Risco de cobrança de IPTU reduz atratividade das concessões

Após julgamento do STF, concessionárias de serviços públicos podem ser obrigadas a arcar com imposto

0

Uma questão relativa à cobrança do imposto predial e territorial urbano (IPTU) tem potencial para reduzir a atratividade das concessões, afastando interessados. Baseando-se em julgamento de dois recursos especiais por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), que permitiu que o imposto fosse cobrado quando imóveis da União, de Estados e Municípios fossem alugados para empresas com fins lucrativos, prefeituras como a do Rio de Janeiro estão começando a cobrar o imposto das concessionárias de serviços públicos.

Rodrigo Duarte, associado do Freitas Ferraz Advogados, acredita que a cobrança do IPTU pode tornar novos projetos de concessões menos atrativos, reduzindo a margem de lucro esperada pelas concessionárias – e, também, diminuindo a competitividade dos processos licitatórios. No limite, poderia levar até mesmo à ausência de licitantes.

“Aos possíveis interessados em novas concessões, recomenda-se avaliar, em cada caso concreto, se os riscos referentes à eventual cobrança de IPTU estão alocados ao concessionário, hipótese em que tais custos deverão ser devidamente precificados e inseridos na proposta a ser apresentada na licitação”, afirma Duarte. Para as concessionárias impactadas pela cobrança do imposto, ele lembra que há a possibilidade de pedir revisão contratual para reestabelecer o equilíbrio econômico-financeiro. 

A questão se originou após o julgamento, pelo STF, dos Recursos Extraordinários nº 594.015/SP e 601.720/RJ. A Constituição veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios a cobrança de tributos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros. Essa era a visão pacificada até o julgamento dos recursos extraordinários, no qual o STF abriu uma exceção: se o imóvel pertencente ao ente público for alugado a uma empresa privada com fins lucrativos, o IPTU pode ser cobrado pelo município. O acórdão do STF não fez a exceção, ou seja, não tornou a cobrança do IPTU inaplicável aos imóveis utilizados por concessionárias para prestação de serviços públicos. Por isso, Duarte explica que existe a tendência de que os valores referentes ao IPTU continuem sendo efetivamente cobrados pelos municípios, ao menos até que a corte volte a apreciar o tema. 

Na entrevista abaixo, Duarte explica como essa questão surgiu, aborda os argumentos favoráveis e contrários à cobrança do imposto e o seu impacto sobre as concessões. 


Como surgiu a questão da cobrança do IPTU relativo a imóveis utilizados por concessionárias de serviços públicos? Quais são os argumentos favoráveis e contrários à cobrança?

Rodrigo Duarte: A discussão sobre a incidência de IPTU sobre imóveis utilizados por concessionárias de serviços públicos surgiu após os julgamentos, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dos Recursos Extraordinários nº 594.015/SP e 601.720/RJ. 

Isso porque, até o julgamento desses recursos, o STF entendia, de forma pacificada, pela aplicabilidade da imunidade tributária recíproca, prevista no artigo 150, VI, “a”, da Constituição Federal, que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituírem tributos sobre patrimônio, renda ou serviços uns dos outros.

Já ao analisar os Recursos Extraordinários nº 594.015/SP e 601.720/RJ, o STF fixou, respectivamente, as seguintes teses de repercussão geral: 

  • A imunidade recíproca, prevista no artigo 150, VI, “a” da Constituição não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando ela for exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese, é constitucional a cobrança do IPTU pelo município, e 
  • incide o IPTU, considerado imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo.

Favoravelmente à cobrança do IPTU, sustenta-se que o entendimento firmado pelo STF nos mencionados recursos também alcançaria os imóveis utilizados por concessionárias para prestação de serviços públicos, não se restringindo às concessões de uso e aos arrendamentos de bens públicos expressamente mencionados nos acórdãos do STF. 

Por sua vez, contrariamente à cobrança do imposto, argumenta-se que, no julgamento dos recursos, o STF teria buscado unicamente proteger a livre concorrência, impedindo que determinada empresa fosse beneficiada, em detrimento de suas concorrentes, por meio da não cobrança do IPTU.  Isso porque, caso mantida a imunidade tributária, a empresa proprietária de imóvel não teria o mesmo benefício usufruído por empresa arrendatária de imóvel público ou signatária de contrato de concessão de uso de imóvel público.

Assim, tendo em vista que as concessionárias de serviços públicos não estão inseridas em mercados concorrenciais, os precedentes firmados pelo STF seriam inaplicáveis.

Ainda como fundamentos contrários à incidência de IPTU, acrescenta-se que a assinatura dos contratos de concessão não transfere a propriedade dos bens públicos imóveis para as concessionárias, de modo que elas não são contribuintes do referido imposto municipal, cujo fato gerador é exatamente a propriedade do imóvel.


Essa cobrança é uma tendência ou ainda se mostra restrita? 

Rodrigo DuarteTendo em vista que os acórdãos proferidos pelo STF não restringiram expressamente seu alcance, deixando de consignar sua inaplicabilidade para os imóveis utilizados por concessionárias para prestação de serviços públicos, existe a tendência de que os valores referentes ao IPTU continuem sendo efetivamente cobrados pelos municípios. 

Considerando os impactos da cobrança de IPTU sobre contratos vigentes e projetos futuros de concessão, a tendência é de que a questão evolua novamente para nova apreciação pelo STF.


A cobrança tem potencial para afetar o equilíbrio econômico-financeiro das concessões já em curso ou a atratividade das próximas?

Rodrigo Duarte:  Sim, uma vez que, considerando o posicionamento jurisprudencial até então pacificado, os custos referentes ao IPTU possivelmente não foram previstos no fluxo de caixa dos projetos.

A cobrança do IPTU também pode tornar novos projetos de concessões menos atrativos, reduzindo a margem de lucro esperada pelas concessionárias, o que também poderia reduzir a competitividade dos processos licitatórios e, no limite, levar até mesmo à ausência de licitantes, conforme, inclusive, concluiu a Advocacia Geral da União (AGU) no parecer n° 358/2022/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU.  


O que se recomenda às concessionárias com relação à questão? E aos possíveis interessados em novas concessões?

Rodrigo Duarte: As concessionárias impactadas pela cobrança do IPTU podem pedir a revisão contratual, uma vez que a intangibilidade da equação econômico-financeira é garantia constitucional, prevista no artigo 37, XXI. Com efeito, a majoração dos custos suportados pela concessionária em decorrência da cobrança do IPTU requer a revisão do contrato para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro, conforme estabelece o artigo 65, ii, “d”, da Lei 8.666/93.

Aos possíveis interessados em novas concessões, recomenda-se avaliar, em cada caso concreto, se os riscos referentes à eventual cobrança de IPTU estão alocados ao concessionário, hipótese em que tais custos deverão ser devidamente precificados e inseridos na proposta a ser apresentada na licitação.

Deixe uma resposta

Seu endereço de e-mail não será publicado.