As mudanças na Lei das S.As. promovidas pelo marco legal das startups
A Lei Complementar nº 182/2021 (LC nº 182/2021), também conhecida como marco legal das startups e do empreendedorismo inovador, foi publicada no dia 1º de junho de 2021 com intuito de incentivar e regulamentar a criação de startups e de empreendimentos inovadores no País. As novas regras e alterações estabelecidas pela LC nº 182/21 e aqui discutidas entrarão em vigor a partir de 31 de agosto de 2021.
Além do importante papel relacionado ao marco legal das startups, a LC nº 182/2021 envolve relevantes alterações na Lei das S.As. (Lei 6.404/76), as quais serão o foco deste artigo.
A primeira mudança a ser aqui destacada ocorreu no artigo 143 da Lei das S.As., que anteriormente previa a obrigatoriedade de que as sociedades anônimas tivessem pelo menos dois diretores, o qual foi alterado para permitir a existência de apenas um diretor. A referida modificação é positiva, especialmente para sociedades de menor porte, pois simplifica e desburocratiza a constituição e a administração das sociedades anônimas e reduz os seus custos operacionais.
Por outro lado, no que diz respeito a sociedades anônimas de maior porte, apesar da possibilidade de manutenção de apenas um diretor, é recomendável a criação de estruturas de governança corporativa que garantam a existência de controles internos e a observância de normas de compliance.
Redução de custos
O artigo 294 da Lei das S.As. foi o que mais sofreu alterações com a promulgação da LC nº 182/2021. Anteriormente, esse artigo determinava que as companhias fechadas com menos de 20 acionistas e com patrimônio líquido de até 10 milhões de reais estavam dispensadas de fazer as publicações obrigatórias em jornais oficiais e de grande circulação. Vale dizer que o referido artigo já havia sido flexibilizado pela Lei 13.818/2019, com a intenção de simplificar e reduzir custos para sociedades de menor porte.
Entretanto, a LC nº 182/2021 estendeu ainda mais a flexibilização das regras de publicação, de modo que, após sua entrada em vigor, todas as companhias fechadas com receita bruta anual de até 78 milhões de reais poderão fazer as publicações ordenadas pela legislação de forma eletrônica. Ou seja, apenas as companhias com patrimônio líquido superior a esse montante deverão realizar as publicações em diário oficial e jornal de grande circulação.
Partindo da mesma premissa de publicação eletrônica, a LC nº 182/2021 criou o inciso III no artigo 294, prevendo a possibilidade da companhia fechada que possuir a receita bruta anual mencionada no caput (78 milhões de reais) substituir os livros societários por registros mecanizados ou eletrônicos.
Essas modificações relacionadas às regras de publicação e de manutenção de livros societários contribuem com a simplificação e a redução dos custos de manutenção de sociedades anônimas.
Distribuição de dividendos
Quanto à distribuição de dividendos, nas companhias fechadas que tenham receita bruta anual de até 78 milhões de reais houve a flexibilização das regras relativas à destinação do resultado. Em caso de omissão do estatuto social dessas companhias, a assembleia geral poderá livremente estabelecer a forma de distribuição de dividendos, não sendo aplicável o dividendo obrigatório de 50% do lucro após a formação da reserva legal e de contingências (artigo 202 da Lei das S.As.). A regra prevê apenas que deverá ser resguardado o direito dos acionistas preferenciais de receberem os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade.
Apesar de incorporar o mesmo objetivo das demais alterações, no sentido de descomplicar e flexibilizar a regulação aplicável às companhias de menor porte, a flexibilização das regras de distribuição de dividendos, tal como feita pela LC nº 182/2021, pode ser extremamente danosa a acionistas minoritários.
Anteriormente à LC nº 182/2021, qualquer companhia cujo estatuto fosse omisso quanto à obrigação de pagamento de um dividendo mínimo obrigatório teria de pagar aos seus acionistas pelo menos 50% dos lucros após a constituição da reserva legal e de contingências. Essa regra visa proteger acionistas minoritários de eventuais retenções prolongadas e injustificadas dos resultados pelos controladores. No novo cenário, os acionistas controladores das companhias fechadas com até 78 milhões de reais de receita bruta anual terão um fundamento jurídico forte para reter a integralidade dos lucros sem distribuir um dividendo obrigatório aos acionistas — ainda que essa regra seja incompatível com o art. 202, § 6º da Lei das S.As., sua existência por si só já gerará um incentivo para que tais situações ocorram.
Acesso ao mercado de capitais
Houve também a inclusão do artigo 294-A na Lei das S.As., conferindo competência à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para facilitar o acesso de companhias de menor porte ao mercado de capitais. Para fins da lei, são tratadas como companhias de menor porte aquelas que aufiram receita bruta anual inferior a 500 milhões de reais.
Para essas companhias, a CVM poderá dispensar ou flexibilizar as seguintes exigências: obrigatoriedade de instalação de conselho fiscal a pedido de acionistas; obrigatoriedade de intermediação de instituição financeira em distribuições públicas de valores mobiliários; obrigatoriedade de pagamento do dividendo mínimo, bem como de mitigação das consequências legais da ausência de seu pagamento; forma de realização das publicações previstas na Lei das S.As.
Ademais, o recém criado artigo 294-B da Lei das S.As. prevê a possibilidade de estabelecimento de procedimentos simplificados para que companhias de menor porte possam acessar com mais facilidade o mercado de capitais, incluindo a simplificação da obtenção de registro de emissor, distribuições públicas de valores mobiliários de sua emissão e elaboração e prestação de informações periódicas e eventuais.
Considerando que várias empresas têm optado por abrir capital ou captar recursos no exterior (especialmente na bolsa americana Nasdaq), muito em função da complexidade e altos custos envolvidos em emissões no Brasil, a simplificação das normas aplicáveis a companhias de menor porte pode ser um mecanismo muito importante para refrear a internacionalização desses processos.
Por fim, a despeito das críticas pontuais, os impactos do marco legal das startups e do empreendedorismo inovador na Lei das S.As. são favoráveis, com a concessão de um tratamento diferenciado a empresas de capital fechado e empresas de menor porte, criando mecanismos facilitadores de acesso a investimentos, com redução de custos e simplificação de regras e formalidades.
Colaboraram Leon Spranger e Rodolfo Pereira Prates, associados do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados
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