronavírus?

A possibilidade de parcelamento de débitos tributários proporciona aos empresários um importante fôlego para enfrentamento da pandemia. A ausência ou a diminuição abrupta de faturamento em diversos setores, somada à cultura de ausência de geração de caixa para enfrentamento de crises, tem condições de levar diversas empresas à falência. Por isso, a lógica é justamente evitar que isso ocorra, mantendo a atividade empresarial, os empregos e a circulação de riquezas.

Como a proposta contempla todas as dívidas geradas durante a pandemia e anteriormente — inclusive os parcelamentos especiais —, há um potencial benefício de regularidade generalizada para as empresas. O histórico, porém, mostra que isso não se converte em realidade: a maciça maioria das empresas volta a ficar em situação irregular com muita rapidez. Embora desta vez haja um efetivo quadro de necessidade, o fato é que esses subsequentes parcelamentos especiais têm efeito viciante para o sistema e somente mascara sua brutal disfuncionalidade.


O “refis da pandemia” divide opiniões e causa certo receio por parte de especialistas, entidades e políticos, principalmente pelos moldes do PL 2.735/20, que estende os benefícios a todas as empresas, incluídas as não afetadas pela pandemia. Quais são as principais preocupações?

Uma preocupação importante é a banalização do pagamento pontual dos tributos, tendo em vista os benefícios gerados pelo parcelamento — que, de fato, apresentam cenários muito favoráveis de quitação para os inadimplentes. Além disso, o PL não faz restrição em relação àqueles que poderão usufruir do benefício, corroborando com esse discurso.

Há diversos conceitos sem o devido esclarecimento no projeto. Um deles é a possibilidade de dação em pagamento de imóveis, que poderá gerar um imenso contencioso para sua discussão ou abrir brecha para fraudes. Outro ponto muito mal formulado é a regra de correção pela Selic, que é incongruente com a lógica de pagamento em porcentual da receita bruta. Mas a principal preocupação é o efeito de desalento para o pagamento regular, uma vez que a periódica recorrência de parcelamentos especiais gera a expectativa de um novo logo à frente, o que desestimula a manutenção de adimplência.


Parlamentares defendem que o assunto deveria ser tratado no âmbito da reforma tributária. Por quê? Quais as vantagens desse caminho?

O tratamento em conjunto com a reforma tributária uniformizaria a discussão dos débitos tributários em um contexto mais amplo, justamente por conta da modificação sistêmica das propostas de reforma.

A sistemática de parcelamento especial ultra-abrangente, como está nessa proposta, não gera qualquer benefício efetivo para melhoria do sistema. Ao contrário: é um vício sem propósito consistente, que cria ainda mais disfuncionalidades e acirra a assimetria tributária entre os diversos setores. Assim, abrir uma nova oportunidade de apenas regularizar o passado é verdadeiramente inútil em termos de criação de perspectivas mais positivas para incentivar o investimento.

A reorganização do sistema tributário é urgente e só com ela ó Brasil poderá ter um panorama que efetivamente estimule a manutenção da atividade econômica e seu incremento. O debate, portanto, deveria ser englobado num só movimento, ajustando o sistema — e, daí sim, criando-se um pacote de regularização para limpar o passado com a perspectiva de se ter um panorama futuro menos distópico.


Na sua opinião, o “refis da pandemia” é positivo? Por quê?

Sim, por uma decorrência lógica natural, de possibilitar às empresas arcar com diversos compromissos de natureza privada, especialmente trabalhistas e contratuais. Por outro lado, é importante ressaltar a plausível crítica feita em razão de eventual banalização do instituto, já que não são todas as atividades que sofreram queda no faturamento capaz de atrair os benefícios apresentados pelo PL.

Não. A discussão concentrada apenas nesse tema demonstra a incompetência e a falta de coragem para se enfrentar e resolver os reais problemas do sistema tributário brasileiro. O efeito é equivalente ao de uma pedra de crack: sem tratamento o viciado só se sentirá melhor com uma seguinte.

 

4 Comentários
  1. Paulo Diz

    este advogado de nada entende em empreender. nao é cultura de nao pagamento de debitos. é o pais que esta num buraco sem precedentes desde a epoca da dilma, o empresario vende o almoço pra comprar a janta. nenhum empresario fica devendo porque quer, mas sim porque a situaçao economica do pais o colocou assim. é urgente um refis dos tributos federais, conheço empresarios que nao conseguem se reerguer porque estao com dividas com a uniao, nao conseguem trabalhar, estao engessados. todo respiro é bem vindo. e o nosso congresso e o prsidente tem feito o papel dele de propor refis, tantos quanto forem necessarios. ou a galinha de ovos de ouro (os tributos das empresas) vai acabar junto com a maioria das empresas. nao haverá Estado. Quiça um país.

  2. Emerson Diz

    Este refis (pl. 2735/20) trará ao Brasil arrecadação a curto prazo. Os juros e multas tornam as dívidas com o governo impagáveis . Desestimulam o investimento. Todos queremos pagar e a redução de juros e multas ajudará milhares de devedores. Nos que empreendemos sabemos da dificuldade. Críticos normalmente são encostados mamando nas tetas dos impostos com seus benefícios e salários . Muitos não são sequer reincidentes

  3. Ricardo Romera Diz

    A preocupação do governo em conceder mais um REFIS é válida sim, mas diante da situação calamitosa que vivemos na atualiadade é extremamente nescessário. As transações que o governo está disponibilizando não alcança todas as empresas, principalmente em relação à débitos que não estão inscritos na dívida ativa da união. Muitas empresas que querem manter suas situações em dia não conseguem justamente porque o governo, através das transações, quer limitar quem pode e quem não pode parcelar débitos de forma especial. Trocando em miúdos, muitos bons pagadores são prejudicados por causa dos maus pagadores e ao meu ver o governo não pode “penalizar” empresas idôneas em razão disso. Pelo contrário: o cenário atual demanda um Refis nesses moldes. Que seja o último Refis, excepcional, por causa da pandemia. Os maus pagadores irão se aproveitar? Sim, com toda certeza! No entanto, deixar de estender a mão às boas empresas, sufocando-as, pode ser o caminho para a extinção delas e nesse caso sobreviverão somente os maus pagadores.

  4. Wagner de Almeida Posso Diz

    Outro REFIS? SIM. Não apenas necessário, mas urgente. Vez que as propostas dos REFIS anteriores com parcelas determinadas não lograram êxito, antes, afetaram mais a capacidade contributiva dos contribuintes. Estipular prazo de parcelas é inviável e injusto. O prazo é mínimo frente a retração da economia, frente as exigências e limitações aplicadas pelas autoridades estaduais e municipais, concernente a “fique em casa”, “a economia vemos depois”, mas exigindo distanciamento social, demissões naturais, suspensões de contratos de trabalhos e redução de jornada e salário, ainda impondo multas pelos não cumprimentos. Definindo um percentual do faturamento, fica balanceado e justo para o pagamento e arrecadação. O Estado ganha incremento na arrecadação e minimiza seu contencioso judicial caríssimo e letárgico, e o contribuinte fôlego para atravessar mais uma crise em um País com uma das maiores cargas tributárias do mundo.

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