Em busca de liquidez para os precatórios

Pagar dívidas não tributárias e outorgas pode ser uma saída para os credores do Estado

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Até o ano passado, o pagamento dos precatórios federais em data conhecida era certo. Mas tudo mudou com o estabelecimento de um teto para pagamento dessas dívidas do Estado, por meio da chamada PEC dos Precatórios. Agora, muitos credores não sabem quando irão receber. Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) não julga as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) referentes ao tema, uma saída para os detentores de precatórios é a sua utilização para outras finalidades.

Sócia do Vieira Rezende Advogados, Virginia Mesquita considera que a nova permissão constitucional para o uso de precatórios na quitação de outorgas e outros débitos não tributários com o Estado deve ser levada a sério — e pode ser uma boa alternativa. “O que puder ser feito para dar liquidez aos precatórios é bem-vindo”, afirma. 

As outras opções à mão dos credores do Estado não parecem muito atraentes. “Se não quiser esperar, o credor pode fazer um acordo para tentar receber o precatório antes, dando um desconto de 40% no valor do precatório e, a depender do valor, ainda parcelando esse valor descontado. Ou pode ceder o precatório a terceiros, também com desconto”, detalha. 

Na avaliação de Mesquita, esse cenário não mudou após a publicação da Lei 14.352/22, em 25 de maio, que dispôs sobre a mecânica do planejamento e pagamento dos precatórios, sobre a inclusão dos precatórios relativos ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e sobre acordos firmados por credores de precatórios na lei orçamentária. “A lei infelizmente não ameniza a pedalada.” 

A seguir, Mesquita trata de outros aspectos da questão dos precatórios e explica por que sua utilização para pagar débitos não tributários pode ser interessante. 


De que forma as emendas constitucionais 113 e 114/21 modificaram o pagamento dos precatórios federais?

Virginia Mesquita: A Emenda Constitucional (EC) 113 permitiu o uso de precatórios (crédito líquido e certo devidamente reconhecido pelo ente público ou por decisão judicial) para pagamentos de débitos parcelados ou inscritos em dívida ativa, quitação de outorgas pela delegação de serviços públicos e aquisição de certos bens e direitos, quando relativos ao mesmo ente público do devedor do precatório. Ela também estabeleceu a correção das condenações envolvendo a Fazenda Pública pela incidência da Selic e determinou o parcelamento de dívidas de natureza previdenciária. 

A escandalosa pedalada do precatório veio na Emenda 114, que estabeleceu que, até 2026, o limite alocado nas propostas de lei orçamentária para pagamento de precatórios seria igual ao valor da despesa paga com os precatórios em 2016 corrigido. O problema é que a dívida com precatórios vinha subindo, em decorrência de decisões reconhecendo débitos dos entes públicos que tramitavam havia anos nos tribunais. Então, travando-se o valor que poderia ser alocado na lei orçamentária ao que foi pago em 2016, muitas dívidas ficariam de fora. E pior: a emenda não diz o que deve ser feito com as dívidas de anos anteriores que irão se acumular a partir dessa nova trava.


A questão do parcelamento foi pacificada após a aprovação das emendas constitucionais ou há ações questionando a constitucionalidade?

Virginia Mesquita: Há duas ADIs questionando a constitucionalidade do pacote de parcelamentos. Uma proposta pelo PDT, que contou com pedido de amicus curiae de diversas associações de servidores públicos, e outra pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) juntamente com a Associação de Magistrados Brasileiros e outras tantas associações de servidores. Além de ser questionável o parcelamento dos precatórios do ponto de vista do direito adquirido dos credores, o governo precisou fazer diversas manobras legislativas para aprová-la (fatiamento da PEC, alteração na regra de cômputos de votos dos parlamentares etc). Com isso, abriu espaço para que se questionasse tanto a constitucionalidade formal (referente à correção do processo legislativo de aprovação) quanto material (referente ao mérito) das emendas.


Quais foram os critérios estabelecidos pelo governo, por meio da Lei 14.352/22, para o pagamento dos precatórios?

Virginia Mesquita: A ordem de prioridade dos precatórios já havia sido dada na EC 114 (e privilegia o chamado precatório alimentar). O que a Lei 14.352/22 faz é dispor sobre a mecânica do planejamento e pagamento dos precatórios e sobre a inclusão dos precatórios relativos ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e sobre acordos firmados por credores de precatórios na lei orçamentária.


Com a publicação da lei, os detentores de precatórios podem ter alguma expectativa de quando vão receber os recursos?

Virginia Mesquita: A lei infelizmente não ameniza a pedalada. Se não quiser esperar, o credor pode fazer um acordo para tentar receber o precatório antes, dando um desconto de 40% no valor do precatório e, a depender do valor, ainda parcelando esse valor descontado. Ou pode ceder o precatório a terceiros, também com desconto. Vale notar que diferentes entes têm pago os precatórios em tempos distintos. Há estados e municípios que têm quitado seus precatórios em prazo menor, enquanto outros demoram mais e têm se apoiado a todas as boias de salvação das mudanças legislativas que permitem postergar o pagamento dos precatórios (as ECs 113 e 114 não foram as primeiras). 

É por essas razões que temos defendido que seja levada a sério a nova permissão constitucional para o uso de precatórios na quitação de outorgas e outros débitos não tributários com o ente devedor. O que puder ser feito para dar liquidez aos precatórios é bem-vindo. Essa espiral de calotes no credor do Estado é uma péssima política fiscal de curto e longo prazo e cria um desequilíbrio de poder injustificado entre o Estado e os administrados.

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