Litigância climática chega ao setor financeiro

Conectas move ação civil pública climática contra BNDES e BNDESPar

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A recente ação civil pública climática movida pela organização não governamental (ONG) Conectas Direitos Humanos contra o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o BNDES Participações (BNDESPar) é um bom exemplo da tendência de aumento da litigância climática no Brasil. 

Na ação, a ONG pleiteia que o BNDES e BNDESPar adotem medidas de transparência e apresentem plano para alinhar suas ações e políticas de investimento às metas do Acordo de Paris e da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). Essas iniciativas são necessárias, segundo a Conectas, uma vez que o banco e sua empresa de participações investem em companhias com alta emissão de carbono e que geram impactos negativos sobre o meio ambiente. 

A Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) foi instituída pela Lei 12.187/2009 e estabelece que instituições financeiras deverão oferecer linhas de crédito e de financiamento específicas para desenvolver ações e projetos que atendam aos objetivos do diploma. Segundo Ana Carolina Barbosa, associada do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, a PNMC busca alcançar todas as instituições públicas e privadas, uma vez que a garantia de um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é responsabilidade de todos.

A advogada destaca, ainda, que a litigância climática no Brasil não se limita às ações civis públicas. O direito brasileiro prevê alguns outros instrumentos para discutir pautas climáticas e ambientais, como a ação popular, o mandado de segurança coletivo, a ação de descumprimento de preceito fundamental e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 

“A litigância climática corporativa pode ter diversos fundamentos. Dentre os mais comuns, destacamos a quebra do dever fiduciário e o ‘climate washing’”, explicam os advogados Lara Miranda e Pietro De Biase, respectivamente sócia e associado do Vieira Rezende Advogados. No primeiro caso, o ponto geralmente questionado é que os administradores não incorporaram a questão climática na atuação da empresa, quebrando o dever fiduciário. Na segunda situação, as empresas fariam propaganda por ter incorporado essas questões, quando na verdade não o fazem na prática. 

Na entrevista abaixo, Barbosa, Miranda e De Biase abordam a litigância climática e explicam como as empresas e instituições financeiras se inserem na PNMC.


O que são as ações civis públicas climáticas e quão comuns elas têm sido no Brasil? 

Ana Carolina Barbosa: A ação civil pública é uma ferramenta processual instituída pela Lei 7.347/85, cabível para proteção contra danos morais e materiais causados a direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos. 

As ações civis públicas climáticas são ajuizadas para buscar ações concretas do poder público e privado, no sentido de endereçar os desafios da emergência climática e responsabilizá-los por ações contrárias a esses direitos e omissões na proteção do meio ambiente. Isso porque a Constituição Federal prevê que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, sendo que é da responsabilidade de todos — poder público e coletividade — defendê-lo e preservá-lo para as atuais e futuras gerações (artigo 225, caput). A ação civil pública climática visa garantir à coletividade, por exemplo, a restauração e a reparação de meio ambiente danificado por um evento climático extremo. 

Esse tipo de ação tem se tornado mais frequente no Brasil devido ao crescente protagonismo da sociedade civil e das organizações não governamentais (ONGs) quando o assunto é emergência climática.

Em 2021, às vésperas da COP26, o Observatório do Clima, que é uma coalizão de ONGs da área ambiental, ajuizou a ação civil pública 1027282-96.2021.4.01.3200, com o objetivo de discutir a urgente e necessária redução das emissões brasileiras de gases de efeito estufa (GEE), sendo considerados todos os setores da economia, com vistas ao cumprimento da Lei 12.187/2009 (Plano Nacional de Mudança Climática), regulamentada pelo Decreto 9.578/2018, bem como o que consta do Decreto 9.073/17 (Acordo de Paris). A ação ainda está pendente de julgamento em primeira instância.

Todavia, é importante destacar que a litigância climática no Brasil não se limita às ações civis públicas. O direito brasileiro prevê alguns outros instrumentos cabíveis e que já estão sendo usados para discutir as pautas climáticas e ambientais, como a ação popular, o mandado de segurança coletivo, a ação de descumprimento de preceito fundamental e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. 

Lara Miranda e Pietro De Biase: A ação civil pública (ACP) é um instrumento processual previsto na Lei 7.347/85 que visa a responsabilização por violação a bens e direitos coletivos. A ACP se propõe a proteger interesses coletivos, ou seja, bens e direitos cuja titularidade recai sobre toda a sociedade (ou parte dela). As Ações Civis Públicas Climáticas, por sua vez, requerem do Poder Judiciário decisões que expressamente abordem questões, fatos ou normas jurídicas relacionadas, em sua essência, às causas ou aos impactos das mudanças climáticas.


Em que situações as empresas e instituições financeiras podem estar sujeitas às ações civis públicas climáticas?

Ana Carolina Barbosa: Empresas e instituições financeiras também têm responsabilidades na promoção da transição da economia, assumindo diretrizes ambientais, sociais e de governança (ESG) e atuando em prol da economia de baixo carbono.

Na ação civil pública, o Poder Judiciário será chamado a determinar uma condenação em dinheiro ou o cumprimento da obrigação de fazer e, também, de não fazer. O juiz fará uma análise sob a luz do princípio da precaução e da prevenção, determinará a reparação do bem lesado, podendo, inclusive, fixar uma reparação pecuniária do dano.

A ação civil pública ajuizada pelo Conectas contra o BNDES Participações (BNDESPar) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é um ótimo exemplo de como as instituições financeiras podem ser chamadas a responder perante os compromissos com a agenda climática. 

A ação visa buscar uma determinação judicial para que as instituições adotem medidas de transparência e apresentem plano para alinhar suas ações e políticas de investimento às metas do Acordo de Paris e da Política Nacional sobre Mudança do Clima. Com isso, espera-se garantir efetividade à transição justa e assegurar a readequação do País na economia mundial rumo ao desenvolvimento sustentável, o que é a missão institucional do próprio Sistema BNDES.

A ação traz dados e informações públicas sobre os investimentos do BNDES e do BNDESPar em empresas com alta emissão de carbono e que impactam o meio ambiente de forma negativa, apresentando a reflexão sobre a responsabilidade das instituições em liderar o apoio à agenda climática.

Lara Miranda e Pietro De Biase: A fim de mitigar os riscos relacionados à litigância climática e maximizar as oportunidades atreladas às mudanças climáticas, o papel dos setores financeiro e produtivo é fundamental para o aperfeiçoamento de práticas ambientais, sociais e de governança (ASG, e, em inglês, environmental, social and governance, ou ESG). A litigância climática corporativa pode ter diversos fundamentos. Dentre os mais comuns, destacamos a quebra do dever fiduciário e o climate washing.

  1. Quebra do dever fiduciário: Considera-se que a questão climática deve ser incorporada à atuação das empresas como um desdobramento das obrigações regulatórias estatuídas pelo Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários (CVM), as quais abarcam os conglomerados financeiros e unidades individualmente consideradas. A atuação específica de investidores institucionais na agenda climática, direta ou indiretamente, é o que se cunhou como stewardship climático. Vale destacar a importância em considerar os riscos climáticos nas avaliações de investimento e de monitorar os ativos investidos a partir de informações públicas disponíveis. Nesse sentido, entende-se como um dever fiduciário imposto aos controladores acionários e ao administrador no atendimento das exigências do bem público e da função social da empresa, conforme previsto no artigo 154 da 6.404/76 (Lei das S.As), constituindo uma governança climática corporativa. 
  2. Climate washing: Se, por um lado, há a litigância decorrente da alegação da quebra do dever fiduciário dos administradores por desalinhamento ou, até mesmo, omissão a respeito da inclusão da variável climática em seus negócios, o climate washing decorre justamente do oposto: empresas que optam por voluntariamente divulgar seus riscos climáticos como forma de marketing corporativo, mas, na verdade, suas ações não se sustentam na realidade. Em casos de comprovada prática de climate washing, ressaltamos que a litigância tem emergido como forma de buscar um realinhamento corporativo aos compromissos climáticos assumidos publicamente pela empresa.

O Brasil conta com a Política Nacional de Mudança do Clima. Qual é o alcance dessa política, ou seja, quais instituições deveriam atuar de acordo com ela?

Ana Carolina Barbosa: O Brasil possui uma Política Nacional de Mudança do Clima (PNMC), instituída pela Lei 12.187/2009, que é uma legislação há muito criticada por suas omissões e falhas técnicas, mas que traz princípios, conceitos, objetivos, diretrizes e instrumentos públicos, ou seja, um arcabouço estrutural com base no qual as demais políticas públicas devem ser compatíveis.

A PNMC introduziu instrumentos fundamentais para a sua efetividade que envolvem o uso da tributação como ferramenta para viabilizar os investimentos na transição do modelo econômico e na adoção de projetos sustentáveis pelas empresas; e a precificação do carbono com a instituição de um mercado regulado. Contudo, até os dias atuais ainda não foi possível avançar nesses temas de maneira satisfatória.

A PNMC estabelece, inclusive, que as instituições financeiras oficiais deverão oferecer linhas de crédito e de financiamento específicas para desenvolver ações e projetos que atendam aos objetivos da lei e que induzam os agentes privados na observância da PNMC no âmbito de suas ações e responsabilidades sociais. 

Portanto, de alguma forma a PNMC busca alcançar todas as instituições públicas e privadas, uma vez que é da responsabilidade de todos a garantia de um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado.

Lara Miranda e Pietro De Biase: A Lei 12.187/09, que instituiu a Política Nacional sobre a Mudança do Clima (PNMC) prevê obrigações tanto para entes políticos e órgãos da administração pública, como para particulares, incluindo instituições financeiras. Estas últimas, de acordo com a PNMC, deverão criar linhas de crédito e financiamento específicas para incentivar a iniciativa privada na mitigação e adaptação às mudanças climáticas. 

Dentre os instrumentos de implementação da PNMC até o momento mais efetivos, destacam-se o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC) e o Comitê Interministerial sobre a Mudança do Clima e o Crescimento Verde (CIMV), conforme o Decreto 10.845/21. 

O FNMC é o principal instrumento federal voltado ao custeio do combate às mudanças climáticas e ao cumprimento das metas de redução de emissão de gases do efeito estufa (GEE). A Lei 12.114/09 estabelece que o FNMC é gerido por um comitê gestor e que tais recursos são aplicáveis por meio de apoio financeiro reembolsável, mediante concessão de empréstimo, por intermédio do agente operador (no caso, o BNDES) e/ou apoio financeiro não reembolsável, referente a projetos de mitigação da mudança do clima, aprovados pelo comitê gestor, conforme diretrizes previamente estabelecidas pelo próprio comitê. Em decisão paradigmática, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 708, proibiu o contingenciamento de receitas destinadas ao bom funcionamento do FNMC. 

Já o CIMV tem a finalidade de estabelecer diretrizes, articular e coordenar a implementação das ações e políticas públicas do País relativas à mudança do clima. Dentre as atribuições do CIMV, destacamos a deliberação sobre as estratégias do País para a elaboração, a implementação, o financiamento, o monitoramento, a avaliação e a atualização das políticas, dos planos e das ações relativos à mudança do clima, dentre as quais as sucessivas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) do Brasil, no âmbito do Acordo de Paris. O CIMV é responsável por promover o diálogo entre setor produtivo, financeiro, poder público, sociedade e academia acerca do direcionamento e implementação da PNMC.


O que se espera com relação à litigância climática nos próximos anos? Ela deve se tornar mais comum? 

Ana Carolina Barbosa: Certamente a litigância climática será cada vez mais frequente. Recentemente tivemos uma decisão relevante para os casos de litigância climática no Brasil, que foi o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 708, ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) e pela Rede Sustentabilidade, em face da omissão da União quanto à não alocação integral das verbas do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (Fundo Clima) referentes ao ano de 2019. 

O Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o contingenciamento de receitas, principalmente diante da grave crise ambiental que vive o Brasil, com os índices de desmatamento da Amazônia e de outros biomas crescendo descontroladamente sem que políticas concretas sejam implementadas. O ministro relator Luís Roberto Barroso reconheceu que o Acordo de Paris tem status de emenda à constituição, sendo equiparado a um tratado de direitos humanos. Tal entendimento é relevante, porque atrai os demais princípios e arcabouço legislativo dos direitos humanos para a proteção do direito à segurança climática.

Lara Miranda e Pietro De Biase: Sim, acreditamos que veremos cada vez mais ações judiciais relacionadas às questões climáticas. Devemos considerar que as mudanças climáticas são uma realidade cientificamente comprovada. O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, em inglês) evidenciou que as mudanças climáticas já estão causando eventos climáticos mais drásticos e frequentes, como tempestades, alagamentos, secas, ondas de calor, incêndios florestais e outros fenômenos climáticos extremos. Segundo o IPCC, mais de 40% da população mundial é altamente vulnerável ao estado do clima. Além disso, o estudo aponta que as emissões de gases do efeito estufa (GEE) não são bem distribuídas: os países mais desenvolvidos são responsáveis pela maior parte das emissões, mas os países em desenvolvimento enfrentam os  impactos climáticos mais severos.

Assim, no contexto de emergência climática, temos notado uma movimentação de setores da sociedade civil organizada pela busca, no Poder Judiciário e nas instâncias administrativas, de decisões que contribuam para dar mais efetividade ao combate à mudança do clima. Os investidores institucionais e empresas estão em melhor posição para influenciar positivamente a incorporação da agenda climática nos seus negócios, reduzindo externalidades, minimizando sua exposição a riscos e maximizando o aproveitamento de oportunidades, preservando os interesses dos beneficiários e contribuindo para o bem-estar econômico e climático de longo prazo.

2 Comentários
  1. Lewis Diz

    Penso que compreender e abordar as alterações climáticas é uma questão urgente, e estou feliz por estar a par das previsões meteorológicas. Estando no clima, podemos reduzir os riscos potenciais e planear com antecedência. A propósito, descobri recentemente este site https://365tempo.com/ que fornece dados meteorológicos e previsões em tempo real. Este é um recurso útil para complementar os esforços de observação do tempo.

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