Decisão do STJ pode desincentivar fundos imobiliários

Em questão, está o pagamento do ITBI quando o imóvel é transferido para o FII

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Um futuro julgamento do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) sobre a incidência do imposto sobre transmissão de bens imóveis (ITBI) em fundos imobiliários pode ter um impacto relevante sobre esses produtos, com potencial para aumentar os custos de estruturação e o risco para as administradoras. 

De um lado, estão os contribuintes, que alegam que não deve incidir a cobrança do imposto quando eles transferem a propriedade de um imóvel para um fundo de investimento imobiliário (FII). De outro, a Prefeitura de São Paulo, que cobra o imposto. Essa questão deve ser julgada pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no Agravo em Recurso Especial (AREsp) 1.492.971/SP. Em sessão do dia 20 de setembro, houve pedido de vistas e o julgamento foi interrompido. 

“A integralização dos imóveis pelo FII é inerente e essencial à sua operação e a não exigência do ITBI gera uma economia significativa no custo da operação”, afirma Paula Cambraia, associada do Freitas Ferraz Advogados. Por isso, ela considera que eventual decisão pela cobrança do ITBI tem potencial para desincentivar a indústria de fundos imobiliários. Apesar de não se tratar de recurso repetitivo e não gerar precedente direto para julgamentos futuros, a decisão pode influenciar outras, no Judiciário e em âmbito administrativo.

Do ponto de vista do contribuinte, ao transferir o imóvel para um fundo imobiliário, o imposto não deveria incidir porque essa transmissão de propriedade não é onerosa e sim realizada em caráter fiduciário, para que o fundo faça a gestão do imóvel. Sob essa ótica, os cotistas continuam sendo proprietários indiretos do imóvel. Para o município de São Paulo, ocorre a transferência a título oneroso da propriedade quando os cotistas fazem a integralização do fundo com o imóvel. Este último é pago por meio da emissão de novas cotas do fundo, e, desse ponto de vista, isso seria o fato gerador do ITBI. 

Para a advogada, do ponto de vista jurídico, os argumentos favoráveis à incidência do ITBI são fracos. A lei que regula os FIIs é clara ao prever que a transferência dos imóveis para o fundo se dá em caráter fiduciário, e o Código Tributário Nacional (CTN) e a Constituição Federal também são claros ao preverem como fato gerador deste imposto a efetiva transferência da propriedade do bem imóvel (que, como já decidido pelo STJ, se dá mediante registro na matrícula imobiliária).

Ela explica que, de acordo com a Lei 8.668/93, quando ocorre a integralização dos imóveis pelo fundo, não há transferência onerosa da propriedade do bem, e sim a transferência em caráter fiduciário para a administradora do fundo, para que esta os administre em benefício dos cotistas. “O instituto jurídico da propriedade fiduciária é ponto essencial para que se tenha uma correta interpretação dos FIIs e nos parece ser o argumento de maior relevância para defesa da tese quanto à não incidência do ITBI em tais operações”, avalia Cambraia.

Na entrevista abaixo, Cambraia trata dos pontos fracos e fortes de cada argumento e aborda possível entendimento da corte a respeito da questão.


Por que a incidência do ITBI nas operações de integralização de imóveis em fundos imobiliários será julgada pelo STJ no AREsp nº 1492971/SP? Qual é o histórico dessa questão?

Paula Cambraia: O julgamento do AREsp nº 1492971/SP pelo STJ decorre de mandado de segurança impetrado pelo Banco Modal, instituição financeira responsável pela administração de Fundos de Investimento Imobiliários (FII), cujo objeto é o reconhecimento de ilegalidade cometida pela Prefeitura de São Paulo consubstanciada na exigência de ITBI sobre a integralização de imóvel junto ao FII. 

No caso em julgamento, o Banco Modal (administrador do fundo) alega que a Prefeitura de São Paulo exigirá o pagamento do ITBI em uma operação que será feita pelo fundo, tendo em vista o entendimento já apresentado por meio da resposta à Solução de Consulta de nº SF/DEJUG nº 16, de 10 de agosto de 2016, também feita pelo administrador do fundo em operação similar à que se discute no mandado de segurança. 

O administrador do fundo alega que, na resposta à solução de consulta, a autoridade coautora se posicionou no sentido de entender que há incidência de ITBI na integralização de imóvel por FII, por se tratar de transferência a título oneroso da propriedade do imóvel.

Tal posição se baseia no entendimento de que neste tipo de operação a administradora adquire o imóvel para compor o patrimônio do fundo e, em troca, emite cotas ao alienante como forma de pagamento.

Segundo o administrador do fundo, tal interpretação fere o disposto na Lei 8.668/93 e nos artigos 156, II da Constituição Federal (CR/88) e 35, II do Código Tributário Nacional (CTN), razão pela qual seria necessária a intervenção do Judiciário para que fosse reconhecida a ilegalidade praticada.


Quais são os argumentos favoráveis e contrários à cobrança de ITBI nessas operações? Em sua avaliação, quais são os pontos fortes e fracos desses argumentos?

Paula Cambraia: Os argumentos favoráveis à cobrança do ITBI residem no entendimento de que, quando da integralização dos imóveis pelo FII, há a efetiva transferência a título oneroso da propriedade do bem – com base no fundamento de que a aquisição do imóvel para integrar o patrimônio do FII seria feita diretamente pela administradora e haveria o pagamento aos alienantes do imóvel por meio da emissão de novas cotas – o que, consequentemente, seria fato gerador do ITBI. 

Ainda neste sentido, aqueles que são favoráveis à incidência do ITBI entendem que os FIIs não estão sujeitos à imunidade tributária pela transmissão da propriedade fiduciária prevista nos artigos 156, II da CR/88 e 35, II do CTN.

Do nosso entendimento, são fracos os argumentos favoráveis à cobrança do ITBI justamente por serem contrários à legislação específica, à Constituição Federal e à legislação tributária. 

Por sua vez, os argumentos contrários à cobrança de ITBI em tais operações têm como fundamento o entendimento de que não há, na integralização de imóveis realizada por FII’s, transferência da propriedade para o fundo. Isso porque a Lei 8.668/93 define em seu o artigo 1º os FII’s como institutos que não gozam de personalidade jurídica e cujo patrimônio, conforme disposto nos artigos 6º e 7º, é constituído pelos bens e direitos adquiridos pela instituição administradora, em caráter fiduciário, que não se comunicam com o patrimônio da instituição.

Assim, por definição legal, quando da integralização dos imóveis pelo fundo, não há transferência onerosa da propriedade do bem. O que ocorre é a transferência em caráter fiduciário para a administradora do fundo, para fins exclusivos de administração em benefício dos cotistas.

Do ponto de vista jurídico, em geral, são fracos os argumentos favoráveis à incidência do ITBI tendo em vista que a legislação específica que regula os FIIs é clara ao prever que a transferência dos imóveis para o fundo se dá em caráter fiduciário e, do mesmo modo, o CTN e a CF/88 são claros ao preverem como fato gerador do ITBI a efetiva transferência da propriedade do bem imóvel que, como já decidido pelo STJ, se dá mediante registro na matrícula imobiliária.

O instituto jurídico da propriedade fiduciária é ponto essencial para que se tenha uma correta interpretação dos FIIs e nos parece ser o argumento de maior relevância para defesa da tese quanto à não incidência do ITBI em tais operações. O que pode enfraquecer este argumento e fortalecer o argumento favorável à cobrança do ITBI é justamente o entendimento já apresentado pelo ministro relator do AREsp nº 1.492.971/SP, no sentido de que a emissão de cotas do fundo ao alienante configuraria pagamento e, consequentemente, transferência onerosa da propriedade.


O julgamento pelo STJ foi interrompido por um pedido de vista. Até o momento, pode-se identificar alguma tendência da corte? Há expectativa de quando ocorrerá o novo julgamento?

Paula Cambraia: Até o momento, houve somente o voto do ministro relator Gurgel de Faria, estando pendentes ainda os votos da ministra Regina Helena Costa, que pediu vista após o voto do relator, e dos demais ministros que compõem a primeira Turma.

É difícil afirmar se há uma tendência no julgamento do caso específico sob análise, tendo em vista que o STJ ainda não julgou a matéria.

Entretanto, a Primeira Turma já se posicionou diversas vezes no sentido de que o fato gerador do ITBI é a efetiva transferência da propriedade imobiliária, com registro no ofício competente, em consonância com o posicionamento já adotado pelo STJ no julgamento do ARE 1294969, com repercussão geral (Tema 1124), que definiu a tese no sentido de que “O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro”.

Ainda, o pedido de vista formulado pela ministra Regina Helena Costa, e a ausência de voto pelos demais ministros que integram a Primeira Turma – o que poderia ter sido feito, caso se sentissem aptos a votar, conforme artigo 162 do Regimento Interno do STJ – pode ser um indicativo de divergência.

Assim, caso a turma julgadora se baseie no entendimento de que a transferência da propriedade fiduciária não gera transferência da propriedade imobiliária, é possível que o julgamento seja contrário à incidência do imposto na operação.

Por fim, quanto à data para o julgamento, pela regra do artigo 162 do regimento interno do STJ, nos julgamentos, o ministro que formular o pedido de vista “restituirá os autos ao Presidente do Órgão Julgador dentro de, no máximo, sessenta dias a contar do momento em que os autos lhe forem disponibilizados, devendo prosseguir o julgamento do feito na sessão subsequente ao fim do prazo, com ou sem o voto-vista”. Do mesmo modo, nos termos do artigo 161, §2º do regimento interno do STJ, caso ocorra segundo pedido de vista, o ministro que o solicitar terá prazo de 30 dias para devolução dos autos. 

Assim, pode-se afirmar que o processo retornará para a pauta de julgamento a partir do dia 21/11/2022, sendo que o julgamento poderá ser suspendido novamente caso haja novo pedido de vista.


Qual é a importância desse julgamento para a indústria de fundos imobiliários? Caso o STJ decida pela cobrança do ITBI nessas operações, qual será o impacto? 

Paula Cambraia: A integralização dos imóveis pelo FII é inerente e essencial à sua operação e a não exigência do ITBI gera uma economia significativa no custo da operação. Além disso, em decorrência do disposto nos artigos 1º e 14º da Lei 8.668/93, os FIIs não possem personalidade jurídica e os administradores respondem pessoalmente débitos tributários decorrentes das operações.

Diante disso, em que pese não se tratar de recurso repetitivo e, por isso, não gerar precedente direto para julgamentos futuros, o julgamento do AREsp nº 1.492.971/SP pode influenciar decisões futuras no âmbito do Judiciário e administrativo, o que pode se mostrar como fator que gerará aumento dos custos de estruturação, maior risco para as instituições administradoras e, consequentemente, desincentivo à indústria dos fundos imobiliários.

2 Comentários
  1. Cleidimar Bento Gonçalves Diz

    Excelente matéria. Parabéns a todos do site. 👏

  2. Eduardo Bertti Diz

    Governo não tem mais onde tirar dinheiro e começa a inventar. É o mesmo que querer combrar ICMS sobre transferência bancária. Deveriam cortar custo ao invés. Mas isso tem pouco impacto para Fii’s profissionais uma vez que compram seus bens.

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