Polêmicas sobre remuneração dos administradores voltam à cena

Valores elevados e baixa transparência descontentam acionistas

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A remuneração dos administradores de companhias abertas é um item que costuma atrair olhares atentos dos investidores nas assembleias e, não raro, gera acaloradas polêmicas. Neste ano, duas companhias receberam duras críticas sobre seus planos de remuneração: a rede de “atacarejo” Assaí e o Nubank. 

No neobanco, as críticas recaíram sobre o elevado valor — de 804 milhões de reais — que a instituição irá destinar a seus oito diretores neste ano. O montante é quase o dobro, por exemplo, do que o Itaú Unibanco paga aos seus 25 diretores. 

Já no Assaí, a remuneração do seu conselho de administração foi aprovada em assembleia geral realizada em maio, sob voto de protesto de fundos da Verde Asset. Além do incômodo com o montante proposto, a gestora e outros investidores reclamaram sobre a falta de transparência e detalhamento da proposta de remuneração, segundo apurou o jornal Valor Econômico

As advogadas Érika Fleck e Marcella Fontana, sócia e associada do Carneiro de Oliveira Advogados, destacam que a transparência sobre os critérios de remuneração de executivos e conselheiros é uma boa prática de governança corporativa e que o salário dos administradores deve ser proporcional às suas atribuições, responsabilidades e demanda de tempo.

De acordo com a Lei das S.As., as companhias podem fixar a remuneração dos administradores de forma global ou individual. Fleck e Fontana explicam que vários estatutos sociais de companhias abertas, como o do Assaí, preveem a fixação global e atribuem ao conselho de administração a competência de alocar esse valor entre o board e a diretoria. “Nesses casos, não há que se falar em obrigatoriedade de votação em separado da remuneração por órgão em assembleia geral”, afirmam. 

Na entrevista abaixo, Fleck e Fontana abordam o que dizem a lei, as normas da CVM e as boas práticas de governança sobre a remuneração dos administradores de companhias abertas.


O que a Lei das S.As. e as normas da CVM dizem a respeito da remuneração dos administradores de companhias abertas? 

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Marcella de Souza e Castro Fontana: O artigo 152 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei das S.As.) determina que o montante global ou individual da remuneração dos administradores deve ser fixado por meio de deliberação em assembleia geral de acionistas, sendo considerado, nesse montante, todas e quaisquer contraprestações atribuídas aos administradores em razão do exercício de seu cargo, como pagamentos e vantagens, diretos ou indiretos, fixos ou variáveis, incluindo eventual outorga de ações ou opções.

Vale ressaltar que o conceito de remuneração aplicado no direito societário para as companhias abertas não é o mesmo adotado pelo direito trabalhista e previdenciário, conforme bem tratado no Processo Administrativo CVM SEI 19957.007457/2018-10. O entendimento do colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é que a remuneração engloba todo o conjunto de benefícios oferecidos direta e indiretamente ao administrador em decorrência de sua atuação, exceto pelos encargos sociais de ônus do empregador, que não estão abrangidos pelo conceito de “benefício de qualquer natureza” de que trata o artigo 152 da Lei das S.As. e, portanto, não integram os montantes de remuneração sujeitos à aprovação pela assembleia geral.

Ainda no âmbito das companhias abertas, a Resolução 81 da CVM, de 29 de março de 2022, estabelece que, sempre que for convocada assembleia geral para fixar a remuneração dos administradores, a companhia deverá fornecer na proposta da administração as informações exigidas pelo item 13 do Formulário de Referência, dentre as quais destacamos a descrição da prática de remuneração fixa e variável adotada pela companhia; os benefícios pós-emprego e os motivados pela cessação do exercício do cargo; e o plano de remuneração baseada em ações, incluindo opções.


Quais são as melhores práticas de governança em relação à remuneração dos administradores de companhias abertas? 

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Marcella de Souza e Castro Fontana: A fixação da remuneração dos administradores de companhias abertas é uma das principais pautas de discussões sobre governança corporativa no mundo. Embora não seja um tema pacificado, na hora de estabelecer o pacote de remuneração dos administradores devem ser adotadas regras de transparência, com a divulgação clara das informações no formulário de referência, de forma a conferir aos acionistas a possibilidade de uma decisão informada e assertiva.

Com o objetivo de propor um conjunto mínimo de princípios de governança corporativa às companhias abertas brasileiras, o Grupo de Trabalho Interagentes, coordenado pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), criou o Código Brasileiro de Governança Corporativa. No que tange às práticas remuneratórias, o código recomenda que a remuneração dos administradores de uma companhia aberta esteja sempre alinhada aos objetivos estratégicos e interesses da companhia a longo prazo.

O documento também recomenda que a remuneração dos membros do conselho de administração seja proporcional às suas atribuições, responsabilidades e demanda de tempo, sem que haja remuneração baseada em participação em reuniões, e que a remuneração variável, se houver, não seja atrelada a resultados de curto prazo para evitar situações de conflito de interesse. 

Com relação à diretoria, o código sugere que a remuneração esteja vinculada a resultados, com metas de médio e longo prazos, e que seja compatível com as funções e os riscos inerentes a cada cargo.


É possível votar em separado a remuneração da diretoria e do conselho de administração? Essa seria uma boa prática?

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Marcella de Souza e Castro Fontana: A Lei das S.As. prevê a possibilidade de fixar a remuneração da administração de forma global ou individual em assembleia geral de acionistas. No entanto, vários estatutos sociais de companhias abertas, como é o caso do Assaí, preveem que compete à assembleia geral a fixação da remuneração global dos administradores e ao conselho de administração a distribuição individual da remuneração do próprio conselho de administração e da diretoria. Nestes casos, não há que se falar em obrigatoriedade de votação em separado da remuneração por órgão em assembleia geral.

A impossibilidade de deliberação em separado da remuneração do conselho de administração e da diretoria foi um dos temas do voto de protesto de alguns acionistas minoritários na assembleia geral ordinária (AGO) do Assaí deste ano. Neste caso, tais minoritários estavam de acordo com a proposta de remuneração para a diretoria e não concordavam com a proposta de remuneração do conselho de administração, a qual, segundo eles, não estava alinhada com o mercado. 

Não obstante, lembramos que é obrigatória a divulgação da remuneração efetivamente reconhecida no resultado no âmbito da atualização anual do formulário de referência das companhias abertas, possibilitando assim aos acionistas o acesso a essas informações para fiscalização e, em caso de abuso, a tomada das providências cabíveis.


Para os acionistas que discordam da remuneração dos administradores, há alternativas além da venda de ações da companhia? Qual é a função dos “votos de protesto” ou manifestação de insatisfação de acionistas durante as assembleias?

Érika Aguiar Carvalho Fleck e Marcella de Souza e Castro Fontana: Atualmente, caso um acionista discorde do montante proposto para remuneração da administração, ele tem duas alternativas: votar contra a matéria posta em deliberação e manifestar sua insatisfação (voto de protesto) ou vender suas ações de emissão da companhia e deixar de integrar seu quadro acionário.

No caso de companhias sem um controlador definido, os votos contrários à remuneração ganham uma importância adicional, pois são decisivos na sua aprovação ou não. 

O chamado voto de protesto pode ocorrer verbalmente em assembleia geral ou de forma escrita, ambos, posteriormente registrados em ata, caso os acionistas presentes na assembleia entendam que a aprovação de determinada matéria fere o seu legítimo interesse ou os interesses da companhia. Vale ressaltar que o voto de protesto pode ser apresentado, inclusive, por acionistas que não tenham direito de voto, uma vez que a Lei das S.As. garante o direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, em seu artigo 109, III, sendo este um direito essencial dos sócios.

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