Detalhamento de remuneração de administradores é desafio

Apesar de haver mecanismos de avaliação dos investidores, nem sempre se presta a devida atenção ao assunto

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O recente escândalo de governança corporativa da Americanas fez emergir uma questão que sempre volta à tona quando algo dá errado: os mecanismos de incentivos e a remuneração dos administradores de companhias abertas. Fabio Coelho, presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), recentemente chamou a atenção, em matéria no Valor Econômico, para o fato de que a remuneração dos executivos e conselheiros de administração não costumam receber a devida atenção dos investidores durante as Assembleias Gerais Ordinárias (AGOs).

Outro ponto que ele considera que ainda é fraco no Brasil é a divulgação das métricas de remuneração, que é opaca e não leva em consideração aspectos sociais, ambientais e de governança.

As advogadas Érika Aguiar Carvalho Fleck e Gabriela Saad Krieck, sócias do Carneiro de Oliveira Advogados, explicam que o valor proposto para a remuneração dos administradores e a descrição dos elementos que compõem esse valor devem constar da proposta da administração para as assembleias gerais. Com relação aos aspectos ESG, elas lembram que o ofício circular publicado em fevereiro pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) dispôs sobre a divulgação de indicadores de desempenho para determinar a remuneração atrelada a questões ESG e e divulgação de informações relativas a planos de remuneração baseados ou atrelados a ações, seja por meio de planos de opções (tradicionais ou fantasmas) ou planos de ações restritas (tradicionais ou fantasmas).

Para Fleck e Krieck, já se avançou bastante quanto ao nível de requerimento de informações sobre remuneração para as deliberações em assembleias gerais. Até 2009, não havia exigência de nenhuma divulgação prévia do valor proposto para a remuneração. Depois, a apresentação de informações detalhadas sobre a proposta de remuneração com antecedência da assembleia tornou-se obrigatória. “  Não obstante, na prática, especialmente nos subitens em que as companhias devem explicar e detalhar as políticas e práticas de remuneração da administração, muitas vezes são apresentadas redações genéricas ou muito semelhantes entre as companhias”, consideram as advogadas.

Elas observam ainda que há uma tendência mundial de foco na remuneração dos administradores. A Securties and Exchange Commission (SEC), por exemplo, agora exige a divulgação da relação entre valores efetivamente pagos a executivos versus performance financeira das companhias (pay vs performance rule), e também a devolução, pelos executivos, de bônus que tenham sido baseados em dados financeiros que se mostrem posteriormente incorretos (clawback).

Na entrevista abaixo, Krieck e Fleck abordam as exigências legais relativas à transparência sobre a remuneração dos administradores.


– Quais são as obrigações das companhias abertas com relação à prestação de informações sobre a remuneração dos administradores? 

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Gabriela Saad Krieck: Nos termos do artigo 152 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei das S.A.), compete aos acionistas fixar, em assembleia geral, o montante global ou individual da remuneração dos administradores, que inclui benefícios de qualquer natureza e verbas de representação, devendo levar em consideração as responsabilidades dos administradores, o tempo dedicado às suas funções, sua competência e reputação profissional e o valor dos seus serviços no mercado.

Nesse sentido, nos termos da Resolução da CVM nº 81/2022, aplicável para companhias abertas registradas na categoria A, que possuam valores mobiliários admitidos à negociação em bolsa e que possuam ações ou certificados de depósito de ações em circulação, sempre que uma assembleia geral for convocada para fixar a remuneração dos administradores, a respectiva proposta da administração deve conter o valor proposto para a remuneração dos administradores, bem como informações sobre a remuneração proposta, com descrição dos elementos que compõem tal valor, nos termos do item 8 do formulário de referência (conforme redação trazida pela Resolução da CVM nº 59/2021).


– Recentemente, a CVM divulgou um ofício circular para orientar as companhias abertas para o preenchimento dessas informações no Formulário Referência. Quais são essas orientações?

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Gabriela Saad Krieck: Anualmente, a Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da CVM divulga um ofício circular que contém orientações gerais sobre procedimentos a serem observados pelas companhias abertas, inclusive com relação ao preenchimento do formulário de referência. A grande novidade do ofício divulgado em fevereiro deste ano foi a orientação com relação ao preenchimento do formulário de referência em sua nova estrutura, bastante aguardado pelas companhias e pelo mercado.

Especificamente com relação ao item 8 do formulário de referência, as orientações para os itens que já existiam na estrutura anterior se mantiveram as mesmas, passando o ofício a apresentar orientações para os itens novos, notadamente relativos à divulgação de indicadores de desempenho para determinação dos elementos da remuneração ligados a questões ESG; e divulgação de informações relativas a planos de remuneração baseados ou atrelados a ações, seja por meio de planos de opções (tradicionais ou fantasmas) ou planos de ações restritas (tradicionais ou fantasmas).

Vale ressaltar que as respostas das questões ESG ligadas à remuneração, mencionadas acima, não precisam seguir o modelo “pratique ou explique”, embora haja espaço para as companhias descreverem eventuais projetos ou iniciativas para inclusão de tais indicadores ou explicar a razão pela qual entendem que dentro do ramo de atuação da companhia ou dentro da política existente não cabe a inclusão de tais indicadores, por exemplo, por uma questão de transparência.


– Na prática, as companhias vêm prestando as informações relevantes para a análise dos investidores? 

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Gabriela Saad Krieck: Nos últimos anos houve um grande avanço no nível de requerimento de informações sobre remuneração para as deliberações em assembleias gerais. Partimos de um arcabouço regulatório que não exigia nenhuma divulgação prévia do valor proposto para a remuneração (vigente até 2009) para a obrigatoriedade de apresentação de informações detalhadas sobre a proposta de remuneração com antecedência da assembleia.

Não obstante, na prática, especialmente nos subitens em que as companhias devem explicar e detalhar as políticas e práticas de remuneração da administração, muitas vezes são apresentadas redações genéricas ou muito semelhantes entre as companhias. Esta prática também é observada no preenchimento de outros itens do formulário de referência e do informe sobre o Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas.


– O presidente da Amec, Fábio Coelho, considera que a remuneração dos administradores é um tema pouco abordado nas Assembleias Gerais Ordinárias (AGOs) e que a divulgação das métricas de remuneração dos executivos é opaca. Qual é a sua visão sobre o assunto? Há algo a ser aprimorado?

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Gabriela Saad Krieck: A legislação e regulamentação aplicável às companhias abertas já exige a divulgação prévia de informações relevantes necessárias para a tomada de decisão dos acionistas reunidos em assembleia. A Lei das S.A., inclusive, já apresenta balizadores que devem ser utilizados quando da fundamentação do pacote de remuneração proposto.

Temos observado uma tendência mundial de foco na remuneração dos administradores, em especial com as novas exigências da SEC de divulgação da relação entre valores efetivamente pagos a executivos versus performance financeira das companhias (pay vs performance rule), bem como obrigação de devolução, pelos executivos, de bônus por eles recebidos que tenham sido baseados em dados financeiros que se mostrem posteriormente incorretos (clawback).

Uma maior transparência na apresentação dos critérios que levam as companhias a definir os pacotes de remuneração de administradores deve ser incentivada como forma de evitar abusos e permitir uma melhor compreensão do racional para determinação dos valores envolvidos, levando-se, ainda, em consideração que a atração e retenção de bons profissionais, comprometidos com o desenvolvimento das atividades da companhia também deveria ser de interesse de todos os acionistas.

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