O caminho das pedras para o stewardship climático

Guia orienta investidores institucionais a se engajarem com agenda ambiental

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A participação ativa de investidores institucionais nas companhias evoluiu em aspectos diversos nas últimas décadas. E, ao se tomar como exemplo o que aconteceu no exterior, o exercício do dever fiduciário por parte dos gestores de recursos de terceiros deverá aos poucos incorporar um novo elemento: a questão climática.

O stewardship climático vem se tornando mais importante no mundo, à medida que crescem os riscos associados ao aquecimento global e ao seu potencial para afetar os negócios. Tendo em vista a disseminação do conceito, recentemente foi lançado o Stewardship Climático no Brasil – Um Guia para Investidores, elaborado pela Latin America Climate Lawyers Inititativefor Mobilizing Action (Laclima) e a FGV-Direito SP.

O guia define o stewardship climático como a atuação dos investidores institucionais na agenda climática, em suas mais variadas formas. Entram aí desde o simples monitoramento dos investimentos, passando pelo diálogo com as companhias para que estas aprimorem as suas práticas e a proposição de pautas para as assembleias de acionistas, até opções mais radicais como a litigância climática e o desinvestimento. A litigância, por exemplo, foi a estratégia recentemente utilizada pela ONG Conectas com o BNDESPar — a organização moveu uma ação civil pública ambiental pedindo que a empresa de participações adotasse medidas de transparência e planos para se alinhar às metas do Acordo de Paris e à Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC). 

Mas será que os investidores institucionais brasileiros vão realmente aderir ao novo conceito? Sim, acreditam os advogados Felipe Hanszmann, Ricardo Mafra e Caio Brandão, respectivamente sócio e associados do Vieira Rezende Advogados: Especialmente em relação ao Brasil, entendemos que o stewardship climático será um dos principais fatores no médio e longo prazo, considerando a grande diversidade de fauna e flora brasileira, potencializada pela Amazônia.” 

Na opinião dos advogados, os investidores institucionais poderão acessar as informações ESG das companhias de forma mais fácil daqui para a frente, já que a Resolução CVM 80/22 criou a obrigação de divulgação desses aspectos nos formulários de referência das companhias. Até mesmo porque os institucionais que não prestarem atenção ao assunto poderão ser questionados pelos investidores, principalmente nos casos em que houve algum compromisso prévio, consideram Hanszmann, Mafra e Brandão. 

Na entrevista abaixo, os advogados do Vieira Rezende explicam de que forma o dever fiduciário e o stewardship climático estão relacionados.


No que consiste o dever fiduciário de investidores institucionais como gestores de recursos e fundos de pensão?

Felipe Hanszmann, Ricardo Mafra e Caio Brandão: Os gestores de recursos possuem como atividade principal a alocação do patrimônio e a formação da carteira. Nesse contexto, se estabelece uma relação de fidúcia com os investidores, resultando em uma série de deveres e responsabilidades que, via de regra, exigem uma atuação pautada na boa fé e diligência.


O dever fiduciário de investidores institucionais deveria passar a contemplar questões climáticas? Esses investidores podem ser questionados por clientes, se não atentarem para essas questões?

Felipe Hanszmann, Ricardo Mafra e Caio Brandão: A relação entre a adoção de práticas ESG e o dever fiduciário dos administradores ainda é incipiente no Brasil quando comparada com a prática de outros mercados de capitais mais desenvolvidos (como o americano e o inglês). Entretanto, percebe-se no mercado brasileiro um aumento da procura por investimentos em ativos que adotem práticas ESG, pelo menos em alguma medida. 

Essa preocupação inclusive foi recentemente alvo de regulamentação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ao editar a Resolução 80/22 que, dentre outros aspectos, criou a obrigação de divulgação de aspectos ESG pelas companhias abertas nos seus respectivos formulários de referência.

O estudo A Agenda ASG e o Mercado de Capitais – uma análise das iniciativas em andamento, desafios e oportunidades para futuras reflexões da CVM, divulgado pela própria autarquia em 26 de maio de 2022, também abordou o tema. O estudo informa que 64% dos investidores brasileiros entrevistados já consideram algum dos critérios ESG na escolha dos seus investimentos, sendo que cerca 84% utilizam o critério ambiental como preponderante para a tomada de decisão.

Eventuais questionamentos aos investidores institucionais que não atenderem tais práticas (accountability) dependerão das particularidades do caso concreto. Há espaço para indagações, principalmente nos casos em que tenha havido algum tipo de compromisso prévio.


O que é o stewardship climático?   

Felipe Hanszmann, Ricardo Mafra e Caio Brandão: O stewardship climático pode ser conceituado, em síntese, como a atuação dos investidores perante as companhias investidas a fim de monitorar e cobrar medidas relacionadas à proteção do meio ambiente, como a redução de emissões de gases de efeito estufa. Tal atuação pode ocorrer de diversas formas, desde a interação com os sócios e administradores das investidas, até a litigância para obter informações e exigir o cumprimento de certas obrigações, a depender do caso concreto.


No Brasil, o stewardship no mercado de ações ainda é tímido. Levando-se isso em conta, qual seria o potencial para o stewarship climático? Os investidores institucionais brasileiros têm conhecimento e estrutura suficientes para monitorar as suas carteiras, do ponto de vista do desempenho climático?

Felipe Hanszmann, Ricardo Mafra e Caio Brandão: O investimento sustentável tem sido uma tendência e está sendo acompanhado pelos diversos reguladores e formuladores de políticas em todo o mundo. Especialmente em relação ao Brasil, entendemos que o stewardship climático será um dos principais fatores no médio e longo prazo, considerando a grande diversidade de fauna e flora brasileira, potencializada pela Amazônia.

A legislação brasileira, especialmente a Lei 6.404/76, já contempla diversos direitos que os investidores podem exercer a fim de monitorar as práticas adotadas pelas companhias, como a indicação de membros para a gestão da companhia e a solicitação de informações, principalmente na Assembleia Geral. Foi editada recentemente a Resolução CVM 80/22 que, dentre outros aspectos, criou a obrigação de divulgação de aspectos ESG pelas companhias abertas nos seus formulários de referência, o que facilitará o acesso a tais informações pelos investidores e pelo mercado em geral. 

Assim, a expectativa é que os investidores institucionais tenham maior facilidade em angariar dados, bem como seus respectivos clientes aumentem o escrutínio sobre as decisões de investimento vis-à-vis os princípios de sustentabilidade.

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