STF “apressa” lei sobre ITCMD em doações do exterior

Congresso Nacional tem um ano para editar lei complementar estabelecendo regras para esses casos

0

Em decorrência de decisão recente do Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso Nacional tem o prazo de um ano para editar uma lei estabelecendo as regras para a cobrança do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) sobre doações e heranças de bens no exterior. A edição de uma lei de abrangência nacional vai permitir que os estados voltem a fazer a cobrança nesses casos. Desde março passado, sob força de outra decisão do STF, os estados estão impedidos de fazer a arrecadação do ITCMD — para o STF, era necessária uma lei complementar para essa cobrança, conforme determina a Constituição.

Existem hoje em tramitação no Congresso Nacional três projetos de lei sobre o assunto. A expectativa é de que, com a decisão mais recente do STF determinando a edição de uma lei complementar, o processo legislativo corra mais rápido.

“Espera-se que a lei complementar a ser editada defina qual estado pode cobrar o ITCMD nas situações em que houver algum elemento de conexão com o exterior, em especial quando envolver bem imóvel, doador, bem como inventário processado no exterior, situações que não seriam alcançadas pelas regras gerais e que, a depender do contexto, hipoteticamente poderiam atrair o interesse de mais de um estado”, destaca Michel Siqueira Batista, advogado do Vieira Rezende Advogados.

Na avaliação de Batista, a atual ausência da lei complementar para dispor sobre situações com elemento de conexão com o exterior é uma janela de oportunidade relevante para a implementação de planejamentos patrimoniais, tendo em vista que deixa algumas situações fora do alcance do ITCMD.

A seguir, o advogado aborda outros detalhes sobre o ITCMD relativo a heranças e doações do exterior.


O que se espera da Lei Complementar que irá regular o ITCMD relativo a heranças e doações recebidas do exterior? Quais são as principais definições que ela deverá trazer? 

Michel Siqueira Batista: De forma simplificada, a Constituição Federal de 1988 estabelece que a competência para instituir o ITCMD cabe, em caso de bens imóveis (e respectivos direitos), ao estado da situação do bem (ou Distrito Federal) e, em caso de bens móveis, ao estado (Distrito Federal) onde se processar o inventário ou tiver domicílio o doador (art. 155, §1º, I e II).

Por outro lado, nos casos em que o doador tiver domicílio ou residência no exterior e o de cujus possuía bens, era residente ou teve o seu inventário processado no exterior, o art. 155, §1º, III determina que a competência para a instituição do ITCMD seja regulada por lei complementar.

Ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) 851.108, com repercussão geral (Tema 825), o STF decidiu que os estados não podem instituir o ITCMD nos casos acima mencionadas envolvendo elemento de conexão com o exterior sem a prévia edição de lei complementar.

De acordo com o STF, nesses casos, além de haver previsão expressa que exige a edição de lei complementar para tratar da matéria (art. 155, §1º, III), o elemento de conexão com o exterior e a possibilidade de conflitos entre os estados na cobrança do ITCMD nessas situações reforçariam a necessidade de lei complementar, nos termos do art. 146.

Desse modo, espera-se que a lei complementar a ser editada defina qual estado pode cobrar o ITCMD nas situações em que houver algum elemento de conexão com o exterior, em especial quando envolver bem imóvel, doador, bem como inventário processado no exterior, situações que não seriam alcançadas pelas regras gerais e que, a depender do contexto, hipoteticamente poderiam atrair o interesse de mais de um estado.


Vários estados já contam com leis disciplinando a cobrança de ITCMD sobre herança ou doação recebida do exterior. Após a edição da Lei Complementar sobre o assunto, as leis estaduais voltam a valer ou elas deverão ser reelaboradas?

Michel Siqueira Batista: Como regra geral, o sistema brasileiro não admite a chamada constitucionalidade superveniente — que é a situação em que uma norma inicialmente considerada inconstitucional passa a estar de acordo com a constituição em razão de uma modificação constitucional ou da edição de uma lei de hierarquia superior (lei complementar, por exemplo).

Então, já com base nessa premissa seria possível entender que novas leis estaduais deveriam ser editadas, embora haja também precedentes em que o STF flexibilizou esse entendimento, como no caso do RE 1.221.330.

Na ocasião, o STF concluiu que leis estaduais para cobrar ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica não contribuinte do imposto editadas após a edição da Emenda Constitucional 33/01, que autorizou a cobrança, porém antes da entrada em vigor da Lei Complementar 114/02, que disciplinou a situação, seriam válidas, mas somente produziram efeitos após a edição da Lei Complementar.

No caso concreto do ITCMD, vale destacar que após o julgamento do (RE) 851.108, a Procuradoria-Geral da República (PGR) ajuizou diversas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) contra as leis estaduais que instituíram o ITCMD sobre as situações com elemento de conexão no exterior, tendo sido julgadas procedentes pelo STF, a exemplo das legislações de São Paulo (ADI 6830) e do Rio de Janeiro (ADI 6826).

Com relação a essas leis que já foram declaradas inconstitucionais, a tentativa de “revalidá-las” parece inviável.

Caso os estados editem novas leis antes da edição da lei complementar, embora questionável, seria possível discutir sua validade, em linha com o julgado no RE 1.221.330, desde que somente produzissem efeitos após a edição da Lei Complementar.


Para os estados, os valores referentes a heranças e doações recebidas do exterior são uma importante fonte de arrecadação?

Michel Siqueira Batista: De acordo com o Boletim de Arrecadação de Tributos Estaduais elaborado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), os estados arrecadaram um total de 8,7 bilhões de reais e 12,5 bilhões de reais a título de ITCMD em 2020 e 2021, respectivamente, o que representou cerca de 1,5% da arrecadação total nesses exercícios.

Não há estimativas oficiais sobre o potencial de arrecadação com a instituição do ITCMD apenas sobre valores recebidos do exterior.

Não obstante, com a maior facilidade de realização de investimentos no exterior, bem como de transferência de residência para outros países, a expectativa é de que essa situação se torne cada vez mais comum.


Para os contribuintes com bens no exterior e que desejam planejar a sucessão, é interessante efetuar eventuais doações ou transferências de recursos antes da edição da lei complementar?

Michel Siqueira Batista: A atual ausência da lei complementar para dispor sobre situações com elemento de conexão com o exterior é uma janela de oportunidade relevante para a implementação de planejamentos patrimoniais, tendo em vista que deixa algumas situações fora do alcance do ITCMD.

Assim, quem se encontrar em situação envolvendo bem ou potencial doador no exterior deve avaliar a conveniência de se implementar algum tipo planejamento.

É importante destacar ainda que existem mecanismos que permitem o doador transferir seus bens (tais quais imóveis e participações societárias) e manter-se no controle e administração deles, podendo inclusive continuar a receber rendimentos de aluguéis e dividendos.

Deixe uma resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.