Estudos para a criação de código de contencioso fiscal

CNJ e Receita Federal avaliam viabilidade de unificação de procedimentos para diminuir atritos com os contribuintes

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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Receita Federal montaram um grupo de trabalho para estudar a viabilidade de criação de um código de contencioso fiscal no Brasil. O objetivo seria diminuir os atritos entre o fisco e os contribuintes, que a cada ano provoca muito desgaste e prejuízo, para ambas as partes.

“Acredito que essa unificação, considerando todos os contenciosos do País — judiciais e administrativos federal, estadual e municipal — poderá ser benéfica para o contencioso fiscal, visando uma simplificação nos procedimentos para constituição e cobrança de créditos fiscais”, afirma Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia, sócia do Candido Martins Advogados. Ela faz a ressalva de que devem sempre ser respeitados os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

Na avaliação de Thiago Braichi, sócio do Freitas Ferraz Capuruço Braichi Riccio Advogados, hoje os contribuintes não encontram previsibilidade e segurança no contencioso administrativo. “As diretrizes dos processos administrativos fiscais são diversas e não há sintonia entre os entes federativos, sobretudo estados e municípios”, afirma. “A criação de um código para unificar os procedimentos retira uma grande barreira do contencioso administrativo: a própria falta de clareza e assertividade quanto ao rito processual a ser adotado para uma defesa administrativa”, acrescenta.

A iniciativa é positiva, mas estaria longe de solucionar os problemas das disputas entre fisco e contribuintes. “Não acredito que a criação do código possa arrefecer as disputas. Isso porque o maior problema das discussões fiscais não é de ordem processual, mas relacionado à grande complexidade de todo o sistema tributário brasileiro”, observa Chiaradia.

“Um dos pontos negativos e preocupantes é a eventual pretensão de alteração do texto constitucional para obstar o acesso ao Poder Judiciário para encerrar as discussões apenas na esfera administrativa”, alerta a advogada.

Braichi observa que, no modelo atual, após o fim do processo administrativo, o contribuinte pode reiniciar toda a discussão no Judiciário — ponto que será avaliado pelo projeto, com o objetivo de tornar mais célere o contencioso tributário administrativo e judicial. “Mas essa reavaliação é sensível, e facilmente pode tolher os mecanismos de defesa atualmente disponíveis aos contribuintes, o que, a meu ver, não é admissível”, ressalva.

A seguir, Chiaradia e Braichi abordam outros aspectos da iniciativa.


Na sua opinião, a ideia da criação desse código seria benéfica para o contencioso fiscal? Ajudaria a arrefecer as disputas?

Sim. Acredito que essa unificação, considerando todos os contenciosos do País — judiciais e administrativos federal, estadual e municipal — poderá ser benéfica para o contencioso fiscal como um todo, visando uma simplificação nos procedimentos para constituição e cobrança de créditos fiscais. Mas desde que sempre respeitados os princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

Sinceramente, no entanto, não acredito que a criação do código possa arrefecer as disputas. O maior problema nas discussões fiscais não está no âmbito processual, mas sim na grande complexidade de todo o sistema tributário — afinal, são diversos os tributos e diversas as interpretações que acarretam as discussões e demandam tempo na solução dos litígios.

Atualmente, os contribuintes não encontram previsibilidade e segurança no contencioso administrativo. As diretrizes dos processos administrativos fiscais são diversas e não há sintonia entre os entes federativos, sobretudo estados e municípios.

Assim, além de gastar tempo e dinheiro com a preparação de uma defesa de mérito, gasta-se muito na identificação e interpretação do rito do processo administrativo fiscal de cada ente. Por vezes, há legislações incompletas, e as informações sobre regras processuais apenas são fornecidas por telefone — situação de total insegurança para o contribuinte.

Dessa forma, a criação de um código para unificar os procedimentos retira uma grande barreira do contencioso administrativo: a própria falta de clareza e assertividade quanto ao rito processual a ser adotado para uma defesa administrativa.


Em que aspectos esse código seria positivo ou negativo, considerando as perspectivas do fisco e dos contribuintes separadamente?

O código seria positivo ao unificar o contencioso fiscal do País. Atualmente, existem diversas normas sobre contencioso administrativo no Brasil. Cada estado e município da federação, por exemplo, tem sua legislação a respeito do passo a passo para a fiscalização, a constituição e a cobrança de crédito fiscal. Cada um disciplina os prazos para apresentação de defesa, recursos, julgamentos etc. Imagine a loucura que é acompanhar essa dinâmica. Muitas prefeituras sequer atualizam seus sites para disponibilizar sua legislação e a cada caso precisamos pesquisar a lei aplicável. Na perspectiva dos contribuintes, essa unificação simplificará os procedimentos e facilitará a melhor condução do contencioso administrativo.

Um dos pontos negativos — e que me preocupa — é a eventual pretensão de alteração do texto constitucional para obstar o acesso ao Poder Judiciário para encerrar as discussões apenas na esfera administrativa. O amplo acesso ao Judiciário é assegurado constitucionalmente por meio de cláusula pétrea, prevista no artigo 5º, inciso XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Na perspectiva do fisco, acredito que esse seja um pleito para encerrar as discussões na esfera administrativa, mas sou contra essa pretensão, que objetiva afastar o exercício de direito individual. Diferentemente do que ocorre no Poder Judiciário, os julgamentos no âmbito administrativos não são imparciais e obstar a busca de uma medida judicial pode obstar os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

A criação de um código facilita, tanto para contribuinte quanto para o fisco, a atuação no processo administrativo fiscal, na medida em que estabelece critérios objetivos que devem ser seguidos pelas partes para a atuação nos processos. Em outras palavras, a clareza quanto às “regras do jogo” é algo benéfico para todas as partes envolvidas.

Por outro lado, do ponto de vista dos estados e municípios, a criação de um código enfraquece a sua discricionariedade. Isso é, os eles não poderão mais definir as regras de seu contencioso administrativo fiscal.


Em que medida eventual unificação dos ritos em relação às várias esferas públicas contribuiria para melhorar os procedimentos?

A unificação dos ritos representa simplificação, facilitando o acesso às normas que disciplinam o contencioso administrativo no País.

Inicialmente, a integração entre os entes (União, estados e municípios) pode promover maior segurança jurídica e celeridade ao contencioso tributário, e tem potencial de conferir um tratamento mais transparente ao contribuinte em todas as esferas.

Além disso, a ideia do projeto é, além de implementar um rito procedimental único para o contencioso administrativo, sincronizar o processo administrativo com o Poder Judiciário — em outras palavras, integrar a discussão administrativa à discussão judicial.

No modelo atual, após o fim do processo administrativo, o contribuinte pode reiniciar toda a discussão no Judiciário — ponto que será avaliado pelo projeto, com o objetivo de tornar mais célere o contencioso tributário como um todo (administrativo e judicial). Essa reavaliação é sensível, e facilmente pode tolher os mecanismos de defesa atualmente disponíveis aos contribuintes, o que, a meu ver, não é admissível.


O processo de constituição do grupo de trabalho, na sua avaliação, contemplou os vários agentes interessados nas questões do contencioso tributário?

Tatiana Del Giudice Cappa Chiaradia: Pela manifestação da iniciativa dos estudos, estariam convocados para acompanhar a Receita Federal, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, o Poder Judiciário e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Acredito que cada um desses órgãos poderá representar bem os interesses do fisco federal e dos contribuintes. Apenas desconfio que o fisco estadual e municipal poderiam ser prejudicados, por não terem representatividade nessa discussão, mas ressalto que o fisco federal conseguirá fazer o bastante pensando no interesse público.

Infelizmente, não é viável que participem diretamente do projeto todos os interessados, e a representação sempre será incompleta. No entanto, acredito que seria possível fornecer maior representatividade, no mínimo, de todos os estados, pois apenas sete estados e o Distrito Federal estão participando da avaliação. Além disso, falta também maior representação dos contribuintes, diante do grande impacto que a questão poderá gerar.

 

 

 

 

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