Sabesp terá acionista de referência após privatização

Após a transação, companhia deverá ter travas para evitar a concentração do controle

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O termo acionista de referência, ainda que não exista do ponto de vista jurídico, vem sendo bastante usado. O exemplo mais ruidoso é o caso Americanas, com a pressão para que os acionistas assim considerados capitalizassem a companhia. Mais recentemente, o termo ressurgiu na privatização da Sabesp, cujo modelo foi definido no início de agosto.

O governo do Estado de São Paulo, que hoje detém 50,3% do capital, irá realizar  uma oferta subsequente (follow-on) das ações, diluindo a sua participação para um percentual ainda não estipulado. Apesar de desejar transformar a companhia numa corporação (corporation), sem controlador definido, o plano é contar com um acionista de referência, que detenha participação expressiva no capital.

Tarsila Machado Alves, sócia do Vieira da Rocha, Machado Alves Advogados, explica que o acionista de referência tem importância para a gestão da companhia. Além de deter uma participação relevante das ações e de pretender manter a sua posição no longo prazo, pode atuar de forma mais integrada, acompanhando e tomando decisões estratégicas.

No entanto, apesar da intenção de tornar a Sabesp uma empresa com o capital pulverizado, a dúvida é se a presença de um acionista de referência poderá eventualmente configurar um controlador da companhia. Alves avalia que acionistas de referência podem eventualmente ser considerados controladores. Ele lembra que a Lei das Sociedades Anônimas (artigo 116) prevê que sejam analisados três pontos na hora de definir quem é controlador: a titularidade de direitos que assegurem de modo permanente a maioria dos votos nas assembleias, o poder de eleger a maioria dos administradores e o efetivo uso do poder para dirigir a sociedade e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

“Assim, a caracterização de um acionista controlador está atrelada com o efetivo exercício das atividades sociais da companhia e não com a titularidade da maioria do capital votante. Portanto, considerando a hipótese de que um controlador não exerça efetivamente as atividades sociais da companhia, e o acionista de referência preencha os três requisitos acima, de modo permanente, ou seja, em no mínimo três anos consecutivos, ele pode ser considerado um acionista controlador”, avalia.  Outra possibilidade é que o acionista de referência seja considerado controlador se se vincular a um grupo de empresas através um acordo de voto, exercendo efetivamente as atividades sociais da companhia.

Poison pills

A opção pelo acionista de referência na privatização da Sabesp se deu para evitar o modelo de transferência escolhido na Eletrobras, que tornou-se uma empresa sem controle definido. A intenção é que haja restrições à formação de um bloco de controle também na Sabesp, mas com a figura do acionista de referência.

Em entrevista ao Estadão Conteúdo publicada no Infomoney, Rafael Benini, secretário de parcerias e investimentos do Estado de São Paulo, afirmou que o governo quer evitar o “risco Eletrobras”, ou seja, o risco de a privatização da Sabesp ser questionada como foi a da estatal de energia. Haveria travas para evitar que um novo controlador surgisse após a privatização – segundo Benini, espera-se que essa trava fique entre 10% e 30% (no caso da Eletrobras, a poison pill é de 30%).

Na entrevista abaixo, Alves esclarece pontos relacionados ao acionista de referência e ao acionista controlador.


– Na privatização da Sabesp, o governo do Estado de São Paulo estuda fazer uma oferta pública secundária, pulverizando as ações, mas mantendo um acionista de referência. Qual é a importância de um acionista de referência para uma companhia?

Tarsila Machado Alves: O acionista de referência tem importância para a gestão da companhia, pois por ser aquele que detém uma participação relevante das ações, bem como ter interesse em manter a sua posição de longo prazo, pode atuar de forma mais integrada, acompanhando e tomando decisões estratégicas. Portanto, o acionista de referência se torna um aliado do governo do Estado de São Paulo, para futuras decisões importantes da companhia.


– Essa figura existe do ponto de vista jurídico?

Tarsila Machado Alves: Do ponto de vista jurídico, essa figura não existe.


– Acionistas de referência podem ser considerados controladores, especialmente nas companhias de capital pulverizado?

Tarsila Machado Alves: Na minha opinião, sim. A Lei das Sociedades Anônimas (artigo 116) prevê que, para ser considerado acionista controlador, serão analisados três requisitos:

  1. a) ser titular de direitos de sócios que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral;
  2. b) ter poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e,
  3. c) usar efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

Assim, a caracterização de um acionista controlador está atrelada com o efetivo exercício das atividades sociais da companhia e não com a titularidade da maioria do capital votante. Portanto, considerando a hipótese de que um controlador não exerça efetivamente as atividades sociais da companhia, e o acionista de referência preencha os três requisitos acima, de modo permanente, ou seja, em no mínimo três anos consecutivos, ele pode ser considerado um acionista controlador.

Além da hipótese acima, também existe a possibilidade de um acionista de referência ser considerado acionista controlador quando ele se vincula a um grupo de empresas através um acordo de voto, no qual eles exerçam efetivamente as atividades sociais da companhia.


– Acionistas de referência podem ter responsabilidades adicionais em relação a acionistas comuns? No caso Americanas, por exemplo, muito se falou sobre o papel dos acionistas de referência e sobre uma “obrigação moral” de capitalizar a companhia.

Tarsila Machado Alves: O acionista de referência poderá ter responsabilidades adicionais em relação aos acionistas comuns quando for considerado como um acionista controlador, nos termos do artigo 117, da Lei das S.As, conforme configuração apontada acima, e restar configurado danos por atos praticados com abuso de poder, relacionados no parágrafo 1º, do mesmo artigo. São considerados abuso de poder:

“a) orientar a companhia para fim estranho ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou no acervo da companhia, ou da economia nacional;

  1. b) promover a liquidação de companhia próspera, ou a transformação, incorporação, fusão ou cisão da companhia, com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem indevida, em prejuízo dos demais acionistas, dos que trabalham na empresa ou dos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;
  2. c) promover alteração estatutária, emissão de valores mobiliários ou adoção de políticas ou decisões que não tenham por fim o interesse da companhia e visem a causar prejuízo a acionistas minoritários, aos que trabalham na empresa ou aos investidores em valores mobiliários emitidos pela companhia;
  3. d) eleger administrador ou fiscal que sabe inapto, moral ou tecnicamente;
  4. e) induzir, ou tentar induzir, administrador ou fiscal a praticar ato ilegal, ou, descumprindo seus deveres definidos nesta Lei e no estatuto, promover, contra o interesse da companhia, sua ratificação pela assembleia-geral;
  5. f) contratar com a companhia, diretamente ou através de outrem, ou de sociedade na qual tenha interesse, em condições de favorecimento ou não equitativas;
  6. g) aprovar ou fazer aprovar contas irregulares de administradores, por favorecimento pessoal, ou deixar de apurar denúncia que saiba ou devesse saber procedente, ou que justifique fundada suspeita de irregularidade.
  7. h) subscrever ações, para os fins do disposto no art. 170, com a realização em bens estranhos ao objeto social da companhia.”
1 comentário
  1. juan Diz

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