Debêntures incentivadas devem ganhar concorrência
Projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados cria título de infraestrutura
No seu aniversário de dez anos, as debêntures incentivadas, que contam com isenção do Imposto de Renda (IR) para pessoas físicas e investidores estrangeiros, estão em vias de sofrer alterações importantes. Essas mudanças devem vir de um projeto de lei que cria títulos bem parecidos e com propósito semelhante, as debêntures de infraestrutura.
O Projeto de Lei 2.646/20, aprovado na Câmara dos Deputados em julho e agora em tramitação no Senado Federal, se propõe a criar as debêntures de infraestrutura – nome que pode causar uma certa confusão. Acontece que os papeis que completam uma década neste ano (criados pela Lei 12.431/11) têm o nome oficial de debêntures incentivadas, mas também são conhecidos no mercado como debêntures de infraestrutura, uma vez que seus emissores são empresas atuantes no setor que, para qualificarem seus títulos à isenção do IR, submetem projetos para aprovação dos ministérios competentes.
A diferença das debêntures de infraestrutura em vias de criação é que elas devem contar com benefício fiscal para os emissores (concessionárias e permissionárias de serviços públicos, dentre outros), e não para os investidores (como ocorre com as incentivadas). O benefício em questão, conforme explica Michel Siqueira Batista, associado do Vieira Rezende Advogados, é a exclusão, da apuração do lucro real, de uma parcela adicional de 30% sobre os juros pagos, e manutenção do valor que já é passível de dedução a título de despesa.
O objetivo do PL 2646/20 é ampliar o leque de possíveis investidores, atraindo também os fundos de pensão. Como estes já contam com isenção do IR em suas aplicações, a isenção dada pelas debêntures incentivadas não é um diferencial para eles. A expectativa é que, ao contarem com benefício fiscal, os emissores das debêntures de infraestrutura possam oferecer taxas mais atraentes para os investidores institucionais.
Além de criar a debênture de infraestrutura, o PL deve alterar alguns aspectos da Lei 12.431/11, relativos às debêntures incentivadas. Um dos pontos que podem ser modificados é a limitação do prazo de reembolso dos gastos, despesas ou dívidas passíveis de reembolso com os recursos captados a 24 meses da data de encerramento da oferta pública. O PL propõe a ampliação desse prazo para 60 meses.
Outro ponto é a previsão de que as debêntures passem a ter cláusula de variação da taxa cambial, possibilidade que hoje não existe. “Essa alteração é relevante sobretudo para investidores estrangeiros, que ficam expostos à oscilação do câmbio – situação que no limite pode corroer toda a rentabilidade”, diz Batista.
O PL também prevê que regulamentação posterior crie setores prioritários, para os quais não seria necessário passar pela avaliação dos ministérios competentes para contar com a isenção. E que sejam criados critérios e medidas para incentivar o desenvolvimento de projetos com benefícios sociais e ambientais relevantes.
As debêntures incentivadas devem ficar de fora da reforma do IR (PL 2.337/21), aprovada pela Câmara e em tramitação no Senado. Batista explica que o texto da reforma do IR não altera o regime tributário das debêntures incentivadas, previsto na Lei 12.431/11. No entanto, a atratividade dos títulos pode ser afetada por outra variável — a redução da alíquota combinada do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) de 25% para 18% torna marginal o benefício das debêntures incentivadas para os bancos, uma vez que atualmente eles já estão sujeitos à alíquota de 15%. Essa possibilidade ainda não está inviabilizando a emissão dos títulos, mas vem causando desconforto entre as instituições financeiras, conforme noticiado pelo Valor Econômico.
Na entrevista abaixo, Batista detalha o que pode mudar com relação às debêntures incentivadas e fala sobre as debêntures de infraestrutura.
Quais são as leis e normas que regem as debêntures de infraestrutura? Esse arcabouço regulatório é adequado?
Michel Siqueira Batista: As debêntures voltadas para projetos de infraestrutura atualmente existentes (chamadas debêntures incentivadas) são regulamentadas pela Lei 12.431/11, bem como pelo Decreto 8.874/16, que dispõe sobre as condições para aprovação dos projetos de investimento considerados como prioritários na área de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação, para efeito da Lei 12.431/11.
No âmbito regulatório, as debêntures incentivadas são impactadas ainda pelas diversas portarias ministeriais que disciplinam os procedimentos e requisitos para a aprovação de projetos de investimento como prioritários.
Em linhas gerais, a regulamentação é boa, porém existem alguns gargalos que o mercado tem criticado, como a limitação do prazo de reembolso dos gastos, despesas ou dívidas passíveis de reembolso com os recursos captados a 24 meses da data de encerramento da oferta pública.
Além disso, existem ainda dúvidas sobre a possibilidade e limites à utilização dos recursos captados com as debêntures incentivadas para quitação de financiamentos anteriores (também relacionados a projetos de infraestrutura), mais precisamente se o pagamento destes passivos representaria uma forma de aplicação do recurso em gasto com lastro em infraestrutura.
No mais, o PL 2.646/20 cria um novo tipo de debêntures também voltada para projetos de infraestrutura, as chamadas debêntures de infraestrutura, cuja principal característica em comparação com as já existentes debêntures incentivadas é um tratamento tributário diferente, cujo objetivo é atrair investidores institucionais.
Quais são os principais pontos do Projeto de Lei 2646/20?
Michel Siqueira Batista: O PL 2646/20 tem como grande objetivo tornar mais segura, ágil e menos custosa a captação de investimento em infraestrutura.
Basicamente, pode-se dizer que existem três escopos: (i) criação de uma nova modalidade de títulos de dívida (debêntures de infraestrutura), (ii) aperfeiçoar o marco legal das debêntures incentivadas (em grande parte aplicável às debêntures de infraestrutura) e (iii) corrigir aspectos que atrapalham a implementação de Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE), Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I) e Fundos de Investimento em Infraestrutura (FI-Infra).
Nesse sentido, o PL 2.646/20 altera, por exemplo, o prazo de reembolso dos gastos, despesas ou dívidas para 60 meses com recursos captados via debêntures incentivadas e de infraestrutura.
Além disso, há uma previsão para que o Poder Executivo autorize que as debêntures contenham cláusula de variação da taxa cambial. Atualmente, as debêntures incentivadas só podem ser remuneradas por taxa de juros prefixada, vinculada a índice de preço ou à Taxa Referencial (TR), vedada a pactuação total ou parcial de taxa de juros pós-fixada.
Essa alteração é relevante sobretudo para investidores estrangeiros, que ficam expostos à oscilação do câmbio – situação que no limite pode corroer toda a rentabilidade.
O projeto afeta a atratividade das debêntures de infraestrutura para emissores, bancos e pessoas físicas? Qual deve ser o seu impacto, se aprovado da forma que está?
Michel Siqueira Batista: O PL 2.646/20 não altera o regime tributário atualmente aplicados às debêntures incentivadas, as quais permanecem sujeitas aos mesmos incentivos fiscais.
Não obstante, conforme acima mencionado, o PL 2.646/20 cria uma nova modalidade de debêntures para projetos de infraestrutura (as debêntures de infraestrutura), cujo escopo é bastante similar ao das debêntures incentivadas, porém sujeitas a regime tributário distinto.
Enquanto as debêntures incentivadas contêm incentivos para o investidor (alíquotas reduzidas do Imposto de Renda sobre os rendimentos pagos), as debêntures de infraestrutura são tributadas normalmente como título de renda fixa, no entanto elas contêm um incentivo para a sociedade emissora, que consiste na possibilidade de excluir da apuração do Lucro Real uma parcela adicional de 30% sobre os juros pagos, além do valor que já é passível de dedução a título de despesa.
A ideia, ao reduzir o custo tributário da emissora, é que ela possa repassar ao menos em parte essa vantagem, oferecendo taxas de remuneração superiores.
Imagina-se assim que as debêntures de infraestrutura possam atrair o olhar de investidores institucionais que já gozavam de isenção sobre investimentos em aplicações financeiras, a exemplo das Entidades Abertas e Fechadas de Previdência Complementar (grupo mencionado expressamente na exposição de motivos do PL 2.646/20), para as quais os incentivos fiscais (redução de alíquota) das debêntures incentivadas eram irrelevantes.
A reforma do IR aprovada pela Câmara afetou as debêntures incentivadas?
Michel Siqueira Batista: O texto da reforma do IR (PL 2.337/21) aprovado pela Câmara dos Deputados não altera o regime tributário das debêntures incentivadas, previsto na Lei 12.431/11.
Então, em tese, as debêntures incentivadas (assim como as debêntures de infraestrutura que o PL 2.646/20 pretende criar) não seriam afetadas.
É preciso analisar caso a caso se o texto da reforma do IR impactaria em algum veículo com regime próprio (notadamente fundos de investimento) cuja regulamentação venha a ser alterada, mas com relação às Entidades Abertas e Fechadas de Previdência Complementar, pelo menos, é possível afirmar que o texto atual não gera impacto algum.
Além disso, vale destacar que, na proposta atual da reforma do IR, os dividendos (que passariam a ser tributados) não serão passíveis de dedução pela sociedade distribuidora na apuração do lucro real, e os Juros sobre Capital Próprio (JSCP), que hoje são dedutíveis, serão extintos.
Esse cenário, somado à redução da alíquota combinada do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), certamente demandará uma revisão da estrutura de capital das empresas, que podem passar a preferir se financiar com capital de terceiros, situação em que as debêntures de infraestrutura surgiriam como opção de destaque em razão do aproveitamento fiscal turbinado de 130% dos juros gerados por ela.
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Neste caso eu poderia usar para uma possível exclusão da base de cálculo no Irpj e Csll posteriormente?