Marketplaces são responsabilizados pelo ICMS de lojistas

Legislações estaduais consideram que shoppings virtuais são solidários

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Como os shoppings centers, os marketplaces são espaços que conectam lojas e consumidores. Embora as atividades conceitualmente sejam iguais (diferindo apenas pelo uso do canal físico ou virtual), uma diferença importante vem se apresentando quando se trata do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS): em alguns Estados, os marketplaces têm sido responsabilizados por recolher o imposto quando os lojistas não o fazem. 

Em recente decisão, por exemplo, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) entendeu que a Lei Estadual 8.795/20, que responsabiliza marketplaces pelo ICMS dos lojistas, é constitucional. E não é apenas o Rio de Janeiro que conta com uma legislação estadual que considera essas plataformas responsáveis solidárias pelo inadimplemento de ICMS dos lojistas. Bahia, Ceará, Paraíba, Minas Gerais e Mato Grosso também fazem parte desse grupo.

O mesmo não ocorre com os shoppings centers físicos, que não são responsabilizados pelo ICMS devido pelos lojistas. “Raciocínio idêntico deveria ser atribuído aos shoppings virtuais ou marketplaces que, quando muito, prestam serviços de intermediação, sujeitos à incidência do ISS, imposto cuja competência tributária foi delegada aos municípios”, considera Sávio Hubaide, associado do Freitas Ferraz Advogados.

Hubaide explica que não há como o marketplace manter sistemas para verificar se os lojistas estão adimplentes com suas obrigações, já que o ICMS funciona pela conciliação entre créditos e débitos, e que a intermediação ocorre em momento distinto da venda (quando deve ser emitida a nota fiscal). Ele recomenda que os marketplaces permaneçam adimplentes em suas obrigações tributárias principais e acessórias, e que exerçam seu dever de colaboração, fornecendo informações ao Fisco. “No caso de eventuais cobranças de ICMS na condição de responsável pelo não pagamento do lojista, ou ainda de forma preventiva, recomenda-se que questionem a legalidade e a constitucionalidade dos dispositivos das legislações estaduais que instituíram essa hipótese de responsabilidade”, afirma.

Na entrevista abaixo, Hubaide examina a questão e aborda a recente decisão do Órgão Especial do TJRJ.


Quão comum tem sido a edição de leis estaduais que responsabilizam os marketplaces pelo recolhimento do ICMS, quando os lojistas não o fazem?

Sávio Hubaide: A inclusão dos marketplaces como responsáveis solidários pelo inadimplemento de ICMS dos lojistas já ocorreu em alguns Estados, como Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Paraíba e Mato Grosso. A legislação de Minas Gerais também contém previsão semelhante para responsabilizar prestadoras de serviços de intermediação comercial em ambiente eletrônico no caso de descumprimento de obrigações de prestar informações ao Fisco. 

Embora felizmente ainda representem a minoria dos Estados e Distrito Federal, alterações legislativas nesse sentido se tornaram mais recorrentes nos últimos anos, o que pode se acentuar caso sejam proferidas mais decisões judiciais que reconheçam a constitucionalidade de dispositivos legais do tipo.


Os shoppings centers físicos podem ser responsabilizados pelo ICMS não pago por seus lojistas? O mesmo entendimento deveria ser aplicado aos shoppings virtuais?

Sávio Hubaide: Não se tem notícia de legislação estadual que responsabilize os shoppings centers físicos pelo ICMS não pago pelos lojistas. Ainda que exista, não seria uma hipótese adequada, pois não há relação dos shoppings nas operações e prestações celebradas pelos lojistas capazes de atrair a incidência do ICMS.

Raciocínio idêntico deveria ser atribuído aos shoppings virtuais ou marketplaces que, quando muito, prestam serviços de intermediação, sujeitos à incidência do ISS, imposto cuja competência tributária foi delegada aos municípios.


É razoável exigir que os marketplaces recolham ICMS pelos lojistas? A exigência está de acordo com o Código Tributário Nacional (CTN)?

Sávio Hubaide: A Constituição Federal reservou à lei complementar a edição de normas gerais em matéria tributária e, especificamente para questões envolvendo o ICMS, exige lei complementar de caráter nacional para evitar legislações conflitantes entre os diferentes entes.

De acordo com o CTN, há dois critérios para a eleição de responsáveis tributários: um formal que, em atenção à legalidade, consiste na necessária previsão da hipótese em lei, e outro material, que, em atenção à capacidade contributiva, exige a vinculação do terceiro ao fato gerador da obrigação tributária. De forma semelhante, a Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir) prevê que a lei poderá atribuir a responsabilidade a terceiros, “quando os atos ou omissões daqueles concorrerem para o não recolhimento do tributo”.

No caso dos marketplaces, ainda que instituídas por lei, não se verifica a necessária vinculação ao fato gerador que enseja a incidência do ICMS, uma vez que não manifestam a capacidade contributiva almejada pela tributação.

Quanto à recente decisão do TJRJ, não pode passar despercebido o fato de que o acórdão adotou e transcreveu as razões expostas pela Procuradoria do Estado, no sentido de que os marketplaces não podem ser responsabilizados por qualquer inadimplemento, mas somente se, concomitantemente ao não pagamento pelo lojista, violarem deveres de colaboração e prestação de informações ao Fisco.

A decisão permanece criticável, pois o descumprimento de eventuais obrigações acessórias pelos marketplaces pode ensejar a cobrança das respectivas penalidades, mas não a cobrança da obrigação principal. De todo modo, ao não validar a cobrança do ICMS por todo e qualquer inadimplemento dos lojistas, mas somente se cumulado com violações previstas na legislação fluminense, o acórdão atenuou, de certa forma, as consequências para os marketplaces, até que, como se espera, a decisão venha a ser revertida após a interposição dos recursos cabíveis, com a consequente declaração de inconstitucionalidade.


O que se recomenda aos marketplaces? Eles deveriam implementar sistemas de controle do pagamento de ICMS por parte dos lojistas para evitar essa responsabilização? Teriam condições para isso?

Sávio Hubaide: O dever de fiscalização não pode ser transferido pelas Fazendas Estaduais aos marketplaces. Sobretudo se considerado que o ICMS é um imposto não cumulativo, cujo recolhimento final depende do encontro entre créditos e débitos, não há como o marketplace operacionalizar sistemas para verificar se os lojistas estão adimplentes com suas obrigações. Não bastasse, a intermediação ocorre em momento distinto da venda, oportunidade em que deve ser emitida a nota fiscal.

O que pode ser recomendado aos marketplaces é que permaneçam adimplentes tanto com suas obrigações tributárias principais quanto com aquelas obrigações acessórias legalmente previstas, e que exerçam seu dever de colaboração, fornecendo informações que venham a ser solicitadas. No caso de eventuais cobranças de ICMS na condição de responsável pelo não pagamento do lojista, ou ainda de forma preventiva, recomenda-se que questionem a legalidade e a constitucionalidade dos dispositivos das legislações estaduais que instituíram essa hipótese de responsabilidade.

1 comentário
  1. Maria Estela P.Souto Diz

    Qdo a mercadoria chega,eu pedi pelo frete grátis.

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