Transparência exigida pela B3 contribui para tornar ASG uma prioridade

Bolsa propõe que companhias informem a presença de mulheres e grupos minoritários na alta administração

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A partir de 2025, todas as companhias com ações listadas na B3 terão que informar se contam com pelo menos uma mulher e uma pessoa pertencente a um grupo minoritário (como negros, indígenas, pessoas com deficiência ou LGBTQIA+) na alta administração (diretoria estatutária e conselho de administração). E, se não contarem com essa presença, terão que explicar a razão ao mercado. 

Ao menos é isso o que pretende a Bolsa, que colocou em audiência pública uma proposta de anexo ao Regulamento para Listagem de Emissores e Admissão à Negociação de Valores Mobiliários. O mercado pode participar, enviando sugestões e críticas ao texto, até o dia 16 de setembro. 

A proposta é válida para todas as companhias, independentemente do segmento de listagem, e o objetivo é aumentar a diversidade na alta administração das companhias. Ela também prevê que estas terão que incluir, no estatuto social ou na política de indicação, critérios de complementariedade de experiências em matéria de gênero, orientação sexual, cor ou raça, faixa etária e inclusão de pessoas com deficiência.

“A necessidade de abordar o tema ASG de forma pública ao menos incentiva as companhias e o mercado em geral a pensarem na efetiva aplicação da diversidade, inclusão e meio ambiente, temas que, diversas vezes, não são priorizados em momentos de debate e atualização de normas internas de governança corporativa”, consideram as advogadas Gyedre Carneiro de Oliveira, Gabriela Saad Krieck e Marcella de Souza e Castro Fontana, respectivamente sócia e associadas do Carneiro de Oliveira Advogados. 

As advogadas acreditam que a mudança é positiva, dado seu potencial para contribuir para o aumento da diversidade nos conselhos e nas diretorias. E que pode incentivar a adoção de práticas ESG, abrindo espaço para novos profissionais e alternando o posicionamento das companhias no mercado. Embora considerem que o ideal é que essas práticas estejam enraizadas na cultura das empresas, elas lembram que, em algum momento, é possível que se tornem obrigatórias no Brasil – a exemplo do que já ocorre nas bolsas de Hong Kong e Cingapura. “Vale reforçar que as mudanças esperadas também dependem de pressão do mercado, especialmente com relação à parte do “explique”, para que sejam evitadas justificativas genéricas e similares entre as companhias”, consideram.

Pela mesma proposta em audiência pública, a B3 também sugere que as políticas de remuneração variável dos administradores incorporem metas ASG e que o conselho de administração aprove documento sobre diretrizes e práticas ambientais, sociais e de governança.

Na entrevista abaixo, Oliveira, Krieck e Fontana abordam a proposta da B3 para aumentar a inclusão e a diversidade nos conselhos e diretorias. 


No que consiste a proposta da B3 para aumentar a inclusão de mulheres e de grupos minoritários na alta administração? 

Gyedre Carneiro de Oliveira, Gabriela Saad Krieck e Marcella de Souza e Castro Fontana: Em 17 de agosto de 2022, a B3 submeteu à audiência pública uma proposta de anexo ao Regulamento para Listagem de Emissores e Admissão à Negociação de Valores Mobiliários, que tem a finalidade de alinhar as normas da B3 às novas orientações nacionais e internacionais no âmbito de temas Ambientais, Sociais e de Governança Corporativa (ASG e, em inglês, Environmental, Social and Corporate Governance – ESG). A proposta da B3 propõe medidas a serem praticadas pelas companhias listadas em bolsa, independentemente do segmento, no modelo pratique ou explique, em que o emissor deve apresentar evidências do cumprimento da prática ou, em caso de não adoção ou adoção parcial, justificar o porquê. 

As medidas propostas pela B3 são divididas em duas seções: composição da administração e documentos da companhia. Com relação à primeira, a B3 propõe que o conselho de administração ou diretoria estatutária das companhias incluam, entre seus membros titulares, no mínimo, uma mulher e um membro de comunidade minorizada.

Com relação aos documentos da companhia, a primeira proposta da B3 diz respeito à inclusão, no estatuto social ou em política de indicação, de procedimento de indicação de membros do conselho de administração e da diretoria estatutária, contemplando, no mínimo, critérios de complementariedade de experiências e diversidade em matéria de gênero, orientação sexual, cor ou raça, faixa etária e inclusão de pessoas com deficiência.

A segunda proposta diz respeito à definição de indicadores de desempenho ligados a temas ou metas ASG nas políticas de remuneração variável dos membros do conselho de administração ou diretoria estatutária.

A última proposta consiste na elaboração e divulgação de documento aprovado pelo conselho de administração sobre diretrizes e práticas ASG, contemplando, no mínimo, questões ligadas à responsabilidade socioambiental, combate à discriminação, respeito aos direitos humanos e às relações de trabalho, defesa dos animais contra o sofrimento e os maus-tratos, proteção do meio-ambiente, tratamento de resíduos sólidos e produtos químicos e perigosos e mecanismos de governança corporativa e compliance que indiquem como tais diretrizes e práticas ASG são implementadas na companhia.

De forma geral, as propostas trazidas pela B3 têm a finalidade de possibilitar que as companhias se comprometam, de forma mais efetiva, a trabalhar questões de diversidade na composição de seus órgãos de administração, bem como incluam discussões relacionadas a temas ASG no seu dia a dia de forma a determinar metas que possam trazer benefícios concretos à trajetória ASG de cada companhia.

A proposta é que para as companhias já listadas a vigência das novas regras seja a partir da atualização do Formulário de Referência de 2025 (sendo que a indicação do segundo membro da administração, nos termos acima, poderá ser comprovada ou justificada na atualização do Formulário de Referência de 2026). 


A opção pelo modelo pratique ou explique é adequada e os prazos para adaptação das companhias são factíveis? 

Gyedre Carneiro de Oliveira, Gabriela Saad Krieck e Marcella de Souza e Castro Fontana: Concordamos com a B3 que o modelo pratique ou explique preserva a transparência e prestação de contas ao mercado e impulsiona a familiarização do mercado e das próprias companhias sobre os aspectos ASG, sem prejudicar a propositura de regras mandatórias oportunamente, além de estar em linha com bolsas de valores ou entidades reguladores de outros países.

Tendo em vista que a adoção das medidas propostas pela B3 será no modelo pratique ou explique, os prazos são factíveis, uma vez que não há a obrigação de implementação urgente das medidas de fato, embora, a depender da justificativa para não aplicação, a situação possa trazer atenção indesejável à companhia. Ao mesmo tempo, o prazo sugerido daria tempo aos emissores para já implementarem as mudanças sugeridas. A necessidade de abordar o tema ASG de forma pública, ao menos, incentiva as companhias e o mercado em geral a pensarem na efetiva aplicação da diversidade, inclusão e meio ambiente, temas que, diversas vezes, não são priorizados em momentos de debate e atualização de normas internas de governança corporativa.


Há pontos que podem ser aprimorados? Em caso afirmativo, quais são eles?

Gyedre Carneiro de Oliveira, Gabriela Saad Krieck e Marcella de Souza e Castro Fontana: Existem críticas de que as propostas da B3 ainda são tímidas em termos de efetiva mudança relacionada à diversidade e inclusão, especialmente em razão da quantidade recomendada de mulheres e membros de minorias no conselho de administração e/ou na diretoria (que, inclusive, podem ser cumulados em uma única profissional), pois há o risco de tais membros não terem voz efetiva nestes órgãos e passarem a ser meros símbolos, caso não representem, ao menos, 30%, como pontua Alexandre Di Miceli, entrevistado pelo Valor Econômico em matéria sobre o assunto.

Como ocorre na Hong Kong Exchanges and Clearing Market e na Singapore Exchange, as normas relacionadas a temas e práticas ASG podem, em algum momento, se tornar medidas mandatórias no Brasil, de modo que a diversidade em cargos de alta liderança seja ainda mais presente e efetivamente ampla em todas as companhias brasileiras. Futuramente, o ideal seria que tais práticas estivessem enraizadas nas companhias, de modo que deixassem de ser mandatórias e passassem a ser parte da cultura corporativa das companhias.


Caso a proposta seja aprovada da forma como está, ela poderia contribuir para o aumento da diversidade nos conselhos e na diretoria das companhias abertas?

Gyedre Carneiro de Oliveira, Gabriela Saad Krieck e Marcella de Souza e Castro Fontana: Sim, há uma expectativa de grande contribuição para o aumento da diversidade nos conselhos de administração e nas diretorias das companhias abertas, uma vez que, em pesquisa realizada pela B3 em 2022, de 423 companhias listadas, aproximadamente 60% não têm nenhuma mulher entre seus diretores estatutários, e 37% não possuem participação feminina no conselho de administração. Ou seja, a necessidade de as companhias tratarem de assuntos ASG, em razão da implementação do pratique ou explique, vai muito além do aumento da diversidade na administração, mas também funciona como um incentivo para a adoção de práticas dessa natureza, abre espaço para novos profissionais e muda, inclusive, a forma como as companhias se posicionam no mercado.

Vale reforçar que as mudanças esperadas também dependem de pressão do mercado, especialmente com relação à parte do “explique”, para que sejam evitadas justificativas genéricas e similares entre as companhias.

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