Decisão do STJ favorece juros sobre capital próprio

Corte permite a dedução dos proventos também quando eles se referirem a anos anteriores

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Empresas que pagam juros sobre capital próprio (JCP) aos seus acionistas obtiveram recentemente uma importante vitória: elas podem deduzir o pagamento desses proventos das bases de cálculo de impostos mesmo quando eles se referirem a anos anteriores (tiverem sido pagos de forma acumulada). Os impostos em questão são o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). O momento pode ser propício para que as empresas avaliem se vale a pena fazer a distribuição acumulada dos JCPs, consideram os advogados Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Advogados, e Michel Siqueira Batista e Caio Persici, associados do Vieira Rezende Advogados.

A decisão foi tomada pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (SJT), que julgou os recursos especiais REsp 1955120 e REsp 1946363. Uma empresa havia sido multada pela Receita Federal porque abateu os JCPs referentes a vários anos da base de cálculo dos impostos – para o Fisco, apenas o valor referente ao ano anterior pode ser deduzido (de acordo com o regime de competência). Ela veda o pagamento retroativo, por meio de uma instrução normativa, a RFB 1.700/17. No entanto, os contribuintes alegaram que a Lei que criou os JCPs (Lei 9.249/95) não colocou obstáculos temporais à dedução dos pagamentos – e que estes não podiam ser criados por uma instrução normativa.

“É uma importante vitória dos contribuintes, sobretudo no que tange à discussão de que o pagamento do JCP de anos anteriores seria uma exceção ao regime de competência”, afirmam Michel Siqueira Batista e Caio Persici, associados do Vieira Rezende Advogados. Eles consideram que ficou claro o entendimento de que a dedução do JCP retroativo é uma reafirmação ao regime de competência, uma vez que os valores deduzidos refletem a deliberação do pagamento e, portanto, o nascimento da obrigação de pagar o JCP.

“O precedente é relevante, pois a última decisão colegiada do tribunal sobre o assunto ocorreu há mais de dez anos (oportunidade em que os ministros se posicionaram favoravelmente à tese)”, afirma Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Advogados. Ele acredita que as decisões trazem um pouco mais de “conforto” aos contribuintes que pretendem implementar essa alternativa, mas que ainda haverá risco de autuação. “Entretanto, com o recente (reforço de) entendimento, pode haver uma alteração também em âmbito administrativo – tal medida contribuiria para evitar o acúmulo de contencioso com relação a um assunto que está cada dia mais pacificado em última instância judicial.”

Nem sempre, no entanto, é vantajoso para as empresas distribuírem JCPs de forma acumulada: cada caso deve ser analisado individualmente. “O que é possível dizer é que, nas empresas que poderiam ter distribuído JCP nos anteriores e não o fizeram, há boas chances de que (o pagamento acumulado) seja um mecanismo interessante”, considera Braichi.

Batista e Persici também acreditam que o momento é bom para os contribuintes que tributam o IRPJ e a CSLL pelo lucro real e remuneram seus acionistas por meio de JCP reavaliem seus procedimentos internos para aproveitamento dessa possibilidade. “No entanto, é importante ressaltar que o julgamento é sobretudo uma reafirmação da liberdade dos contribuintes de deduzir o JCP retroativo, o que nem sempre é benéfico para as empresas.”

Na entrevista abaixo, Braichi, Batista e Persici explicam como a questão surgiu e quando a distribuição de JCPs acumulados pode ser interessante.


– Como se originou a discussão sobre a possibilidade de as empresas abaterem valores referentes a juros sobre capital próprio (JCP) de anos anteriores da base de cálculo do IRPJ e da CSLL?

Thiago Braichi: A discussão mais recente tem origem na impetração de um mandado de segurança pelo contribuinte, com o objetivo de afastar autuação feita pela Receita Federal. Em síntese, o Fisco glosou parte do valor deduzido de JCP sob o fundamento de que o contribuinte teria apropriado valor superior ao limite permitido para o ano-calendário (2006). O fiscal entendeu que o contribuinte não poderia ter deduzido, em 2006, despesas de JCP referentes aos anos de 2001 a 2005.

De outro lado, o contribuinte alegou que a Lei n° 9.249/95 não dispõe sobre nenhuma limitação temporal, devendo ser verificado o efetivo pagamento do JCP para que seja possível a dedução na base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: A controvérsia decorre do fato de que na visão dos contribuintes a legislação tributária (artigo 9º da Lei 9.249/95) não estabeleceu limite temporal para dedução dos JCP. Equivale a dizer que a legislação não impõe que a dedução do JCP deva ser feita no mesmo exercício financeiro em que for realizado o lucro da empresa, sendo assim facultado aos contribuintes realizar a dedução quando ocorrer a realização do pagamento ou creditamento dos valores através de deliberação pela pessoa jurídica, ainda que em ano calendário futuro.

Já na visão do Fisco, formalizada inclusive através de instrução normativa, a dedução só poderia ser efetuada no mesmo ano calendário em que apurado o lucro da empresa, não sendo possível realizar a dedução em períodos futuros.

Nesse julgamento recente, no qual se decidiu em conjunto o REsp 1955120 e REsp 1946363, a empresa recorrida impetrou mandado de segurança insurgindo-se contra lançamento tributário mantido por voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que teve por objeto as despesas de JCP deduzidas no exercício de 2006, mas abrangentes dos exercícios anteriores de 2001 a 2005.

No procedimento fiscalizatório, apurou-se que a empresa efetuou pagamento de aproximadamente 12 milhões de reais, utilizando-se desse valor integral para dedução do lucro real – quando, de acordo com o Fisco, a dedução corresponderia a cerca de 3 milhões de reais, sendo a diferença decorrente do fato de que a autuada realizou em 2006 o pagamento de JCP de anos anteriores, períodos esses em não havia sido feita a deliberação ou lançamento contábil dos JCP.

Assim, no entendimento do Fisco, apesar de o pagamento ter observado os limites legais, a legislação estabelece diferente um teto para dedução, que não teria sido respeitado pelo contribuinte.


– O que o STJ decidiu no julgamento dos recursos da Fazenda Nacional nos REsp 1955120 e REsp 1946363? Como você avalia a decisão?

Thiago Braichi: O STJ decidiu pela possibilidade de pagamento de JCP retroativos, ou seja, que o pagamento acumulado (referente ao ano corrente e dos anos anteriores) pode ser deduzido da base de cálculo de IRPJ e CSLL. O precedente é relevante, pois a última decisão colegiada do tribunal sobre o assunto ocorreu há mais de dez anos (oportunidade em que os ministros se posicionaram favoravelmente à tese).

Além disso, as decisões trazem um pouco mais de “conforto” aos contribuintes que pretendem implementar essa alternativa, uma vez que o posicionamento da Receita Federal é contrário ao pagamento retroativo (inclusive com posição expressa em Solução de Consulta). Caso implementado, ainda haverá risco de autuação, considerando o entendimento atual das autoridades fiscais. Entretanto, com o recente (reforço de) entendimento, pode haver uma alteração também em âmbito administrativo – tal medida contribuiria para evitar o acúmulo de contencioso com relação a um assunto que está cada dia mais pacificado em última instância judicial.

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: O STJ mais uma vez confirmou o entendimento exposto em outras oportunidades pela 1ª e 2ª turma de que não há limitação temporal referente à dedutibilidade do pagamento/creditamento do JCP.

É uma importante vitória dos contribuintes, sobretudo no que tange à discussão de que o pagamento do JCP de anos anteriores seria uma exceção ao regime de competência. No voto da ministra Assusete Magalhães (ainda não disponibilizado por escrito na data da nossa análise), que acompanhou o relator, fica claro o entendimento de que a dedução do JCP retroativo é uma reafirmação ao regime de competência, uma vez que os valores deduzidos refletem a deliberação do pagamento e, portanto, o nascimento da obrigação de pagar o JCP.

Além disso, a decisão reforça a segurança jurídica sobre o assunto, reafirmando o posicionamento dos contribuintes de que a lei não previa esta limitação e que, portanto, não poderiam as autoridades fiscais criar este requisito por meio de instrução normativa.


– Quais são as condições para que as empresas descontem os valores distribuídos a título de JCP das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL?

Thiago Braichi: Existem alguns “requisitos” para as empresas aproveitarem o JCP. Com relação ao regime tributário, o mecanismo (JCP) é eficiente apenas em empresas que adotam o lucro real – este é o único regime de apuração que leva em conta a dedutibilidade de despesas para fins de IRPJ/CSLL.

Para o pagamento de JCP fazer sentido, é importante também que a sociedade pagadora esteja recolhendo IRPJ/CSLL pois, caso contrário, o JCP apenas aumentará o prejuízo fiscal/base de cálculo negativa (da empresa pagadora).

Por fim, o ideal é que o JCP seja distribuído para sócios pessoas físicas, não residentes no Brasil ou fundos de investimentos. Isso porque o pagamento para pessoas jurídicas brasileiras acarreta tributação da receita (de JCP) para fins de IRPJ, CSLL, Pis e Cofins. Ou seja, o efeito da dedutibilidade para quem distribui é “anulado” pela tributação da pessoa jurídica que recebe.

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: A dedutibilidade do JCP deve obedecer aos seguintes requisitos: existência de deliberação da empresa do pagamento/ creditamento dos valores ao acionista, ainda que o pagamento não seja realizado naquele ano, e que o pagamento não exceda o limite de 50% do lucro líquido do exercício antes da dedução dos juros, caso estes sejam contabilizados como despesa, ou 50% do somatório dos lucros acumulados e reservas de lucros.


– Com essa decisão, todas as empresas passam a poder descontar JCPs acumulados das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL? Para as empresas, é interessante fazer essa distribuição de forma acumulada, em vez de ano a ano?

Thiago Braichi: Como mencionei anteriormente, alguns “requisitos” têm que ser identificados para que o pagamento de JCP faça sentido. Não é tributariamente vantajoso, por exemplo, uma empresa optante pelo lucro presumido pagar JCP, pois esse regime não prevê o aproveitamento de despesas para fins de IRPJ e CSLL.

Não vejo uma vantagem ou desvantagem no pagamento ano a ano ou acumulado, uma vez que esta conclusão é caso a caso, ou seja, cada empresa poderá avaliar o melhor momento para pagamento do JCP. O que é possível dizer é que, nas empresas que poderiam ter distribuído JCP nos anteriores e não o fizeram, há boas chances de que (o pagamento acumulado) seja um mecanismo interessante.

De todo forma, vale repetir que a discussão ainda não está pacificada em âmbito administrativo, ao passo que as chances de autuação continuam existindo, uma vez que a Instrução Normativa RFB nº1700/2017, que prevê a impossibilidade de pagamento retroativo continua vigente. Contudo, em recentes decisões, o Carf vem adotando posicionamento favorável à tese dos contribuintes e permitindo o pagamento de JCP de forma retroativa, aumentando a segurança das empresas ao assumir esse formato de pagamento.

Michel Siqueira Batista e Caio Persici: Na prática, esse posicionamento é também reflexo de outros precedentes favoráveis recentes do Carf a respeito da matéria, ou seja, tanto no âmbito administrativo como no judicial, é um bom momento para os contribuintes que tributam o IRPJ e a CSLL pelo lucro real e remuneram seus acionistas por meio de JCP reavaliarem seus procedimentos internos para aproveitamento dessa possibilidade.

No entanto, é importante ressaltar que o julgamento é sobretudo uma reafirmação da liberdade dos contribuintes de deduzir o JCP retroativo, o que nem sempre é benéfico para as empresas. Por isso, é importante que se realize estudo caso a caso para verificar se a dedução acumulada é ou não uma via interessante, sobretudo no caso de empresas que apuram prejuízo fiscal.

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