Avança a reforma no sistema de garantias
Governo encaminha ao Congresso proposta para aprimorar o mercado de crédito
Mais um passo foi dado para a reforma do complexo e custoso sistema de garantias reais do Brasil: o governo encaminhou ao Congresso Nacional, no fim de novembro, o projeto de lei do novo marco das garantias (PL 4.188/21). Seu objetivo é simplificar e conferir maior dinamismo ao mercado de crédito, oferecer condições para a redução de juros e melhorar o ambiente de negócios.
Um dos destaques do projeto é a criação das Instituições Gestoras de Garantias (IGG). Essas entidades serão supervisionadas pelo Banco Central e funcionarão como administradoras de garantias concedidas em operações de crédito, atuando na sua constituição, utilização e gestão. Elas também farão o gerenciamento de riscos e a execução das garantias em casos de inadimplência dos devedores. Outra novidade prevista no PL é a possibilidade de utilização da mesma garantia para a obtenção de diferentes empréstimos.
“A IGG poderá constituir garantias em nome próprio e realizar a gestão dessas garantias para diversos credores, que podem conceder créditos a tomadores com base no conjunto de garantias constituídas a uma IGG, em igualdade de prioridade em relação a outros credores”, explicam os advogados Celso Contin e Vinicius Mattos, respectivamente sócio e associado do Vieira Rezende Advogados. Dessa forma, a atividade de crédito poderá ser separada da constituição e gestão de garantias – resultando em maior eficiência às operações, segundo os advogados.
Para eles, outra mudança importante trazida pelo projeto é a inserção de um capítulo sobre o agente de garantias no Código Civil, que administrará as garantias em em benefício dos credores de um determinado tomador (a atividade poderá ser exercida pela IGG). “O principal ponto forte do PL 4.188/21 é a criação da gestão especializada de garantias e a regulamentação da atividade de agente de garantias no Brasil. O serviço trará inúmeros ganhos de eficiência à constituição de crédito com garantia, impulsionando a concessão de crédito no País”, afirmam Contin e Mattos.
O projeto prevê ainda alterações nas regras de alienação fiduciária, para facilitar a intimação do devedor inadimplente, e nas hipotecas, que se tornarão mais parecidas com a alienação fiduciária e poderão ser executadas extrajudicialmente com mais facilidade. Além disso, o PL pretende extinguir o monopólio da Caixa Econômica Federal no penhor.
Na entrevista a seguir, Contin e Mattos detalham os avanços do projeto e explicam por que ele pode contribuir para o dinamismo do mercado de crédito.
Quais são os principais pontos do novo marco das garantias proposto pelo governo?
Celso Contin e Vinicius Mattos: O Projeto de Lei 4.188/21 busca trazer avanços ao sistema de constituição de garantias no Brasil, com especial enfoque na criação do serviço de gestão especializada de garantias, que trará maior eficiência na constituição e gestão de garantias a operações de crédito.
Conforme os termos do projeto, o serviço será prestado pelas Instituições Gestoras de Garantia (IGG), entidades a serem regulamentadas pelo Conselho Monetário Nacional e que, portanto, ficarão sujeitas à supervisão do Banco Central do Brasil (BC). A IGG poderá constituir garantias em nome próprio e realizar a gestão dessas garantias para diversos credores, que podem conceder créditos a tomadores com base no conjunto de garantias constituídas a uma IGG, em igualdade de prioridade em relação a outros credores. Assim, com a sua criação, pretende-se separar a atividade de crédito da constituição e gestão das garantias, o que pode trazer grande eficiência às operações, como será aprofundado abaixo.
Outra importante proposta de mudança legislativa é a inserção de um capítulo sobre o agente de garantias no Código Civil, atividade que poderá ser realizada pela IGG. A figura do agente de garantias é amplamente utilizada em operações de financiamento baseada em lei estrangeira, mas a falta de regulamentação gerava alguma insegurança para a sua adoção em transações regidas por lei brasileira, já que o agente toma as garantias a serem dadas por um tomador em nome próprio e as administra em benefício dos credores de um determinado tomador.
Em seguida, o projeto propõe a modernização das regras aplicáveis à alienação fiduciária de bens imóveis, instituto largamente utilizado em financiamentos no Brasil. As regras propostas facilitam a excussão extrajudicial da garantia e a constituição de garantias de alienação fiduciárias sucessivas sobre um mesmo imóvel.
Também, na linha de facilitar a utilização de garantias imobiliárias, o projeto propõe diversas alterações nos procedimentos de excussão da hipoteca, alinhando os procedimentos executórios do instituto aos da alienação fiduciária.
Por fim, em relação às garantias, o projeto propõe a exclusão do monopólio da Caixa Econômica Federal nas operações sobre penhores civis, estimulando a competição bancária.
Na sua avaliação, quais são os pontos fortes e fracos do projeto de lei?
Celso Contin e Vinicius Mattos: O principal ponto forte do PL 4.188/21 é a criação da gestão especializada de garantias e a regulamentação da atividade de agente de garantias no Brasil. O serviço trará inúmeros ganhos de eficiência à constituição de crédito com garantia, impulsionando a concessão de crédito no País.
Atualmente, ao buscar crédito, um tomador necessita constituir uma garantia específica para cada credor, gerando repetidos procedimentos de auditoria legal e registros a cada dívida contraída. Tais garantias normalmente ficam atreladas a uma dívida até o seu total adimplemento, impedindo que o tomador utilize um bem já gravado para o financiamento de outras necessidades, ainda que já tenha adimplido a maior parte do crédito anterior.
Com as alterações propostas por meio do projeto, um tomador poderá dar ativos e direitos em garantia à IGG, que passará a fazer a gestão dessas garantias em benefício dos credores. A estrutura possibilita que um mesmo ativo seja utilizado para garantir diversas obrigações em igualdade de prioridade entre os credores. Assim, no exemplo acima, é possível se obter mais crédito com um único ativo, e há uma economia relevante nos processos de auditoria e registro para a constituição das garantias. Ainda há a possiblidade de os credores não necessitarem mais de times específicos para a gestão das garantias, terceirizando completamente o serviço para as IGGs e focando seus esforços na concessão do crédito propriamente dito.
As modernizações relacionadas à alienação fiduciária e à hipoteca são bem-vindas e trarão mais segurança nos processos e celeridade na resolução de controvérsias.
O que fica faltando em relação ao sistema de garantias brasileiro é aprofundar temas como a digitalização dos cartórios e principalmente a intercomunicação entre eles, quiçá a substituição do atual sistema por registros eletrônicos e centralizados. Já é possível, do ponto de vista tecnológico, desenvolver registros centralizados de ativos e de garantias, trazendo mais eficiência aos registros e consultas.
De maneira geral, ainda persistirão os enormes custos cartoriais e burocráticos do nosso sistema de garantias, mas é um projeto de lei definitivamente necessário e importante no longo prazo.
O marco se propõe a centralizar as normas sobre garantias existentes no País ou o nosso sistema de garantias ainda permanecerá descentralizado?
Celso Contin e Vinicius Mattos: O legislador brasileiro optou por um modelo disperso para o sistema de garantias. Temos leis específicas regulando os diferentes tipos de garantias, as quais estão submetidas a requisitos de constituição, registro e execução específicos e os quais estão associados a um sistema de registro com várias entidades (cartórios de imóveis, de títulos e documentos, B3, Detran, entre outros).
Nesse sentido, o novo marco de garantias propõe-se a tornar mais eficiente o registro e execução de garantias através da criação das IGGs, permitindo que o mesmo bem seja dado em garantia múltiplas vezes e criando uma instituição para centralizar a gestão bens/credores relacionados. A iniciativa é um avanço importante.
Contudo, as IGGs não representam a criação de um sistema de registro eletrônico global de garantias, apenas parcialmente para os bens que a ela forem atribuídos. A inexistência de um sistema centralizado de registro de garantias continuará a acarretar custos desnecessários para a sociedade.
No que consistem as Instituições Gestoras de Garantias (IGGs) e qual deve ser o papel delas? Elas funcionarão como instituições centralizadoras das garantias dadas a operações de crédito?
Celso Contin e Vinicius Mattos: As IGGs serão pessoas jurídicas de direito privado, autorizadas e reguladas pelo BC, cujos principais objetivos serão facilitar a constituição, a utilização, a gestão, a complementação e o compartilhamento de garantias utilizadas para operações de crédito contratadas com uma ou mais instituições financeiras.
Elas atuarão em nome próprio, mas em benefício dos credores do prestador das garantias, tendo dever fiduciário em relação à tais partes, conforme os termos de um contrato de gestão de garantias, também previsto pelo projeto de lei.
Assim, um determinado tomador poderá oferecer diversos bens em garantia às suas operações a uma IGG. Esta registrará as garantias em nome próprio, conforme os termos do contrato de gestão de garantias e poderá fazer a avaliação dos bens dados em garantia e fornecer as informações aos potenciais credores. Uma vez acordada a concessão dos créditos, a IGG poderá fazer o controle do valor das garantias frente aos créditos concedidos, de forma a permitir que o sindicato de credores conte com uma determinada cobertura frente às garantias ofertadas.
No caso de um inadimplemento, que passará a atingir todos os credores, por disposições de cross-default, a IGG poderá excutir as garantias e dividir o produto obtido entre os credores, retornando o excesso ao tomador, se houver.
Dessa forma, as IGGs funcionarão como instituições centralizadoras das garantias dos tomadores. Como o arranjo é contratual, essa centralização dar-se-á somente em relação aos bens cedidos em garantia a uma determinada IGG. No entanto, dada a eficiência na gestão das garantias trazida pelas IGGs, deve ser natural que tomadores passem a constituir a totalidade das garantias em operações de crédito por meio dessas instituições.
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