Devolução de concessões enfrenta obstáculos no Brasil

Mais empresas buscam essa alternativa, mas ainda não há processos concluídos

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Em fevereiro de 2020, pela primeira vez uma concessionária de infraestrutura utilizou a possibilidade de devolver a sua concessão de forma amigável ao governo brasileiro, para posterior relicitação. De lá para cá, mais oito concessionárias buscaram essa modalidade de extinção de contratos, mas nenhum processo foi concluído. A demora é um indicativo dos obstáculos enfrentados.

Claudio Pieruccetti, sócio do Vieira Rezende Advogados, explica que o pedido de relicitação se inicia com um requerimento do contratado para a sua agência reguladora setorial. O Ministério da Infraestrutura e o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República também analisam o pedido. Vale destacar que, mesmo após a solicitação, o concessionário precisa manter o serviço operando e fazer investimentos essenciais à sua continuidade. 

Na visão do advogado, dois grandes desafios atrapalham as relicitações: o tempo e os valores das indenizações. Mesmo com o pedido para devolução da concessão já feito, a administração pública pode estender o prazo dos contratos por 24 meses. Mas se a relicitação não ocorrer dentro desse período, a concessionária pode estar sujeita à aplicação de medidas destinadas a instaurar processos de caducidade (outra forma de terminar uma concessão). “Desse modo, os concessionários ficam sujeitos à aplicação da penalidade por caducidade mesmo não sendo eles os responsáveis pelo processo de relicitação, o que pode servir de desestímulo para adesão, diante dos riscos atrelados”, afirma Pieruccetti. Outro obstáculo, acrescenta, diz respeito ao valor da indenização devida ao concessionário em virtude da realização de investimentos que, pela rescisão antecipada do contrato, não serão amortizados.

Na entrevista abaixo, Pieruccetti detalha o processo de devolução de concessões e por que ainda não é possível afirmar, de forma categórica, se essa possibilidade vem funcionando de forma adequada. 


Em quais situações as concessões de infraestrutura podem ser devolvidas para o governo?

Claudio Pieruccetti: A Lei 13.448/17, fruto da conversão da Medida Provisória 752/16, previu que os contratos definidos pela Lei 13.334/16 (que trata do Programa de Parcerias de Investimentos – PPI) dos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário da administração pública federal podem ser relicitados após a extinção amigável do contrato de concessão em vigor.

Considerando que o artigo 1º, §2º, da Lei 13.334/16 conceitua como contratos de parceria “a concessão comum, a concessão patrocinada, a concessão administrativa, a concessão regida por legislação setorial, a permissão de serviço público, o arrendamento de bem público, a concessão de direito real e os outros negócios público-privados que, em função de seu caráter estratégico e de sua complexidade, especificidade, volume de investimentos, longo prazo, riscos ou incertezas envolvidos, adotem estrutura jurídica semelhante”, abriu-se a oportunidade para que praticamente todos — senão todos — os ajustes celebrados pela administração pública nos setores rodoviário, ferroviário e aeroportuário pudessem ser objeto de “devolução” pelos concessionários, entendendo-se como tal uma negociação para extinção amigável e posterior relicitação.

E, nos termos do artigo 13 da Lei 13.448/17, isso pode ocorrer quando as disposições contratuais não estiverem sendo atendidas, ou na hipótese de se demonstrar a incapacidade do concessionário honrar com as obrigações contratuais ou financeiras assumidas quando da celebração do contrato.


Como se dá o processo de devolução de concessões?

Claudio Pieruccetti: O procedimento para devolução da concessão e a consequente relicitação está esmiuçado no Decreto 9.957/19 (artigo 3º), iniciando-se com requerimento do contratado dirigido à agência reguladora setorial, e no qual deverão ser apresentados: (i) justificativas e elementos técnicos para análise de necessidade e conveniência de se realizar uma relicitação; (ii) renúncia ao prazo para correção das falhas e transgressões incorridas pela concessionária; (iii) declaração formal da intenção de aderir, de maneira irrevogável e irretratável à relicitação nos termos da Lei 13.448/17; (iv) renúncia expressa do contratado e de seus acionistas diretos e indiretos quanto à participação no certame da relicitação e (v) apresentação de diversas informações relativas à concessão, tais como sobre bens reversíveis, contratos de financiamento, contratos vigentes com terceiros etc.

Além disso, o concessionário ainda precisa indicar, de maneira fundamentada, as condições para manter os serviços essenciais para garantir a continuidade e segurança dos serviços e as obrigações de investimentos essenciais que devem ser mantidas, alteradas ou substituídas após a assinatura do termo aditivo que formalizar o compromisso de relicitação.

Após a análise da agência reguladora setorial sobre o pedido, o requerimento é então remetido ao Ministério da Infraestrutura para manifestação e posterior encaminhamento ao Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República, que emitirá opinião prévia à deliberação final do presidente do Brasil. Sobrevindo decisão favorável, ficam sobrestados processos eventualmente instaurados para decretação de caducidade, retornando o processo à agência reguladora, a fim de que providencie a celebração do termo aditivo com o concessionário e adote as demais providências para dar prosseguimento à relicitação.


Quais são os principais desafios enfrentados nos processos de relicitação de concessões?

Claudio Pieruccetti: Na minha opinião, penso serem dois os desafios a serem enfrentados. Sem estipular aqui uma ordem de precedência entre eles, o primeiro obstáculo é o tempo. Isso porque, conquanto o artigo 32 da Lei 13.448/17 contenha previsão no sentido de que, estando em andamento estudo ou licitação para celebração de novo contrato, poderá a administração pública promover a extensão do prazo do contrato por 24 meses para evitar a descontinuidade do serviço, o dispositivo nada menciona sobre os processos sancionadores instaurados para declarar a caducidade da concessão.

Isto é, fica plenamente aplicável a disposição contida no artigo 20, §1º, do mesmo diploma legal e segundo a qual “se persistir o desinteresse de potenciais licitantes ou não for concluído o processo de relicitação no prazo de 24 (vinte e quatro) meses, contado da data da qualificação referida no art. 2º desta Lei”, o órgão deverá revogar a suspensão das medidas destinadas a instaurar processos de caducidade ou dos processos já inaugurados para tanto anteriormente.

Desse modo, os concessionários ficam sujeitos à aplicação da penalidade de caducidade mesmo não sendo eles os responsáveis pelo processo de relicitação, o que pode servir de desestímulo para adesão diante dos riscos atrelados.

O segundo óbice é o acordo sobre o valor da indenização devida ao concessionário em virtude da realização de investimentos que, pela rescisão antecipada do contrato, não serão amortizados. O tema das indenizações é sempre tormentoso no âmbito das concessões e parcerias público-privadas e o será de maneira ainda mais relevante nos casos de relicitação, na medida em que se estará negociando a extinção do vínculo e não a sua continuidade, que costuma servir como elemento facilitador nesse tipo de discussão.


O mecanismo de devolução de concessões vem funcionando adequadamente e proporcionando os efeitos desejados? De que forma ele pode ser aprimorado?

Claudio Pieruccetti: Essa é uma pergunta para a qual não é possível apresentar uma resposta direta e definitiva.

De um lado, o que se dirá é que já se tem notícia da intenção de se devolver diversas concessões em curso, como, por exemplo, a BR-040, a BR-163/MS, a BR-060/153/262, a BR-101/RJ, a BR-163/MT, a BR-393, o Aeroporto de Viracopos e o São Gonçalo do Amarante (RN), sendo que dessas as informações disponíveis não são nada animadoras.

Veja-se, a título de ilustração, que relativamente ao Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, somente em janeiro de 2022 é que foram divulgadas as condições para relicitação (aprovadas em dezembro de 2021 pela Agência Nacional de Aviação Civil, a Anac), ao passo que, naquilo que se refere ao Aeroporto de Viracopos, somente em outubro de 2021 é que a modelagem foi colocada em consulta pública.

Além disso, em janeiro de 2022 foi noticiada a prorrogação, por 18 meses, do prazo para relicitação da BR-040.

De outro lado, contudo, pode ser dito que esses e outros processos estão sim caminhando para um desfecho, e que o lapso de tempo decorrido desde as respectivas manifestações de intenção dos concessionários em se submeter ao procedimento de relicitação é aquele necessário para que se proceda com segurança jurídica e se possa oferecer a modelagem econômico-financeira mais adequada ao empreendimento, conjugando-se aí a vantagem para a administração pública e a atratividade para os investidores privados.


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